Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Matthew Gilbert

MTV

"No porão de uma típica cidade dos EUA, um cientista louco mistura sua potente poção eletrônica. Ele produz com todo cuidado a mágica néon que vai espalhar por toda a América, inoculando visões de felicidade e brilho em jovens cérebros vulneráveis. Viciado na velocidade das imagens, vendendo emoções, ele conquistou o poder de ligar e desligar os jovens, e também o de arrancar deles alguns trocados.

Mas nem adianta pensar em chamar o Super-Homem ou os agentes anti-droga da DEA (Drug and Enforcement Administration). O homem remexendo o caldeirão é a MTV, o pequeno nicho no mundo das TVs a cabo, o provocador profissional que transformou-se num poder global a despeito do fato de que, na realidade, pouca gente realmente assiste à emissora.

Na realidade, o poder da MTV transcende em muito a fatia demográfica para a qual foi concebida no seu lançamento, a 1? de agosto de 1981. A MTV alterou a consciência do país numa amplitude espantosa, dos adeptos do piercing e das tatuagens, que ignoram o mundo fora da MTV, até os espectadores já grisalhos, que nunca assistiram à MTV e ainda a consideram um fenômeno novo e temporário. Tendo deixado marcas indeléveis na TV, música, cinema, moda, marketing e, sim, até mesmo na política, a MTV provou ter deflagrado uma revolução que transcende gerações.

A MTV transformou completamente a estética do dia a dia dos americanos, da meteorologia na TV às imagens dos videogames. Isso se deu em grande parte devido aos próprios videoclipes, já que proporcionaram um espaço no qual artistas visuais experimentais, após décadas de isolamento nos museus e nas galerias, puderam encontrar-se com o universo comercial. Os vídeos da MTV transformaram em itens banais os arroubos de surrealismo não-linear, as cores e formas ousadas, a iconografia desvairada, a edição que segue o ritmo de uma metralhadora e as imagens de sexo e violência que parecem saídas de um sonho. Eles plantaram os fundamentos gráficos do reino da internet e deixaram suas impressões digitais em séries de TV como Miami vice, Os Simpsons, Ally McBeal e ER, com seu ritmo frenético que requer períodos menores de atenção. Sem o videoclipe de Thriller, Buffy, a caça-vampiros provavelmente nunca teria existido.

Os videoclipes da MTV também encorajaram os diretores de cinema e de TV a valorizarem as trilhas sonoras. Eles lançaram as carreiras cinematográficas de videomakers como Spike Jonze e David Fincher e aumentaram o público para diretores visualmente pouco convencionais, como David Lynch e os irmãos Cohen. A dupla Beavis e Butt-head, levada ao ar pela MTV, encontrou eco nas redes tradicionais, deflagrando uma série de desenhos animados no horário nobre no fim dos anos 90.

A MTV também serviu de mentora para a América das grandes corporações. O canal foi pioneiro na prática, hoje rotineira, de fazer marketing interagindo com diferentes mídias: há o videoclipe para a música que integra a trilha sonora do filme; tem o show sobre a gravação do videoclipe sobre a música que está na trilha sonora de um filme, e assim por diante. Cada um vendendo a música, a trilha sonora, o artista, o filme e a própria MTV.

Em matéria de autoreferência o produto é um poço sem fundo, fazendo com que alguns acreditem que o M de MTV poderia estar ali pela palavra mercado. A MTV também usou sua engenhosidade para aperfeiçoar uma rede de autopromoção, plantando sua logomarca em milhares de cenários diferentes para transmitir seu bom humor e irreverência.

Mais importante, a MTV conduziu a nação à fonte da juventude, da qual jorra dinheiro. Adolescentes viraram mercadoria. O canal não apenas soube isolar esta faixa demográfica que faz os anunciantes salivarem, mais do que isso, compreendeu como falar a linguagem codificada deste grupo, algo que as grandes empresas jamais tinha conseguido. Introduziu um estilo de programação e publicidade que não subestimava os jovens. A MTV descobriu que eles não gostam de ser tratados com condescendência. Se eles podem digerir Madonna, também podem lidar com ironia.

Este foi um passo importante, que levou não apenas à criação de outra emissora de TV a cabo exclusivamente jovem, a Warner, que só transmite séries como Dawsons Creek, mas também ao ?rejuvenescimento? de todas as redes tradicionais (basta lembra séries como Friends e Beverly Hills). Nos últimos 20 anos, em grande parte graças ao modelo de marketing da MTV, as pessoas com mais de 30 anos se vêem muito menos – e às suas vivências – na mídia. Também vêem menos da responsabilidade ética e moral que a TV um dia fingiu abraçar – no tempo em que ainda podia se dar ao luxo de ter uma consciência.

Naturalmente, este modelo também teve suas ramificações políticas. O canal jovem virou um espaço informal no qual, por exemplo, Bill Clinton poderia, de modo inocente, enfrentar perguntas sobre suas roupas de baixo ou o uso de maconha.

A MTV também tornou mais permeáveis os limites que separam diferentes mídias do show business. Hoje em dia, para ser um bem-sucedido astro da música, você tem de fazer um videoclipe para a MTV. E para fazer um clipe é preciso interpretar ou no mínimo ter uma presença na tela. Nos anos que se seguiram a Purple rain e Procura-se Susan desesperadamente, os cinemas apresentam regularmente filmes com Courtney Love, Whitney Houston, Ice Cube e Mark Wahlberg.

Isso tornou a música melhor? Não. Especialmente quando levamos em conta estrelas como Britney Spears. Mas fez com que a indústria ficasse mais forte? A resposta é um retumbante sim.

Você pode até não gostar da MTV e de seu poder para transformar nossa cultura, ao priorizar a atitude em detrimento da substância, mas não espere que ela se transforme num dinossauro num futuro próximo. Aos 20 anos, a MTV já mostrou ter a capacidade de sobrevivência de um antigo vampiro. Como uma das dentuças criaturas imortais de Anne Rice, a MTV se alimenta do sangue quente da juventude para se manter eternamente jovem, à medida que deixa para trás os maiores de 35."

"Duas décadas de modismos e tendências",
copyright Jornal do Brasil / The Boston Globe, 25/7/01

"As luvas de renda da Madonna. A jaqueta de couro de Michael Jackson. O suéter usado por Kurt Cobain. A maquiagem de Boy George. A barbicha de George Michael. Os sapatos plataforma da spice girl Ginger. Os óculos de olhos de mosca de Bono Vox. Para milhões de adolescentes que chegavam correndo em casa, ignorando a comida, para ligar na MTV e ver o Duran Duran servindo champanhe em um veleiro, há uma memória em videoclipe para praticamente cada momento do primário e do Segundo Grau, e, bom ou ruim – a maior parte das vezes ruim -, um clipe para culpar por cada corte de cabelo e cada fotografia vergonhosa tirada na sala de aula depois de agosto de 1981, dia em que a MTV iniciou uma revolução na maneira de uma geração se vestir.

Apesar de as bandas já ditarem tendências desde antes dos Beatles, com a MTV, os garotos passaram a ter acesso 24 horas a artistas que não viam ou ouviam de outra forma. As pessoas não tinham só Madonna, mas cada uma de suas encarnações: virgem, camaleoa de gêneros, dominatrix, prostituta, Marilyn Monroe, o dia inteiro em todo o mundo. O canal mostrou a garotas de escolas católicas, os punks de Londres e permitiu aos suburbanos, então protegidos dos shows do Cypress Hill, ver o quão abaixo da cintura os rappers usavam suas calças jeans enormes, discutir se era cueca ou short por baixo, e imitar o estilo, deixando as mães loucas.

?Acho que nos primeiros anos, com a obsessão das pessoas para assistir ao canal, ele se tornou uma forma de arte, embora menor?, diz Valerie Steele, diretora do museu do Instituto de Tecnologia de Moda de Nova Iorque. Muitos adolescentes rasparam as cabeças em padrão de tabuleiro de xadrez e pintaram o cabelo de rosa e laranja como Cindy Lauper fez, apenas para se sentirem praticando um ato de rebeldia adolescente. E não importava em que tribo se estivesse, havia alguém na TV com que se podia ser associado e a quem se podia imitar. Assistir à MTV era ser convidado a entrar no armário gigante de um astro de rock, onde havia um diferente estilo para cada ocasião. A consultoria de moda era grátis. E daí se os estilos eram fora de contexto? Um adolescente podia se vestir como Billy Idol, não porque concordasse com ele, mas porque o visual era cool.

Em 1989 a MTV decidiu se assumir e criou um programa dedicado à moda. House of style, no começo apresentado pela supermodelo Cindy Crowford, resolveu dizer tudo aos adolescentes, desde como imitar o estilo profissional dos artistas maquiadores até como cortar o próprio cabelo (com instruções dadas pelo designer de moda Todd Oldham).

?O programa levou a moda para dentro de casa?, disse a designer Anna Sui em uma entrevista com Cindy Crowford em 1995. Hoje, a modelo Moly Sims, atual apresentadora do House of style, é tão lançadora de tendências quanto comentarista. Na edição de agosto do revista Style, a moda lançada por ela foi mostrada em duas páginas, uma com sua roupa de estampas florais e a outra com seu estilo de cabelo ?varrido de lado?. Ela se tornou a personificação da MTV. De um renegado canal por assinatura que mostrava qualquer clipe, a MTV se transformou em uma cara produção, exatamente como Sims, com cada fio de cabelo no lugar e um corpo para defender. Não tem nada a ver com música nem com clipes. Mas é bonito.

    
    
                     

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