Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mario Lima Cavalcanti


WEBJORNALISMO

“O verdadeiro papel do redator de Web”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/7/03

“A principal discussão na semana passada na lista Jornalistas da Web, que aborda questões do universo do jornalismo online, foi sobre qual é o real papel do redator de Web. Em agotso de 2002 já havia falado sobre o assunto, mas como o tema, que faz parte do cotidiano de muita gente da área, continua sendo uma polêmica, vale refletirmos novamente.

Mesmo após um ano, ainda vemos opiniões similares. Grande parte de quem deu pitaco na lista sobre o tema concorda com o fato de que o redator de Web deve estar familiarizado com os programas e tecnologias mais utilizados no dia-a-dia, como, por exemplo, o HTML ou as ferramentas de edição de imagens. É óbvio que o jornalista que trabalha no meio online não tem que de dominar por obrigatoriedade tais recursos, mas – até mesmo falando por experiência própria – estar ciente do que cada ferramenta faz e saber usá-las nos deixa com mais controle da situação.

Há quem defenda o ?tradicional? papel do redator de ?somente? apurar, escrever e seguir pautas, sem ter a obrigação de dominar tecnologias. Mas cá entre nós, o Microsoft Word é uma ferramenta de edição de textos, e não imagino um jornalista em atividade nos dias de hoje que não saiba utilizar tal recurso. Outros jornalistas, como o brasiliense Alexandre Sena, possuem argumentos similares e bem interessantes: ?Saber a codificação HTML, hoje, creio ser fundamental para quem trabalha com Internet. Não apenas a codificação manual, mas também o domínio de ferramentas de autoração em HTML (como o Dreamweaver). As empresas valorizam também quem trabalha com ferramentas gráficas (Flash, Photoshop, e outros) e linguagens de programação para sites dinâmicos (ASP, PHP, Coldfusion) e outros. Claro que você não precisa ser um super-homem e saber tudo quanto é linguagem ou ferramenta, mas quanto mais domínio você tiver, mais valorizado fica no mercado.?, diz.

Se você está por dentro de como as ferramentas funcionam e/ou sabe utilizá-las, isso pode ser – e não estou querendo dizer que vai ser – uma carta na manga no que diz respeito a mercado de trabalho. E, ao se conhecer as tecnologias, você também pode interagir com os outros setores de uma empresa, como os de design e desenvolvimento. Alexandre Carvalho, editor de conteúdo do TI Master, portal sobre Tecnologia da Informação, ao contrário do que muitos pensam, ter conhecimento técnico de ferramentas não significa acúmulo de funções para o jornalista: ?não existe uma regra que obrigue um redator/webwriter a ter o ?bom conhecimento técnico de ferramentas e linguagens da Web?, mas posso te dizer com toda a segurança que isso ajuda um bocado, dependendo do trabalho que você for fazer. Não vejo como acúmulo de funções. Ainda que sua função seja apenas a de escrever, todo conhecimento é válido, mesmo que você nem vá utilizá-lo num futuro próximo. Tendo esse conhecimento, você pode, por exemplo, discutir idéias com o webmaster que trabalha contigo, mas falando a mesma língua, entende? Isso faz uma diferença enorme no final. Uma coisa é certa: na disputa por uma proposta de trabalho, ganha quem tem essa bagagem extra.?, diz Carvalho.

Concordando com os colegas, em resumo, também vejo que, como jornalistas, é nosso papel ?correr atrás? da utilização desses recursos, pois, no meio digital principalmente, eles sempre vão caminhar ao nosso lado. Até a próxima!”

LÍNGUA PORTUGUESA

“Exclamações incovenientes”, copyright Jornal do Brasil, 13/7/03

“Orra, meu! Em vários lugares do Brasil, especialmente em São Paulo, é muito ouvida esta expressão. A linguagem coloquial omitiu o ?p? inicial e, entre outras elipses, tirou também o nome que se seguiria ao pronome ?meu?. Talvez, não sem razão, podemos imaginar que o sentido seria mais ou menos o seguinte: ?Nossa, meu amigo!?. E aqui também já haveria a elipse de ?Senhora?, vez que Portugal, nação de reis católicos, introduziu a Virgem Maria em numerosas expressões do português, trazendo esse linguajar para o Brasil.

?Porra? e ?porrada? procedem do latim ?porra?, que designava arma de madeira, na verdade um pedaço de pau em cuja extremidade havia uma protuberância. Ali eram incrustados pedaços de metal, semelhando pregos. Bem antes de tornar-se a interjeição mais exclamada em nossa linguagem coloquial, dar uma porrada no inimigo era feri-lo. Mas a ?porra?, que serviu de base a palavras como ?porrada? e ?porrete?, designava também, entre os séculos 13 e 15, sem a vulgaridade que depois a marcaria, um cetro eclesiástico, muito usado por autoridades da Igreja em procissões e outras solenidades.

Por isso, quando hoje alguém exclama ?orra, meu!?, na estrada da língua um longo trecho foi percorrido e nesse trajeto a ofensa foi perdendo sua carga de violência, limitando-se a uma inconformidade apenas verbal, sem que a ofensa esteja necessariamente presente.

Outras vinculações foram estabelecidas. ?Porra? foi também, durante séculos, variante de ?porro?, vegetal de talo grande e grosso, em cuja extremidade está um bulbo que semelha a ponta da arma romana, que provavelmente serviu de metáfora para designar o vegetal. No caso do alho, o masculino ?porro? substituiu o feminino ?porra?, evoluindo depois para a forma ?porró?. Além do mais, o bulbo produz um líquido branco que lembra o esperma, que tem em ?porra? a sua designação mais popular.

Às vezes, a ofensa está tão oculta que é preciso ir levantando um a um os sete véus que a encobrem. É o caso de ?burro?, palavra utilizada para desqualificar o próximo. Assim, ?burro?, sinônimo de teimoso e cabeçudo, recebeu inédito reforço no italiano testone e no francês teston, designando nas duas línguas antiga moeda que trazia a efígie de um rei de cabeça grande. A intenção de quem mandou imprimir no dinheiro a imagem do rei não foi a de satirizá-lo, mas o povo atribuiu ao indivíduo de cabeça grande uma difusa insuficiência intelectual. Quando, porém, ?tostão? chega à língua portuguesa, no começo do século 16, não tem mais a carga pejorativa que carregava no francês, que registra teston em fins do século 15, nem no italiano, onde, desde o século 13, designava o tipo de cabeça grande e falta de inteligência.

?Burro?, porém, permaneceu como ofensa e com este sentido está em nossa língua até os dias de hoje. ?Burro? e ?besta? destinam-se, de acordo com o contexto em que são empregados, a ofensas, mas recentemente a língua procedeu a uma curiosa alteração. ?Besta? veio do latim tardio besta, baseado no latim culto bestia, ambos designando animal quadrúpede capaz de transportar cargas que os ombros humanos não podiam ou não queriam carregar. Logo passou a ser usado em sentido conotativo para ofender os ignaros, à semelhança de um de seus sinônimos. Mas hoje é marca de um dos carros utilitários mais vendidos no Brasil. E neste caso sua etimologia é outra, tendo derivado de best, o superlativo de gut, ?bom?, em alemão.

E chamar alguém de ?burro?, do latim burricus, é uma ofensa ao animal, como reconheceram vários escritores que o tomaram como personagem. Com efeito, o burro é um animal inteligente.

Bom domingo a todos e até de repente!”

 

JOE GOULD BY MITCHELL

“Joe Gould sem cascata”, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 11/7/03

“Nestes tempos das fraudes de Jayson Blair no New York Times, Joseph Mitchell correria o risco de ser chamado de cascateiro, jornalista que inconformado com a realidade prefere inventá-la. Dos anos 30 aos 60 do século passado, sempre para a revista New Yorker, Mitchell dedicou o formidável talento que fez dele consumado mestre do jornalismo literário a descrever espeluncas – bares infectos, bilhares decrépitos – e perfilar pródigo elenco de anônimos – ciganos, mulheres barbadas, índios, médicos legistas. É mais fácil desvendar a patriotada que fez da soldado Jessica Lynch falsa heroína na guerra do Iraque do que conferir se de fato existe uma certa Jane Barnell, a Lady Olga, que encantara picadeiros com seus bigodes e cavanhaques.

Acaba de sair aqui ?O Segredo de Joe Gould?, obra-prima de Joseph Mitchell. Conta em dois tempos – 1942 e 1964 – a história de um literato maltrapilho ou vagabundo filósofo que andava pelas ruas sobraçando maços de papel onde anotava ?Uma História Oral da Nossa Época?, vastíssima compilação de conversa afiada com gente anônima de Nova York. Gould é um personagem muito peculiar. Neto e filho de médicos de Boston, graduado em Harvard, muito cedo foi ser gauche na vida ou, como ele mesmo dizia, ?a maior autoridade dos Estados Unidos em privação?. ?Vivo de ar, auto-estima, guimba de cigarro, café de caubói (café amargo), sanduíche de ovo frito e catchup?, definia-se assim. Esqueceu dos piolhos.

Tudo o que é preciso saber sobre Mitchell e sobre a peculiaríssima experiência da revista New Yorker, publicação semanal quase inteiramente desconectada das manchetes e berçário do melhor jornalismo literário, está no exemplar posfácio desta edição brasileira assinado por João Moreira Salles. O que João mostra com fartas evidências é como Mitchell trabalhava com absoluto rigor, checando informações, mastigando lentamente as impressões que colhia nas ruas antes de escrever. Ouviu Gould com imensa paciência peregrinando com ele pelas referências de sua vida errante na cidade. Isso fez dele um anti-cascateiro por imprimir veracidade a tudo o que escreveu num território onde seria fácil disseminar o inverossímil.

O Segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell. Tradução de Hildegard Feist. Pósfacio de João Moreira Salles. Editora Companhia das Letras; 160 páginas; R$ 27,50.”