Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Matéria de desconfiança

GRAMPOS

Chico Bruno (*)

A grande imprensa brasileira tem deixado ultimamente muitos rastros de atitudes editoriais estranhas, para não usarmos palavras mais ásperas. Há duas semanas a revista Veja publicou matéria com chamada de capa sobre a briga entre uma multinacional canadense e um banco de investimentos brasileiro pelo controle de duas empresas de telecomunicações. Já no dia seguinte à publicação, um domingo, a matéria fez uma vítima fatal, o jornalista Ricardo Boechat, aliás o grande prejudicado pela denúncia ? em cujo mérito não temos como entrar porque não é este o caso [veja remissões abaixo].

Na semana seguinte, a Veja não publicou suíte da matéria, nem ao menos noticiou a demissão do jornalista. Esta semana, a revista continuou ignorando a denúncia feita há três edições com estardalhaço. Para o leitor mais atento essa atitude demonstra que a revista publicou a denúncia servindo a algum interesse escuso. Ou então, bem ao estilo da imprensa marrom, calou-se em troca de alguma benesse. Não dá para imaginar outras hipóteses a não ser estas duas.

Na semana passada, a revista IstoÉ publicou denúncia envolvendo o governo de Goiás. J&aaaacute; esta semana a revista simplesmente ignora o assunto, publicando apenas uma notinha sobre as conseqüências da matéria na coluna "Fax Brasília". Outra vez o leitor é obrigado a raciocinar, da mesma forma que em relação à matéria das telecomunicações de Veja. Essa prática do jornalismo fiteiro está se tornando vulgar em quase todos os grandes veículos de comunicação do país. Publicam-se denúncias contra A ou B, sempre baseadas em gravações ou grampos ilegais, e depois fica o dito pelo não dito: o assunto é enterrado prematuramente, deixando transparecer que estão A serviço de algum interesse.

Maus momentos

Esta semana mesmo, a revista Veja, responsável pelo calvário de Jader Barbalho, não dá uma linha sequer sobre o assunto. Atitude muita estranha, haja vista que a revista vem há muito tempo dedicando capas e mais capas ao senador e que o assunto continua no noticiário diário dos jornais brasileiros. É um assunto que ainda não foi sepultado pela imprensa, continua em voga. Curiosamente, a IstoÉ, que se ocupou durante muito tempo apenas com ACM, é quem agora vem se dedicando a Jader. Estranho que no momento em que o senador é encostado na parede pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, Veja lime de suas páginas o assunto por ela tornado público há quase um ano e que alavancou suas vendas em banca por muito tempo.

Novamente vem à mente as duas únicas hipóteses prováveis para tal sumiço ? uma delas utilizada com muita propriedade no capítulo de sábado, dia 7 de julho, dos autores da novela Porto dos Milagres. O personagem Félix Guerreiro, prefeito da cidadezinha do interior e candidato ao governo estadual, cobra o pagamento de um financiamento a fundo perdido ao dono de jornal, em troca de uma matéria favorável a sua candidatura e em detrimento a outra, lesiva aos seus anseios eleitorais.

Infelizmente somos obrigados a nos deter em tais análises, principalmente porque o jornalismo brasileiro passa por maus momentos, gerados por dúvidas como as expostas. Por culpa tão somente de atitudes editoriais, no mínimo, estranhas.

(*) Jornalista


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