Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia faz show sobre nada

SEQÜESTRO NO SUL

Daniel Bender (*)

Quinta feira, 26 de setembro, a mídia gaúcha mostrou outra vez a que veio. Uma nova ocorrência com os característicos táxis-lotação de Porto Alegre, a terceira em pouco tempo. A novidade desta quinta em especial foi a ausência total de crime. Recapitulemos: um sujeito entra num táxi-lotação, senta no fundo do carro e espera o ponto final para levantar. Caminha até o motorista, que havia deixado a porta aberta. Anuncia, apontando uma mochila, que tinha uma bomba e ordena que ele fuja. O motorista sai e berra a todos que estava sendo assaltado e que talvez houvesse reféns em poder do assaltante.

Não havia refém, não havia arma, não houve assalto nem seqüestro, apenas um homem desesperado trancado num microônibus a alguns metros das estações de TV das principais redes do país. Estava na cara que viraria um espetáculo.

E virou: foi um Big Brother, uma Casa dos Jornalistas, um nada televisionado. O espírito de voyeur imperou na transmissão de todos os veículos. Nos programas do SBT e da Globo, o público estava sempre esperando ver o que ia acontecer, ou seja, nada. Nada acontecia. Era um tédio dentro das "casas", segundo o relato dos participantes. Assim foi o "seqüestro" da quinta-feira. Não havia nada acontecendo, nada justificou a presença de tantos repórteres que não faziam idéia do que se passava e transmitiam sua ignorância ao Estado inteiro. Infelizmente, todos são rápidos em criminalizar as pessoas. É fácil dizer que qualquer coisa é um seqüestro. Mesmo que um seqüestro precise, antes de mais nada, de reféns e uma ameaça.

Lágrimas não ameaçam. Quando o rapaz se entregou, o site ClicRBS foi rápido em afirmar: "Criminoso do lotação se rende no mirante". O único crime que o homem cometeu foi o de "constrangimento ilegal". Só não dá para ter certeza sobre quem ficou constrangido: o motorista, a polícia, o governo do estado ou a mídia. Felizmente, a história acabou bem. Mas o rapaz poderia estar armado e matar-se no táxi. Os repórteres teriam nas mãos, além dos microfones, das câmeras e dos blocos de anotações, sangue.

(*) Estudante de Jornalismo da Unisinos-RS