Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mario Vargas Llosa

SCHWARZNEGGER CANDIDATO

“A civilização do espetáculo”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/10/03

“Entre divertido e assustado, acompanho todos os dias a irresistível ascensão de Arnold Schwarzenegger ao governo da Califórnia. A última pesquisa de opinião lhe dá 40% das intenções de voto, contra seus mais próximos rivais – o hispânico Cruz Bustamante (32%) e o conservador Tom McClintock (15%). Como este último também é do Partido Republicano, não se descarta que venha a desistir no último momento em favor do ator, mas, mesmo que não o faça, tanto The Washington Post quanto The New York Times do dia 2 parecem estar conformados com uma vitória eleitoral do ciclópico ?Terminator?, ou Exterminador.

Será que esta perspectiva política deveria ser um motivo sério de preocupação? À primeira vista, a Califórnia é um Estado maior e mais próspero do que dois terços dos países do mundo. E quem aparentemente vai governá-lo é um imigrante austríaco que chegou a esta terra há 35 anos e, ao contrário de Ronald Reagan – outro ator que foi governador da Califórnia e chegou depois à Casa Branca -, não possui a mais elementar experiência política. Suas únicas credenciais na vida são a de ter ganho muitos concursos de musculação – foi Mr. Bíceps do Mundo, ou algo assim – a de estar casado com uma Kennedy e a de ter realizado uma bem-sucedida carreira cinematográfica, encarnando um robô subnormal, indestrutível e devastador, graças à qual acumulou uma fortuna de US$ 56 milhões.

Sem dúvida, não são títulos suficientes para poder enfrentar os monumentais problemas de um Estado, com uma economia em crise, do qual muitas indústrias estão fugindo e que está afetado por uma alta delinqüência e agudas tensões sociais por causa dos antagonismos étnicos e da difícil coexistência multicultural de brancos, negros, asiáticos e hispânicos. Mas, nesse campo ao menos, há um fator tranqüilizante: a avançada descentralização do poder faz com que os EUA se aproximem bastante desse ideal de sociedade aberta que – como definia Popper – consiste em organizar as coisas de tal modo que ?os governos possam fazer o menor dano possível?. Mesmo que a gestão de Mr.

Bíceps fosse tão catastrófica como os seus filmes, os prejuízos para o Estado seriam muito menores do que numa sociedade onde tudo, ou boa parte, da vida econômica e social, depende do poder político.

Não é casual a súbita emergência na vida política de um símbolo do cinema e ainda menos casual é que isso aconteça na Califórnia onde, como sabemos, está Hollywood. Isso reflete uma tendência da cultura de nosso tempo que, embora com matizes e variantes relacionados com as tradições locais, manifesta-se praticamente em todo o mundo, tanto nos países ricos quanto nos pobres, nas democracias e nas ditaduras: o protagonismo crescente de atores, cantores, animadores, apresentadores e modelos, na vida política das nações.

Como acontecia, quando eu era adolescente, com os intelectuais, cuja presença era indispensável para dar certa dignidade e seriedade a um comício, a um manifesto, a um protesto, a um partido ou a uma campanha política, e como, antes ainda, toda ação cívica ou mobilização social exigia, à guisa de carta de apresentação e emblema de respeitabilidade, o apoio de representantes das ?classes dirigentes? – profissionais destacados, empresários, juízes, militares, dignatários -, em nossos dias não há nenhuma iniciativa ou movimento de cunho político digno de ser levado em conta, se não puder mostrar em suas fileiras, em lugares proeminentes, como credencial de popularidade e de projeção, uma boa lista de figuras do espetáculo. Os profissionais do lazer substituíram os pensadores e escritores, como estes substituíram os ?cidadãos respeitáveis? como figuras estelares da vida pública.

A razão é muito simples: vivemos numa civilização do espetáculo. As imagens passaram a ser muito mais importantes do que as idéias para as pessoas e, conseqüentemente, também para a vida cívica. O que acontece nos EUA, antecipa o que, mais cedo ou mais tarde, será imitado pelo resto do mundo e, de fato, já está começando a ocorrer, pois, em todas as partes, as disputas eleitorais se decidem cada vez mais em função da publicidade e cada vez menos por causa dos programas e razões propostos pelos candidatos. O essencial nestas disputas não são as propostas em jogo, mas a maneira como estas propostas chegam ao eleitor, convertidas em slogans, cartazes, anúncios breves divulgados pelo rádio e pela televisão. Isso não quer dizer que a forma crie o conteúdo, como nas obras literárias e artísticas. Neste caso, a forma faz as vezes de conteúdo e permite prescindir dele.

As duas campanhas eleitorais que neste momento estão em andamento nos EUA – a da Califórnia e as primárias do Partido Democrata, das quais sairá o candidato presidencial para as eleições federais do próximo ano – são fascinantes representações cotidianas que têm todos os ingredientes essenciais de um grandioso espetáculo: uma ópera, no melhor dos casos, e, nos piores, uma patacoada ou um circo. A informação jornalística a respeito dessas campanhas é sumamente instrutiva. Os jornais falam sobre as empresas e os técnicos em relações públicas e campanhas publicitárias que os candidatos contrataram e entrevistam os candidatos para que expliquem como planejaram suas estratégias para atingir determinados setores sociais ou para, mediante campanhas negativas, debilitar, anular ou afundar no descrédito os candidatos rivais. Não é um exagero dizer que esta maneira de encarar a promoção de uma candidatura política é, desde qualquer ponto de vista, idêntica à que se destina a abrir no mercado um espaço para um produto industrial, com a única diferença, talvez, de que, neste último caso, o produto promovido tem efeitos mais tangíveis e verificáveis do que um candidato a governador ou presidente. O que a campanha vende do candidato, acima de tudo (e, em alguns casos, exclusivamente), são meras imagens, não conteúdos, mas puras aparências. Os eleitores sabem disso e não se importam. Mais ainda: esperam isso.

As eleições adotam a forma de uma animada ficção, de um jogo de fingimentos e disfarces, de manipulação, de emoções e ilusões, nas quais triunfa, não aquele que está dotado de melhores idéias e programas ou de maior poder de convencimento, mas o que atua melhor e encarna de maneira mais persuasiva o personagem que os técnicos da publicidade fabricaram porque, na sua opinião, é o mais vendável. E quem faria este papel melhor do que um profissional do espetáculo?

Sem dúvida, não há razão alguma para que uma atriz, um bailarino, um cantor ou um animador de televisão não sejam cidadãos movidos por ideais, convicções e idéias, capazes de prestar um serviço valioso à sua sociedade no âmbito político. E de fato existem alguns casos – como precisamente o de Ronald Reagan – no qual um ator deixou uma marca profunda na vida política de seu país. Mas a verdade é que os artistas não passaram a ser os protagonistas da função política de nosso tempo por suas idéias ou suas crenças, mas pelo que representam, por estas ficções nas quais se encarnam de maneira tão sedutora, por aquilo que fingem ser nas telas, nos palcos ou nas ondas da TV. E talvez nem mesmo por isso, mas, ainda mais elementarmente, por serem símbolos vivos do que o mundo em que vivemos chegou a admirar e cobiçar com a paixão com que as mulheres e os homens de épocas passadas admiravam e cobiçavam então: a santidade, o heroísmo, a inteligência, o sacrifício – o êxito.

Ouvi Arnold Schwarzenegger respondendo a perguntas na televisão e debatendo com seus rivais. Com certeza, era muito divertido e não há dúvida de que ele ganhou o debate porque as réplicas irônicas e as frases engraçadas do texto preparado por seus assessores de imagem (sem dúvida, os melhores do mercado), ele as disparou nos momentos oportunos e com a naturalidade e a destreza de um bom palhaço, provocando o riso do público e trejeitos de desespero em seus rivais. Em troca, o desaforado hispânico Cruz Bustamante – em favor do qual provavelmente eu teria votado, se pudesse fazê-lo, nesta eleição – não conseguiu, em nenhuma de suas intervenções, explicar seu pensamento porque sempre lhe faltou ou lhe sobrou tempo e porque, em vez de dominar as palavras, estas o dominavam e além disso, é claro, porque seu físico não o ajudava em nada: com sua asfixiante papada e seu aspecto roliço, parecia apenas uma caricatura do Golias que tinha à sua frente. Até então, liderava as pesquisas; desde logo, Schwarzenegger o alcançou e deixou para trás.

Uma pergunta, a esta altura inevitável, é a seguinte: a civilização do espetáculo é compatível com a democracia? Desaparecerá esta em um mundo desprovido de idéias, onde se chegará ao poder graças às refinadíssimas técnicas de manipulação da sensibilidade e as emoções humanas que no teatro, no cinema ou na televisão nos fazem rir, chorar ou exaltar diante de jogos de prestidigitação que confundimos com a vida? Em todo caso, não há dúvida que a democracia vai se degradar e converter-se em algo diferente do que foi. E, o pior de tudo, perderá o apoio e a confiança dos grandes setores da cidadania.

Talvez isso explique o fenômeno da abstenção eleitoral, um problema crescente em quase todas as democracias avançadas. Talvez esse desapego das massas de cidadãos com relação às eleições tenha a ver com essa sutil transformação que foi experimentando essa instituição cardeal da democracia, de exercício de soberania e expressão da vontade cidadã, em um entretenimento ou diversão mais ou menos anódino. Os espetáculos são necessários para combater a rotina e o tédio, desde já. Mas há os mais intensos e dramáticos que uma corrida eleitoral.”

“A bordo do ?Predator?, a política é uma ficção”, copyright Folha de S. Paulo, 5/10/03

“Arnold quer virar político, mas a estrela é mesmo Schwarzenegger. O musculoso ator, candidato a governador da Califórnia na votação desta terça-feira, não faz nenhuma questão de se desvincular dos personagens que o celebrizaram. Pelo contrário: num tour pelo Estado, que a Folha acompanhou, as propostas de governo deram lugar a slogans e trocadilhos com referências explícitas a seus filmes, alimentando um culto à sua personalidade que beira a histeria.

A caravana rodoviária de Schwarzenegger, batizada de ?California Comeback Express? (algo como ?expresso para a recuperação da Califórnia?, slogan da campanha), seguida por cerca de 200 jornalistas, saiu de San Diego (sul) na quinta-feira e chega hoje a Sacramento (norte).

O ônibus no qual vai Schwarzenegger é chamado de ?Running Man?, filme de 1987 traduzido como ?O Sobrevivente? no Brasil.

Os auxiliares do ator viajam no ônibus ?Total Recall?, alusão à produção de 1990 que no Brasil se chamou ?Vingador do Futuro? e que é uma brincadeira com a votação de terça, chamada de ?recall? (leia na página A23).

Os jornalistas ocupam quatro ônibus. Três deles são chamados de ?Predator?, produção de 1987 em que o ex-Mister Universo destrói um inimigo sobrenatural. O curioso é que, se Schwarzenegger vencer a eleição, será o segundo governador a sair desse filme -o primeiro é Jesse Ventura, de Minnesota. O quarto ônibus dos jornalistas é ironicamente batizado de ?True Lies? (mentiras verdadeiras), filme de 1994.

As referências cinematográficas não pararam aí. Em Los Angeles, o ponto de encontro escolhido pelo candidato republicano foi um hotel do complexo da Universal Studios, que produziu a sequência de filmes de maior sucesso do ator, ?Terminator? -?O Exterminador do Futuro?.

?Terminator?, aliás, virou o trocadilho ?Terminate Davis?, que Schwarzenegger usa sempre que pode para cutucar o governador da Califórnia, o democrata Gray Davis -cuja permanência no cargo será decidida no dia 7. E, no clímax dos comícios, Schwarzenegger dispara, para delírio dos fãs: ?Hasta la vista, Davis?.

Em todos os pontos do trajeto, Schwarzenegger foi objeto de adoração, a despeito das recentes acusações de assédio sexual a diversas mulheres e de simpatizar com Adolf Hitler. Gritos histéricos, pedidos de autógrafo e cartazes de filmes do ator ou com fotos- de sunga- da época em que o candidato se exibia em concursos de fisiculturismo deram o tom da recepção que o ator teve nas três cidades visitadas durante o segundo dia do tour rodoviário.

Na primeira parada da excursão, em San Gabriel, Schwarzenegger fez um comício para 2.000 pessoas. O discurso seria repetido, quase como um script, em todas as outras aparições públicas.

?Eu entrei nessa luta porque não aguentava mais ver os políticos destruírem o nosso Estado. Quando cheguei aqui, a Califórnia era um grande lugar para viver o sonho americano. Hoje, temos desemprego. Temos um povo empreendedor e potencial para recuperar a nossa economia, só falta a liderança. Eu sou esse capitão?, discursou Schwarzenegger, para quem é necessário ?exercitar os músculos da democracia?.

A retórica agradou em cheio ao público. ?Schwarzenegger não está comprometido com a política tradicional. É desse tipo de liderança que nós precisamos?, diz a professora californiana Danelle Kisych, 40, republicana. ?Ele mostra que tem preocupação com responsabilidade fiscal.?

A desilusão com Davis e a imagem de ?um candidato autêntico? têm feito até democratas convictos bandearam para o lado de Schwarzenegger. É o caso da farmacêutica Pat Goldberg, 60: ?Schwarzenegger tem uma atitude moderada e não é comprometido com velhos interesses?.

Schwarzenegger tenta sempre enfatizar o que tem sido a sua plataforma de campanha mais popular. ?Não vou gastar mais do que o Estado arrecada. Não vou resolver os problemas financeiros do Estado aumentando impostos.?

A insatisfação dos eleitores com a aumento da carga tributária é, aliás, um dos principais combustíveis para a impopularidade de Davis. Não é por outra razão que o ator republicano promete ser o ?exterminador de impostos?.

Respostas ensaiadas

Menos monossilábico e bem mais sorridente do que o ciborgue interpretado por ele no cinema, Schwarzenegger participou de uma sessão de perguntas e respostas com cerca de cem pequenos empresários de Santa Clarita.

Schwarzenegger parecia à vontade ao ser interrogado pela platéia, mas a respostas foram vagas e pareciam ensaiadas. Questionado sobre o que faria para sanear as finanças do Estado, ele respondeu: ?Vamos colocar a Califórnia no caminho certo?.

Variações da mesma resposta serviram também para explicar como lidar com a crise do setor energético e como investir mais em educação sem comprometer o programa de austeridade fiscal.

Apoio de Giuliani

No último comício do segundo dia do tour, na cidade de Bakersfield, o ator foi recepcionado por estudantes e por cerca de 1.500 pessoas, segundo a organização. O ex-prefeito de Nova York Rudolf Giuliani também compareceu ao evento para ajudar o colega de partido. ?Estou aqui para apoiar um homem que tem uma visão de futuro, um homem que pode salvar a Califórnia e tornar o Estado um modelo nacional de administração?, declarou.

Ao subir no palco, entretanto, Schwarzenegger recebeu as primeiras vaias do dia e gritos de ?não queremos o recall?. Como isso não estava no script, a produção do comício subiu o volume do microfone, para que ?Conan? pudesse terminar seu discurso.”

“Rico e famoso, Schwarzenegger quer o poder”, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 5/10/03

“Há 35 anos, um halterofilista austríaco desconhecido que falava poucas palavras de inglês, quase não tinha dinheiro e era totalmente destituído de experiência como ator foi aos Estados Unidos e fez uma previsão: disse que se tornaria astro de cinema, ganharia milhões de dólares, se casaria com uma mulher glamourosa e exerceria poder político.

Por mais exagerados que algumas pessoas possam ter achado seus sonhos, todas as previsões de Arnold Schwarzenegger se realizaram -menos a última. Pelo menos por enquanto.

Ao participar da bizarra corrida eleitoral para tomar o lugar do governador da Califórnia, Schwarzenegger, 56, busca realizar o que ele certa vez descreveu como seu ?plano mestre?. Ao que tudo indica, sua progressão em direção ao sucesso não foi uma simples obsessão típica de imigrante decidido a fazer sucesso por conta própria. Foi um esforço calculado para transformar-se numa figura invulnerável e poderosa, não apenas em termos físicos.

Além disso, representou o distanciamento total em relação ao garoto austríaco magrelo cujo pai, Gustav, policial e antigo membro do Partido Nazista, o intimidava e às vezes espancava, além de dar preferência a seu outro filho, Menhard, segundo relatos publicados da vida de Schwarzenegger (vale notar que ele não compareceu ao funeral de seu pai, em 1972, nem ao de seu irmão, morto num acidente de carro em 1971).

?Arnold tinha fascínio pelo dinheiro e o poder?, disse George Butler, diretor de ?O Homem dos Músculos de Aço? (?Pumping Iron?), documentário de 1976 que se tornaria o primeiro sucesso de Schwarzenegger. ?Arnold é um homem de ambição infinita.?

Carreira em declínio

Não é de hoje que Schwarzenegger manifesta interesse pela política, mas o fato é que sua candidatura a governador acontece num momento em que sua carreira no cinema entra em decadência. Entre 1982, com o lançamento de ?Conan, o Bárbaro?, e 1991, quando foi distribuído ?O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final?, Schwarzenegger foi um dos atores mais populares do mundo. Mas ?O Último Grande Herói?, 1992, custou caro e foi um fracasso de bilheteria. À medida que foi envelhecendo, Schwarzenegger passou a atuar numa série de comédias: ?Irmãos Gêmeos? fez sucesso, mas ?Junior? e ?Um Herói de Brinquedo?, não. Seus filmes de ação mais recentes, como ?Efeito Colateral? e ?O Sexto Dia?, foram decepções de bilheteria. Seu último filme a chegar aos cinemas, ?O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas?, já arrecadou mais de US$ 145 milhões, mas, devido ao alto custo de sua produção, não foi muito lucrativo nos Estados Unidos.

Segundo seu melhor amigo e antigo colega fisiculturista, Franco Columbu, o desejo insaciável de sucesso e o senso perfeito de ?timing? de Arnold Schwarzenegger são os responsáveis por ele ter chegado até onde chegou. ?Ele sabe descer do palco quando está por cima?, disse.

Público e privado

Schwarzenegger possui um nome conhecido que lhe confere vantagem enorme em relação à maioria dos outros 134 candidatos à sucessão do governador democrata Gray Davis na eleição especial de 7 de outubro.

Mas o questionamento público mal começou. Schwarzenegger ainda não esclareceu suas posições com relação à maioria das questões, entre elas a crise orçamentária estadual e a imigração.

Com relação ao aborto, porém, ele já se manifestou a favor do direito de escolha da mulher. Sobre empresas e negócios, disse que quer levar mais para o Estado. E, no que diz respeito à economia, ele declarou: ?Ainda acredito na redução dos impostos e no poder do livre mercado?.

Ele está sendo questionado quanto a sua vida privada -foi acusado de assédio sexual por várias mulheres e de ter sido um admirador de Hitler.

Um perfil detalhado de Schwarzenegger publicado em 2001 pela revista ?Premier? o acusou de ser mulherengo contumaz, ter comportamentos grosseiros e trair sua mulher, Maria Shriver. Schwarzenegger qualificou as afirmações como ?lixo?.

Em investigação recente de suas finanças, o ?Los Angeles Times? estimou que sua fortuna seja muito superior a US$ 200 milhões. Isso inclui investimentos imobiliários e uma participação importante na Dimensional Fund Advisors, empresa de fundos mútuos que administra US$ 40 bilhões.

A ascensão de Schwarzenegger não foi apenas política, mas também social. Ele fez uso de sua fama inicial para conhecer Jacqueline Kennedy Onassis. Quando foi lançado ?O Homem dos Músculos de Aço?, o ator disse ao publicitário do filme, Bobby Zarem, que a pessoa que mais queria conhecer era Jackie. Um almoço foi organizado para apresentar o relativamente desconhecido Schwarzenegger a ela, a Andy Warhol e a outras pessoas.

?Arnold é uma das pessoas mais políticas que conheço. Tudo o que ele faz é político. Ele possui uma habilidade espantosa de chegar a uma reunião, sentar-se com pessoas num restaurante e imediatamente avaliar seus pontos fortes e fracos. Ele manipula as pessoas?, avaliou Butler.

Infância difícil

Arnold Alois Schwarzenegger nasceu em 30 de julho de 1947 em Thal, na Áustria, perto de Grazi, e passou sua infância no mesmo lugar. Sua mãe era dona-de-casa. Wendy Leigh, autora de uma biografia, escreveu neste ano num jornal austríaco que o pai do futuro ator tinha um temperamento brutal e sentia prazer em fazer seus dois filhos se voltarem um contra o outro. Segundo ela, Arnold costumava perder nas disputas de boxe ou corrida.

Quando garoto, se tornou fã do halterofilista Reg Park, astro de filmes B sobre Hércules. Na autobiografia publicada em 1977, Schwarzenegger disse que Park se tornou sua ?figura paterna de fantasia?. Ele contou que os pais o ridicularizavam e desprezavam como bobagem o sonho de transformar seu corpo e se tornar astro do cinema. ?O ambiente em casa era muito repressor?, disse, em ?O Homem dos Músculos de Aço?.

Sua sorte começou a mudar quando conheceu Joe Weider, a força motriz por trás da Federação Internacional de Fisiculturismo. Impressionado com o charme e o humor do jovem austríaco e convencido de que era o tipo de figura capaz de transformar o fisiculturismo num esporte popular, Weider o levou aos EUA em 1968.

Aos 20 anos, Schwarzenegger se tornou o mais jovem vencedor do Mister Universo, o maior prêmio amador do esporte (ele conquistaria a coroa outras quatro vezes). Mas teve mais dificuldade em conquistar o título profissional, Mister Olympia, em 1969.

Sua estréia no cinema aconteceu em 1970 e foi pouco promissora: o filme hoje esquecido ?Hercules in New York?.

A televisão despertou seu interesse pela política, e, em especial, pelo Partido Republicano. Columbu contou que ele e Schwarzenegger sempre acharam os republicanos muito mais interessantes do que os democratas, que os lembravam do socialismo deprimente que tinham deixado para trás na Europa. Já os republicanos representavam o trabalho duro, a auto-suficiência e uma política externa ?musculosa?.

A condição de astro do cinema levou Schwarzenegger a conhecer republicanos de alto escalão como Ronald Reagan, o vice-presidente George Bush (pai do atual presidente) e Pete Wilson, o então senador e futuro governador da Califórnia. Schwarzenegger se aproximou especialmente de Bush, admirado por seu pragmatismo e sua visão de mundo.

A equipe de campanha de Schwarzenegger, candidato a governador, é formada por Wilson, republicano que defende medidas rígidas de combate à imigração ilegal, mas que tem uma abordagem mais moderada ao aborto e outras questões sociais, e alguns membros de alto nível de sua antiga equipe de Sacramento.

Outra figura de destaque na campanha é a mulher de Schwarzenegger, Maria Shriver, jornalista de TV e integrante da eternamente democrata família Kennedy. Consta que Shriver atua como fator que contrabalança os republicanos. ?Ela encara a disputa na condição de mulher dele?, disse uma ex-assessora de Schwarzenegger, Sheri Annis. ?Ela não é Hillary Clinton -quer promover Arnold, e não a si mesma.?

Ele não votou nas duas últimas eleições presidenciais. E, nos últimos 20 anos, deu mais dinheiro a democratas do que a republicanos -se bem que todos os democratas em questão tenham sido da família Kennedy.

Os setores mais conservadores do Partido Republicano vêm hesitando em apoiar a candidatura de Schwarzenegger. Em questões sociais, pelo menos, suas posições parecem entrar em conflito com as dos conservadores. Sua perspectiva talvez possa ser resumida numa entrevista que concedeu ao ?Sunday Telegraph? em 1999, em que disse que o Partido Republicano ?vai perder, a não ser que se torne o partido da inclusão?. ?É preciso receber o estrangeiro que chega sem dinheiro, tanto quanto se recebem o gay, a lésbica, qualquer outra pessoa -alguém que tem pouca instrução, alguém que venha dos bairros pobres das cidades grandes.?

Seu currículo político, extremamente pequeno, inclui um período como presidente do Conselho de Boa Forma Física no governo do primeiro presidente George Bush e o patrocínio da bem-sucedida iniciativa eleitoral californiana Proposta 49, no ano passado, que canalizou verbas do Estado a programas voltados aos alunos após o horário das aulas.

Esteróides e nazismo

Schwarzenegger admite ter tomado esteróides no passado para aumentar seus músculos. Em 1997, depois de passar por cirurgia de substituição de válvulas cardíacas, seu médico disse que o problema não foi provocado pelo uso de esteróides, mas era consequência de um defeito congênito.

Por volta de 1990, quando já estava interessado num possível futuro na política, Schwarzenegger procurou o Centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles, para tentar avaliar as consequências políticas do passado de seu pai, ligado ao Partido Nazista.

O centro descobriu que o pai do ator tentou entrar para o Partido Nazista em 1938 e que foi aceito em 1941. Mas os investigadores não teriam encontrado provas de que Schwarzenegger, pai, tivesse cometido crimes de guerra.

Desde então, segundo o rabino Marvin Hier, fundador e diretor do Centro Simon Wiesenthal, Schwarzenegger e sua mulher passaram a dar muito apoio ao centro. O casal já teria doado mais de US$ 1 milhão. ?Nenhum outro astro já doou tanto assim?, disse Hier. ?Ele é amigo não apenas do centro, mas do Estado de Israel.?

Schwarzenegger vive com a mulher e os quatro filhos do casal em Brentwood, um bairro de Los Angeles. Ele deixa claro que está confiante em sua vitória política, assim como já confiou e foi vitorioso no fisiculturismo e no cinema. Como disse em ?O Homem dos Músculos de Aço?: ?Sempre sonhei com pessoas muito poderosas, ditadores e gente assim. Sempre fiquei impressionado com as pessoas que são lembradas por centenas de anos?. Tradução de Clara Allain”