Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Mídia e cidadania

Excertos da réplica de Walter Fanganiello Maierovitch, titular da Secretaria Nacional Antidrogas, à contestação feita pela Editora Abril à ação ordinária [nº 99.872.934-5, 19ª Vara Cível do Foro Central da Capital de São Paulo] por ele movida contra a revista Veja.

Walter Fanganiello Maierovitch, por seu advº a.a., nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA, que move contra Editora Abril S/A, vem, pela presente, apresentar sua RÉPLICA à contestação de fls. 167/182 e documentação de fls. 183/205 a ela anexada, o que faz nos seguintes termos:

A CONTESTAÇÃO É INTEMPESTIVA

1. A ré foi citada pelo Correio em 19/10/99 (fls. 156); o recibo do SEED postal foi juntado aos autos em 08/11/99 (fls. 155). No dia fatal para contestar – 23/11/99 –, entrou a ré com exceção de incompetência manifestamente protelatória, a qual foi rejeitada por decisão de 04/02/2.000 (fls. 27 do apenso), publicada em 10/02/2.000 (fls. 28 do apenso). Em 11/02, a ré protocolou sua contestação (fls. 167).

(…)

O MÉRITO DA CONTESTAÇÃO

10. O capítulo ‘Do Mérito’ da contestação começa a fls. 170, ocupando os itens 9 e seguintes. Vamos acompanhar pontualmente as alegações da ré, comentando-as passo a passo.

11. Começa a ré por dizer que é ‘evidente’ que a publicação hostilizada nesta ação não extravasou a crítica jornalística, tendo a Veja se limitado a externar sua opinião a respeito da atuação do autor no seu cargo público (fls. 170, item 9). Errado! A notícia diz apenas ‘de longe, o autor parece não mostrar resultados’ e ‘de perto descobre-se que ele realmente não faz nada’. Isso é conversa de bar, e não opinião jornalística. Para fazer uma crítica acerba como essa, a ré teria de expor os fatos no qual estribara sua opinião. Opinião jornalística é juízo de valor fundamentado sobre fatos.

12. No item 10, fls. 170, diz a ré que seções ‘como ‘Sobe e Desce’ existem na imprensa há anos’. Diz que existem seções similares no Time e na Newsweek. Explica que a intenção da seção ‘Sobe e Desce’ é dar ao leitor, em linguagem telegráfica, um resumo dos fatos relevantes do país ocorridos entre uma e outra edição da revista. Diz que o ‘Sobe e Desce’ já saiu em quase 100 edições, focando dezenas de ministros, políticos, empresários e que, muitas vezes, quem apareceu em ‘Sobe’ numa edição, surgiu em ‘Desce’ na outra, ou vice-versa [Essa alegação não foi comprovada. Está com mais jeito de ser ‘licença retórica’ do que verdade. Pessoalmente, acompanhamos a Veja e não vimos acontecer nenhuma vez esse fenômeno que a ré diz acontecer ‘muitas vezes’. Talvez até tenha acontecido, mas seria interessante que a ré comprovasse, para que a alegação não passe por ‘excesso de argumentação’]. Diz que a seção não tem qualquer preconceito, que é ‘independente’ e que esta é a primeira ação judicial envolvendo a referida coluna. No item seguinte, item 11, fls. 171, a contestação prossegue na defesa do ‘Sobe e Desce’, dizendo que o jornalismo independente é baseado na liberdade de expressão, e que ‘provavelmente não há outro exemplo mais cabal dessa liberdade do que uma seção como a ‘Sobe e Desce’, em que a justificativa para o aplauso ou a vaia é dada em apenas duas ou três linhas’. Encarece o óbvio: que numa seção como essa, o texto deve ser telegráfico, admitindo que não deva ‘deixar ao leitor dúvida sobre o que tal personalidade fez para merecer um ‘sobe’ ou um ‘desce’ ‘, não sendo, portanto ‘o enlameamento gratuito de uma reputação, mas uma avaliação das atividades de personalidades públicas’.

13. Vamos, então, às nossas considerações sobre esses dois itens (10 e 11, fls. 170/171) da contestação. Nada contra a coluna ‘Sobe e Desce’ em si. Um resumo dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais da semana, em linguagem telegráfica, com a atribuição aos mesmos de um juízo de valor pelos responsáveis da revista, é, em princípio, algo muito bom. Os juizes bem sabem o quanto é preciosa a virtude da síntese, tão rara entre nós, os advogados… Entretanto, numa coluna como essa, que contém, como disse, um juízo de valor expresso pela revista, sobre pessoas e instituições, a linguagem telegráfica tem de ter palavras em número suficiente para, como adverte a própria contestação, ‘não deixar ao leitor dúvida sobre o que tal personalidade fez para merecer um ‘sobe’ ou um ‘desce’ ‘. Uma coluna desse tipo, para manter-se nos limites da ética jornalística, deve expressar o seu juízo de valor (‘sobe’ ou ‘desce’) ‘em cima’ de um fato concreto, específico e conhecido. Por exemplo, nada haveria a estranhar se um Ministro, que lutava por aprovar um projeto no Congresso e não conseguiu, recebesse, pour cause, um ‘desce’: a opinião da revista, o juízo de valor terá sido emitido em razão de um fato concreto e específico, tornado presente de um modo imediato e claro para o leitor: o ‘desce’ foi porque o seu projeto foi derrotado no Congresso. –. Se o fato for verdadeiro, o brindado com o ‘desce’ não terá do que reclamar. A legitimidade de uma coluna desse tipo está na concretude e especificidade do fato causador do ‘desce’. É muito diferente afirmar-se um fato concreto e específico, como o do exemplo dado, do que fazer uma afirmação genérica de que ‘o Secretário não faz nada’. A diferença está entre o fato genérico e o fato concreto. A afirmação do fato concreto e específico, realmente, pode ser feita em poucas palavras, possibilitando um juízo de valor fundamentado e imediato: a) o Ministro foi derrotado na votação do Congresso – ‘desce!’; b) o escritor ganhou o prêmio Nobel da literatura – ‘sobe!’; c) o delegado de polícia foi exonerado – ‘desce!’. A coluna ‘sobe/desce’ é legítima para expressar a opinião da revista sobre fatos isolados que comportam juízo de valor evidente. Agora, a avaliação geral do desempenho de uma Secretaria de Governo não dá para se fazer numa coluna desse tipo e com tal economia de palavras. Essa frase solta: ‘o secretário não faz nada’ não é crítica jornalística ou crítica política; é ofensa pura. É a própria contestação que diz que a linguagem telegráfica do ‘sobe/desce’, tem de ter o mínimo suficiente de palavras para que o leitor saiba o que tal personalidade fez para merecer um ‘sobe’ ou um ‘desce’. Pense-se num Presidente da República ou num Governador do Estado num final de mandato: ‘desce!’, ‘porque fez um mau governo’. Seria isso opinião jornalística ou política? Não. Apenas a conclusão de uma avaliação geral, sem dar os motivos, avaliação geral essa que, a toda evidência, não cabe numa coluna desse tipo, que se presta à valorização apenas dos fatos específicos ocorridos na semana. Uma avaliação crítica de âmbito mais geral tem de ser feita numa reportagem mais aprofundada, na qual o jornal analisa os fatos e tira suas conclusões.

14. Quanto à assertiva, ainda do item 11 (fls. 171), de que o jornalismo independente é baseado na liberdade de expressão, é preciso lembrar-se que o corolário da liberdade é a responsabilidade. Eu falo o que quero, e sou livre para falar o que quiser, e, porque sou livre para falar o que quiser, e, porque sou livre, porque falo livremente (e não sob coação), respondo pelo que falo, minhas palavras obrigam-me. Se a revista, utilizando sua liberdade de expressão, macula injustificadamente a honra de alguém, responde por isso. À ré, pelo teor da sua contestação, agrada e apraz a liberdade de dizer, mas, sem a correspondente responsabilidade pelo que diz, e é por isso que ações como esta têm o seu caráter pedagógico além do compensatório.

15. No item 12 (fls. 171), diz a contestação que ‘no caso específico do ‘desce’ ao secretário Maierovitch, autor da presente demanda, a coluna resumiu uma decepção sobre a sua atuação à frente da Secretária Nacional Antidrogas’, e prossegue no item 13 (ainda fls. 171), dizendo que ‘não houve uma ofensa gratuita’, mas ‘uma crítica, talvez muito mais rigorosa do que gostaria o denunciante (sic), mas correta sob o ponto de vista jornalístico’, eis que ‘ao aceitar um cargo público de tal destaque, o Doutor Maierovitch deveria estar ciente de que estaria sob a vigilância da imprensa’, já que ‘o seu salário é pago pelo dinheiro público e as cobranças são naturais, como seriam os aplausos caso o seu desempenho assim merecesse’. Até aqui, a contestação falou, falou, mas não disse cousa alguma! Diz que a Veja se ‘decepcionou’ com a atuação do autor à frente da Secretaria, mas não diz por que, e que o autor deveria saber que estaria sob ‘vigilância da imprensa’, devendo estar preparado para as críticas. Nosso comentário: Sim, desde que quem critica seja explícito e fundamente a sua crítica, o que a notícia da Veja não fez, e nem a contestação, até este ponto.

16. Diz ainda o item 13 da contestação que ‘afirmar que Veja possui uma ‘coluna de fofoca’ demonstra apenas uma ignorância do papel dessa revista na história recente do país’. Novamente, o raciocínio torto: jornais como a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, com papel relevantíssimo na formação de opinião do país, possuem suas colunas de amenidades, mundanidades, e, nem por isso são jornais pouco sérios. Se se ler a inicial com atenção, o autor não acusa a notícia de ter ou deixar de ter o caráter de fofoca. O autor até justifica a existência de colunas de fofocas. O de que o autor reclama é do caráter canalha da notícia, gratuitamente enxovalhador da sua reputação. Nesse ponto, a contestação desconversa. Não se atacou todo o histórico e a tradição da revista Veja, mas, sim uma determinada e específica notícia por ela veiculada, uma notícia leviana e irresponsável. Só essa notícia. É tão mais grave a leviandade e a irresponsabilidade da notícia por se tratar de uma revista de enorme tiragem, com penetração nacional.

17. E prossegue a contestação no item 14, fls. 172, dizendo que a ré tem o maior respeito pela carreira do autor (conquanto o tom da notícia nada tivesse de respeitoso: pelo contrário era jocoso – ‘de perto se vê que ele não faz nada’ –, mas não é contra a jocosidade da notícia que se volta a presente ação, mas contra a sua gratuidade, a sua falta de motivação explícita!), ‘e em nenhum momento a revista colocou em dúvida o seu idealismo, mas apenas criticou a sua atuação naquele momento específico’. Volto à mesma tecla: não criticou! A notícia disse apenas que ‘o Secretário não faz nada’. Isso não é crítica, é apenas ofender. ‘Criticou a sua atuação naquele momento específico’…Quem lê a contestação, pensa que se trata de uma reportagem fundamentada que culmina numa avaliação crítica. Não. Apenas uma nota: ‘de longe, parece que não faz nada, de perto, comprova-se que não faz nada’. Isso é ofensa, não é avaliação crítica. Uma avaliação crítica primeiro expõe fatos, depois os sopesa e depois conclui. A nota hostilizada nesta ação tem sabor, como já dissemos, de conversa de bar: ‘Fulano não faz nada!’.

18. No item 15 (fls. 172), a ré mostra, mais uma vez, a sua má-vontade em responder judicialmente pelos seus atos, dizendo que o autor teria feito melhor, ‘se quisesse se defender’, enviando uma carta à redação da revista para posterior publicação. Está errada tal postura da ré. Assim como ela diz que o autor, homem público, deve estar preparado para as críticas na imprensa, o que é verdade, ela ré, responsável por uma revista de tiragem nacional, deve estar preparada para responder judicialmente pelo que escreve, toda vez que, abusando da sua liberdade de expressão, assacar, gratuitamente, contra a reputação alheia. Em absoluto, o autor não se satisfaz com a publicação de uma cartinha sua de protesto na coluna ‘cartas dos leitores’. O autor sentiu-se ofendido pela nota, que considerou injustificável e infamante, e quer que a editora seja condenada à reparação do dano moral que tal ofensa produziu nele autor. Para isso, escolheu o veículo adequado: o Poder Judiciário, e agiu corretamente, por mais que, à ré, desagrade ser julgada.

19. No item 16 (fls. 172), a contestação começa a tornar específicas as críticas dela ré à atuação do autor, ou seja, a fazer aquilo que deveria ter feito na notícia: a dizer o porquê da sua ‘opinião jornalística’ (assim, entre aspas, porque não damos à nota hostilizada a estatura de ‘opinião jornalística’). Diz a contestação que todo o material juntado à inicial, evidenciando a fecundidade da atuação do autor à frente da Secretaria Nacional Antidrogas, não comprova mais do que as suas ‘boas intenções’, havendo, porém, ‘uma absoluta falta de resultados’. A maior prova dessa falta de resultados estaria ‘nas evidências coletadas nos últimos meses pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Narcotráfico’. Por tais ‘evidências’ se teria comprovado ‘que o país se transformou no segundo maior consumidor mundial de cocaína e num dos maiores centros distribuidores de drogas do planeta, conforme se pode constatar pelas reportagens sobre o assunto, ora juntadas sob os documentos de nºs 01 a 05. Nelas, vê-se que Estados inteiros como o Acre se tornaram refém de uma economia ilegal e que destroça a vida de milhares de famílias brasileiras’. De notar-se, primeiramente, que a nota hostilizada foi publicada um 09/06/99 (inicial, item 01; cópia da página da revista, a fls. 32). Assim sendo, coerentemente, os fundamentos da nota desaprovadora da atuação do autor deveriam ter sido colhidos em fatos anteriores a 09/06/99. Mas, as reportagens anexadas à contestação são todas bem posteriores a 09/06/99. A de fls. 183/184 da Folha, é de 10/11/99; a Veja de fls. 185/186 é de 08/12/99; a Veja de fls. 187/192 é de 22/09/99; a Veja de fls. 193/196 é de 1º/12/99; a Veja de fls. 197/205 é também de 08/12/99. Sem entrar no mérito dessas reportagens, quero chamar a atenção para a circunstância de que a ré utiliza fatos e documentos bem posteriores para tentar justificar uma nota desabonadora datada de junho de 99, o que reforça a alegação da inicial quanto à total gratuidade da nota hostilizada nesta ação.

20. A afirmação da contestação de que ‘o país se transformou no segundo maior consumidor mundial de cocaína’ (fls. 172, item 16), repete a reportagem da Veja de 08/12/99, que, no particular, baseou-se na pesquisa de um sociólogo – Argemiro Procópio (fls. 198) –, feita sem método científico, não contando com qualquer reconhecimento internacional e sendo desprezada pelos especialistas brasileiros. É leviana e irresponsável a afirmativa de que o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo. Não que o problema do tráfico e consumo de drogas no Brasil não seja terrível, gravíssimo – ele é, ninguém sabe disso melhor do que o autor! – mas essa afirmativa de que é o segundo consumidor de cocaína do mundo, espalhada por Veja pelo país inteiro, foi feita sem base sólida, repetindo um trabalho obscuro, peregrino e não reconhecido pela comunidade científica nacional e internacional.

21. Uma revista do porte de Veja, que fala tanto da crítica jornalística, deveria, também, criticar um pouco as informações que recebe antes de repassá-las ao público: essa informação de que o Brasil é o segundo consumidor de cocaína do mundo, carece de verossimilhança aparente. Em que pese o drama do consumo das drogas, o Brasil não ostenta esse nada honroso título de vice-campeão mundial no consumo de cocaína. ‘À nossa frente’, além dos Estados Unidos, temos, presumidamente, Canadá, França, Alemanha Ocidental, Inglaterra e Itália. Conforme todas as pesquisas sérias sobre o assunto, o Brasil é um importante país de trânsito da droga branca proveniente da Colômbia, Peru e Bolívia. Como acontece com todos os países de trânsito, tornou-se também consumidor, mas não há qualquer evidência e é muito pouco provável que seja ‘o segundo consumidor do mundo’.

22. Aliás, a Veja evidenciou, nessa reportagem de 08/12/99, também, outros sinais de impressionante desinformação, que comprometem em grande parte, a seriedade do trabalho jornalístico. A fls. 204/205, a reportagem diz que, na Itália, o maior golpe recebido pelo narcotráfico teria sido pela Justiça, através da Operação Mãos Limpas. A Operação Mãos Limpas não teve nada a ver com o narcotráfico, mas, sim, e apenas, com a corrupção político-partidária, resultando na condenação do ex-primeiro ministro e ex-presidente do Partido Socialista Italiano, Bettino Craxi, que fugiu para a Tunísia para não ser preso, e faleceu recentemente. Escândalo de enormes proporções de corrupção política, mas nada tendo a ver com a questão das drogas. Com certeza, a Veja confundiu, inadmissivelmente, o escândalo político que desmoralizou o PSI, e que foi trazido à tona pela chamada ‘Operação Mãos Limpas’, desencadeada por um membro do Ministério Público italiano, o Promotor Antônio di Pietro, e que, como disse, resultou na condenação do outrora respeitado e venerável Bettino Craxi, com a ‘Operação Anti-Máfia’, organizada a partir de 1984, por um pool de juízes de Palermo, que resolveram, corajosamente, dar efetividade ao art. 416-bis do Código Penal Italiano que criou a figura penal das organizações criminosas do tipo mafioso, distinta da figura penal tradicional da quadrilha ou bando. O mais famoso desses magistrados foi o venerável Juiz Falcone, assassinado num atentado a bomba pela Máfia Italiana em 1994. Nada, absolutamente nada, a ver a Operação Mãos Limpas com qualquer tipo de problema ligado a drogas. A Operação Anti-Máfia, sim, evidentemente, dada a notória dedicação da Máfia do Sul da Itália, a partir dos anos 70, ao tráfico internacional de drogas. A menção à ‘Operação Mãos Limpas’ é demonstrativa de um certo grau de falta de aprofundamento na pesquisa, que desqualifica a reportagem da Veja de fls. 197/205.

23. No item 17 (fls. 173), a contestação procura diminuir a atuação do autor, dizendo que ele teria sido ‘alçado por decreto presidencial à condição de homem nº 1 do país na política ao combate das drogas’, e que, ao invés de assumir a posição de ‘ponta de lança’, de ‘líder das ações oficiais’ para a erradicação das drogas do país, ‘o autor tem se apagado, se apequenado frente ao problema’. Para demonstrar essa pretensa capitis diminutio do autor, a contestação salienta o fato de ele não estar no Brasil no dia em que os deputados da CPI se reuniram com o Presidente Fernando Henrique e com o General Alberto Cardoso, reunião à qual estavam presentes o Ministro da Justiça, José Carlos Dias, e o Secretário Geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira. Para a contestação, a ausência do autor nessa reunião seria a prova de que ele ‘não tem a mínima participação nos assuntos que envolvem o combate ao narcotráfico’. Realmente, o autor não esteve em tal reunião, ocorrida em novembro do ano passado. Realmente, ‘sequer estava no Brasil’ nesse dia, como destaca a contestação. Estava na Espanha, munido de uma ‘Carta de Plenos Poderes’ assinada pelo Presidente da República (doc. Anexo nº 1), para assinar em nome do Governo da República do Brasil, um importante acordo internacional de drogas, o qual, de fato, veio a ser assinado no dia 11/11/99 (doc. Anexo nº 2).

24. A nota da ‘Veja’ sobre a ausência do autor nessa reunião do Presidente da República com alguns deputados – ausência essa perfeitamente justificável, como se explicou, já que o autor estava na Espanha para assinatura de tratado internacional do Brasil com aquele país – é de uma perversidade sutil: ‘Secretário Injustiçado – O titular da Secretaria Nacional Antidrogas, Walter Maierovitch, está passando por uma descortesia em Brasília. Apesar de ser um dos maiores especialistas em máfia, lavagem de dinheiro, ele não é convidado para reuniões importantes. Foi excluído até da última operação do governo para combater traficantes, encabeçada pelo general Alberto Cardoso. Uma das situações mais desagradáveis ocorreu há um mês. Maierovitch foi barrado em um posto da Polícia Federal porque o agente de plantão não sabia quem ele era’ (fls. 186). Essa nota é de 08/12/99. A ré foi citada para esta ação em 19/10/99. A nota, de modo claro e evidente, procura fazer crer que o autor esteja sendo desprestigiado pelo Governo, que esteja sendo ‘fritado’, como se usa dizer no vocabulário político, que esteja sendo ‘injustiçado’, que sofre ‘descortesia em Brasília’, que ‘não é convidado para reuniões importantes’. Ora, nada disso é verdade! O autor participa ativissimamente de todos os eventos ligados ao combate ao tráfico e ao consumo de drogas e é convidado para todas as reuniões importantes, às quais sempre comparece, salvo impossibilidade absoluta, como aquela a que Veja deu destaque, porque estava na Espanha em importante missão de interesse nacional. A tal ‘situação desagradável’, a que alude a nota, de o autor ser barrado num posto da Polícia Federal, porque o agente de plantão não sabia quem ele era, que poderia ser um fato corriqueiro e sem maior significação, simplesmente não ocorreu! Não ocorreu esse fato. O autor não sabe de onde a revista tirou a informação. Talvez da mesma fonte que a informou de que a ‘Operação Mãos Limpas’, na Itália, fosse organizada para o combate ao narcotráfico… A Secretaria presidida pelo autor integra o Sistema Nacional Antidrogas, que foi criado pelo Decreto Presidencial nº 2.632 de 19/06/98 alterado pelo Decreto nº 2.792 de 1º/10/98. O texto integral desse Decreto, com as alterações, foi juntado com a inicial no folheto verde de fls. 40/48. Está, exatamente, a fls. 45 e seguintes. O art. 3º do decreto (fls. 45 verso) diz que ‘integram o Sistema Nacional Antidrogas’, ‘(II) a Casa Militar da Presidência da República, como órgão central’ e ‘(III) a Secretaria Nacional Antidrogas, da Casa Militar da Presidência da República, como órgão executivo’. Note-se, pois, o tamanho da aleivosia da contestação, ao dizer que o autor tem se apequenado, não tem comandado as ações de repressão, ‘mais uma vez sob a coordenação do Gabinete Militar’. Ora, de acordo com o decreto presidencial que criou o Sistema Nacional Antidrogas, o ‘homem nº 1 do país na política ao combate das drogas’ não era o Secretário, mas, sim, justamente, o chefe da Casa Militar da Presidência da República (Dec. 2.632/98, art. 3º, II), ao qual se acha subordinado o titular da Secretaria Nacional Antidrogas. Então, não é que o autor tenha se ‘apequenado’ diante do General Alberto Cardoso. O que é, é que a sua Secretaria é subordinada à Casa Militar, à pasta do general Cardoso, que é, pelo decreto presidencial, o ‘órgão central do sistema’. Então, por aí se vê a vacuidade, a irresponsabilidade da crítica construída pela contestação: a Veja, pretendendo traduzir os anseios de toda a sociedade, ‘decepcionou-se’ com a atuação do autor no combate às drogas, porque ele ‘permitiu’, cumprindo à risca o decreto presidencial, que o General Alberto Cardoso assumisse o comando, o posto central. Mas, não há nada errado em tal postura do autor, a sua Secretaria é o órgão executivo da política traçada pelo órgão central, que é a Casa Militar.

25. Agora, note-se mesmo a maldade dessa nota de 08/12 (fls. 186), publicada, repita-se, quando a ré já estava citada para a ação. Bem dizia José Ingenieros referido na inicial, no seu ‘O Homem Medíocre’, referindo-se ao maledicente, que uma das suas formas de agir é negar o mal que distila: ‘Ah! É uma injustiça o que falam daquela moça; eu acho que ela é séria…’. Ninguém dissera nada da moça e o maledicente, sem se arriscar muito, lançou o seu veneno. É o que fez a Veja, desgostosa com o autor por causa da presente ação, imbuída do mais mesquinho espírito vingativo, na nota de fls. 186: ninguém fez qualquer descortesia para com o autor, ele é prestigiado em Brasília pelo seu superior imediato, o General Alberto Cardoso e pelo Presidente da República, e, no geral, por todos os membros do Governo. É prestigiado por todos os órgãos de comunicação, com exceção da Veja, e ela vem dizer, hipocritamente, que ele está sendo ‘injustiçado’, apesar de toda a sua capacidade, etc. Maledicência pura e requintada!

(…)

31. A ‘decepção’ que a contestação manifesta com a atuação do autor à frente da Secretaria não representa mais do que um estado subjetivo dos representantes da ré, motivado por uma imperdoável ignorância dos fatos. Ao contrário do que assacou a Veja na sua nota execrada pelo autor, ele autor está fazendo, e está fazendo muito na Secretaria Nacional Antidrogas. Ao contrário, ainda, do que disse a Veja, na sua segunda nota sobre o autor, a ‘piedosa’ notícia de fls. 186, o autor não está sendo ‘injustiçado’ em Brasília, não tem sofrido descortesia do governo, e continua muito prestigiado. O ‘desapontamento’ da Veja pelo autor não assumir o 1º posto, de ‘deixar’ o General Cardoso fazer isso, é estranho: desaponta-se pelo fato de o autor assumir uma postura absolutamente coerente e adequada ao posto para o qual foi nomeado, decepciona-se por ele não atropelar seu superior hierárquico, o chefe da Casa Militar, a quem o decreto-presidencial atribuiu, desde o início, a centralização da direção da política nacional de combate às drogas. Decepcionante foi, isto sim, a posição da ré e da Veja nesse episódio: principalmente, essa segunda notícia, a de fls. 186, publicada quando a ré já fôra citada para a ação, evidencia uma pequena vindita jornalística, tão sutil quanto mesquinha e rebarbativa.

(…)

33. No item 19, a fls. 174, a contestação entra nas suas considerações jurídicas, dizendo que a nota hostilizada está dentro dos limites do art. 27 da Lei de Imprensa, mormente em se considerando a função pública, do autor, que, como todo homem público, está mais sujeito às críticas da imprensa do que o cidadão comum, devendo, em qualquer circunstância, responder pelos seus atos, tem ele compromisso com a coisa pública. É. Pois é…o autor responde pelos seus atos e a ré pelo que escreve e noticia. São essas as regras do jogo. O homem público está, sem dúvida alguma, mais exposto à crítica do que o cidadão comum, mas, nem por isso, está obrigado a sujeitar-se a assaques ofensivos pela imprensa, entendendo-se como tal uma nota desfundamentada dizendo que ‘de longe parece que o Secretário não faz nada, e, de perto, constata-se que não faz nada mesmo’. Por mais que se esforce a contestação para torcer os fatos, a palavra dita, e, principalmente, a palavra escrita, não pode ser apagada. A nota é puramente ofensiva, não traduzindo, em absoluto, qualquer tipo de crítica jornalística séria. Data venia, a nota é acanalhada, percebe-se na mesma a intenção do achincalhe, da esculhambação. Em absoluto, não dá para a ré se escudar em nenhum dos incisos do art. 27, senão, vejamos. Elenca o art. 27 diversas hipóteses em que a notícia supostamente ofensiva não constitui abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação. O inciso I refere-se à opinião desfavorável da crítica literária, artística, científica ou desportiva, a qual, por sua natureza, é carregada de intensa subjetividade. O inciso ressalva, no entanto, da escusativa, o caso de inequívoca intenção de injuriar ou difamar. O inciso II, diz respeito a reprodução de relatórios, pareceres, etc., desde que não sigilosos. Nada a ver com o presente caso. O inciso III refere-se ao comentário sobre projetos e atos do Poder Legislativo, o inciso IV à reprodução de debates perante o Judiciário, o inciso V diz mais ou menos a mesma coisa que o inciso IV, permitindo a divulgação dos articulados judiciais. O inciso VII refere-se à crítica das leis e a demonstração da sua inconveniência. Restam os incisos VI, VIII e IX, que dizem, respectivamente, o seguinte: ‘VI – a divulgação, a discussão e crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, desde que não se trate de matéria de natureza reservada ou sigilosa’; ‘VIII – a crítica inspirada pelo interesse público’; IX – a exposição de doutrina ou idéia’. Voltemos à nota atacada. Ela diz o seguinte: ‘Walter Maierovitch – De longe o secretário nacional antidrogas parece não mostrar resultados. De perto descobre-se que ele realmente não faz nada’. Essa frase jogada solta, fora de qualquer contexto analítico, positivamente, não consubstancia nem divulgação, nem discussão, nem crítica de atos de agente do Poder Executivo, não caracteriza ‘crítica inspirada pelo interesse público’, e, muito menos, ‘exposição de doutrina ou idéia’. Trata-se de assaque gratuito, pura e simplesmente. Aqui, na contestação, com o enorme prazo dilargado pela mal intencionada exceção de incompetência, a ré teve todo o tempo para encontrar justificativas para a sua ‘opinião jornalística’. Tudo o que conseguiu foi dizer que o autor não compareceu a uma reunião do Presidente com deputados realizada cinco meses depois da publicação da nota (sendo que o autor demonstrou que, nesse dia, estava representando o Brasil na assinatura de um tratado internacional com o Rei da Espanha), e tentar intrigar o autor com o Chefe da Casa Militar, a quem a Secretaria presidida pelo autor está subordinada nos termos do próprio decreto presidencial que a criou. Em nenhum lugar, a Lei de Imprensa escusa a ofensa gratuita, que, in casu, não dá para usar a roupagem de ‘opinião jornalística’. Basta ler a notícia.

(…)

CONCLUSÃO

39. Em conclusão, a contestação nada trouxe que abalasse um milímetro sequer as razões da inicial. Pelo contrário: veio à tona que a ré não só não tinha justificado a nota guerreada, como também não tinha justificativa para a mesma. Requer a designação de audiência para colheita de provas orais.

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

São Paulo, 20 de março de 2.000

José Luiz Bayeux Filho