Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mario Sergio Conti

CONTI vs. SANTA RITA

"A despolitização da política", copyright Folha de S. Paulo, 29/12/01

"Duda Mendonça, 56, escreve no livro ?Casos & Coisas? que ?uma campanha é uma guerra, no sentido metafórico da palavra. Com exército, estratégias, bombas, vitórias, derrotas, sofrimentos?.

Chico Santa Rita, 62, é belicista já no título de seu ?Batalhas Eleitorais?. No primeiro parágrafo, explica: ?Eleição é guerra. De vida ou morte. De extermínio. Muitas vezes vale-tudo, guerra suja. Aliás como em todas as guerras?.

Supondo que campanhas eleitorais sejam de fato guerras, Duda Mendonça e Santa Rita exercem nelas a função de mercenários. Marqueteiros políticos, em troca de dinheiro eles defenderam, defendem e defenderão qualquer política, qualquer candidato.

Duda ganhou mares de dinheiro de Paulo Maluf, trabalhou para Fernando Collor, Miguel Arraes, Joaquim Roriz e hoje é o marqueteiro oficial do PT de Lula. Santa Rita ganhou oceanos de dinheiro de Orestes Quércia, trabalhou para Collor, Ulysses Guimarães, Mário Covas, Romeu Tuma e hoje está sem candidato à Presidência.

Num ano sem guerras, os dois mercenários se dedicaram à literatura. Lançaram há pouco livros em que comemoram seus feitos em combate. Afora as diferenças de personalidade (Santa Rita faz o gênero agressivo; Mendonça quer parecer boa praça), é espantoso como ?Casos & Coisas? e ?Batalhas Eleitorais? são parecidos.

São livros semelhantes na falta de estruturação e encadeamento lógico. Os autores alinhavam casos e casos aleatoriamente e deles buscam tirar lições. Um caso não se liga ao outro, e há lições em demasia. Publicitários, Santa Rita e Duda estão acostumados a textos curtos e simplórios. Têm dificuldade em lidar com raciocínios. Desconhecem o que seja nuance, complexidade, aprofundamento. Suas máximas são inócuas.

Alguns exemplos da prosa catatônica de Duda: ?Um texto na televisão é um texto para ser dito?. ?As pesquisas não são infalíveis?. ?Ninguém faz uma campanha para que ela seja engraçada ou inteligente. Faz para ganhar?.

O acaciano Santa Rita não fica atrás: ?Mais importante que tudo é ganhar?. ?Ganha a eleição quem tem de ganhar?. ?A campanha tem que ser dimensionada dentro das reais condições existentes?.

Os mercenários são iguais também na prepotência. Jamais admitem ter cometido erros eleitorais, mesmo quando seus candidatos foram derrotados.

Duda, que aconselhou Maluf a dizer a mais catastrófica de suas frases (?Se o Pitta não for um grande prefeito, nunca mais vote em mim?), nem por isso perde a pose. ?Só haveria uma forma para fazer aquele povo acreditar na competência de Pitta?, escreve. ?Era o Maluf dar um aval sério, impactante, à sua candidatura?.

Santa Rita não se vexa de ter estado à frente da propaganda de Collor na última semana da campanha de 1989, quando adotou um anticomunismo rastaquera e colocou no ar o infamoso ataque de Miriam Cordeiro contra Lula. (Ela recebeu 24 mil dólares dos colloridos para dizer no horário eleitoral que o petista lhe ofereceu dinheiro para abortar Lurian). O marqueteiro é radical na justificativa para o uso eleitoral de uma menina de 15 anos: ?Os eleitores têm o direito de saber tudo da vida daqueles que postulam ser seus governantes?, escreve.

O ?tudo? da frase de Santa Rita é um disparate. Ele está pregando a abolição da vida privada. ?Tudo? significa o eleitor ser informado dos hábitos sexuais dos candidatos, de suas conversas telefônicas, dos diálogos com cônjuges e filhos. Significa, também, o eleitor ser informado quanto cada candidato pagou a Santa Rita nos seus 25 anos de marqueteiro.

Santa Rita veio a se desencantar com Collor. Não pelos rumos do seu governo ou pela corrupção. Depois de ter feito o que fez na campanha, almejava, como escreve, que ?no governo Collor minha produtora de vídeo pudesse vir a prestar algum tipo de serviço profissional… Quem sabe? Nem precisava de protecionismo, já que a TVT Produções era reconhecida como uma das mais competentes e bem equipadas do Brasil?.

Como o governo não contratou nenhuma vez a TVT, o corajoso Santa Rita esperou oito anos, contados a partir da saída do presidente do Planalto, apara dizer publicamente que ?quem conhece Collor não trabalha para Collor?.

Pelo mesmo motivo, Duda rompeu com Waldir Pires, quando ele foi ministro da Previdência. Duda, que havia feito gratuitamente a campanha de Pires, não se conformou quando o recém-nomeado ministro escolheu uma agência que concorria com a sua.

Ainda assim, continuou a querer que os candidatos que ajudasse a eleger encaminhassem contas do governo à sua empresa. Maluf o contratou como prefeito. Assim como Quércia contratou Santa Rita no governo paulista. Duda e Santa Rita consideram esse ?toma lá, dá cá? o procedimento mais natural do mundo. Em contrapartida, eles não têm nada a dizer sobre notas frias, caixas dois, contribuições não declaradas.

É um silêncio estranho. Afinal, Mendonça na capa de seu livro se auto-intitula ?o maior especialista brasileiro? em marketing político. E Santa Rita se vangloria na contracapa do seu de ter ?comandado mais de cem campanhas?. Teriam condições de analisar a corrupção nas campanhas eleitorais.

?Batalhas Eleitorais? e ?Casos & Coisas? são chatos, mas têm interesse sociológico. São demonstrações da despolitização da política brasileira. Políiacute;ticos, marqueteiros e jornalistas cada vez mais tratam a política como espetáculo.

Santa Rita é explícito na condenação dos políticos. Eles ?tomam decisões no impulso, são auto-suficientes, primários, ainda não perceberam como podem ser ajudados pelo instrumental que o marketing político lhes traz?.

Há primarismo na defesa de Santa Rita da atividade que lhe dá sustento. Mas há algo mais: a despolitização da política. O fenômeno começou nos Estados Unidos e se globalizou. Marqueteiros americanos organizam campanhas na Rússia, Oriente Médio, Leste europeu e América Latina.

No Brasil, James Carville e Paul Begala, marqueteiros de Bill Clinton, trabalharam para Maluf. Duda trabalhou na Argentina para Menem. Santa Rita foi contratado por bolivianos e argentinos.

A despolitização da política corresponde à mercantilização geral da sociedade, sob a égide da mundialização do capital. Política deixa de ser a expressão de classes, de correntes de opinião, das ideologias que lhes correspondem para virar um jogo fetichista, alienado.

Daí se entende por que Duda criou o slogan ?Maluf fez, Maluf faz, Maluf fará muito mais?, o repetiu em Pernambuco (?Arraes fez etc.?), no Rio Grande do Sul (?Britto fez etc.?) e na Argentina (?Menem lo hizo etc.?). A campanha é a mesma, os nomes são intercambiáveis, políticos são mercadorias. Duda defende que numa campanha eleitoral a forma é mais importante que o conteúdo. O que significa dizer que seu ex e seu atual cliente (Maluf e Lula) se equivalem na forma.

Ele ?humanizou? (a palavra é sua) Maluf colocando um coraçãozinho vermelho ao lado de seu nome e o ensinando a ser manso como madre Teresa de Calcutá. Agora, vem tentando ?humanizar? Lula: quer fazê-lo sorrir mais e insiste em que ele use camisa social com gravata e sem paletó.

Nesse contexto, ?humanizar? é sinônimo de despolitizar, de ocultar as diferenças entre Maluf e Lula. Não é fácil. Às vezes, ocorrem curtos-circuitos. Duda ocupou o vídeo com filmetes do ?Foi Maluf que fez? apresentando obras que, sob suspeita de superfaturamento e corrupção, vieram a ser investigadas judicialmente. O mesmo Duda fez há pouco para o PT uma peça de ataque à corrupção. Ela mostra ratos rasgando a bandeira brasileira. Maluf, acusado de ter US$ 200 milhões na ilha de Jersey, poderia ser um dos ratos?

Collor foi o político brasileiro que usou o marketing com maior audácia e profundidade. Deu no que deu. Que todo o espectro político brasileiro, de Roseana a Lula, o esteja imitando sofregamente é sinal dos tempos. De tempos mercantis e mercenários."

 

"Crítica a livro", copyright Folha de S. Paulo, 30/12/01

"Em artigo de meia página (?A despolitização da política?, Brasil, pág. A-5, 29/12), o sr. Mario Sergio Conti destila toda sua bílis ao comentar ?Batalhas Eleitorais – 25 anos de Marketing Político?, meu livro recém-lançado. São tantas as impropriedades e sandices emitidas que nem vale a pena enumerá-las; seria chatear o leitor, aliás, atividade em que o sr. Conti é mestre. Tempos atrás ele se pôs a escrever um livro que eu respeitaria se fosse apenas massudo e enjoativo. Ocorre que, tentando retratar criticamente o comportamento da imprensa nos anos Collor (haja presunção!), ele me coloca como personagem em várias páginas, já que estive presente no olho do furacão, comandando os últimos dias do marketing daquela campanha. Quando li o texto, me assustei. Todo o trecho onde apareço e do qual participei é incorreto, deturpado, muitas vezes mentiroso. Há uma explicação: sou citado, tive uma participação de certa importância naquela momento, mas jamais fui ouvido pelo sr. Conti. Se nessas páginas ocorre isso, o que posso pensar do restante? Para o crítico de hoje meu livro carece de qualidades. Mas, com certeza posso garantir que ele tem pelo menos uma: restaurar a verdade histórica de episódios narrados pelo próprio sr. Conti.? – Chico Santa Rita (São Paulo, SP)

Resposta do jornalista Mario Sergio Conti – Chico Santa Rita não contesta nenhum dado de minha resenha. Também não aponta nenhum equívoco concreto em ?Notícias do Planalto?, livro de 720 páginas no qual ele é citado, de passagem, apenas duas vezes. Impossível rebater quem é pródigo em adjetivos grandiloquentes mas não tem substância alguma."