Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Mídia garantiu reeleição e cobra o preço do serviço

Mauro Malin

 

N

unca existiu imprensa que não estivesse envolvida nos fatos políticos, em lugar nenhum do mundo. O que falta no Brasil é nitidez quanto a esse envolvimento, e separação do noticiário jornalístico. O que sobra são manobras de despistamento, como as feitas pela Rede Globo e pela Folha de S. Paulo ao longo da luta pelas Diretas-Já, em 1984/5. Manipulação também sobra, especialmente durante as campanhas eleitorais, com a ajuda ou não de pesquisas.

Não existe ninguém “acima de qualquer suspeita”. Só nas ditaduras. O “cidadão acima de qualquer suspeita” celebrizado por Gian Maria Volonté (1970, direção de Elio Petri) era um criminoso que se ocultava atrás da condição de policial. Todas as pessoas podem cometer deslizes. Quando se trata de deslizes na vida privada, sem ferir leis, é problema delas. Quando os deslizes ocorrem na vida pública, é problema nosso.

Para o bem de todos

Pode-se acusar a imprensa brasileira de muita coisa trapalhadas, incompetência, interesses escusos, cumplicidades , mas não se pode acusá-la de querer ajudar a derrubar Fernando Henrique Cardoso.

Os meios de comunicação, numa unanimidade que já está cobrando seu preço, garantiram em 1998 a renovação do mandato de FHC. Sem avaliar seriamente a qualidade de seu governo e de sua política.

Fizeram-no “para o bem de todos e felicidade geral da nação”, num processo eleitoral em que houve votação, mas não houve disputa (primeiro turno).

Quando, no final de maio, FHC se viu ameaçado, não lhe faltou apoio por ação (a favor da política econômica, quase incondicionalmente) ou por omissão (caso notório da Rede Globo).

Garantiram a renovação do mandato de FHC para o bem de todos e felicidade geral da nação, sem aspas, porque simplesmente não havia alternativa.

Lula e o PT mais uma vez se equivocaram, deixaram passar a oportunidade de provocar uma verdadeira disputa, mas se tivessem acertado politicamente (o “se” aí é do tamanho de um bonde) o resultado final seria o mesmo, com outro enredo.

A barreira protetora montada para FHC pelos meios de comunicação reflete a ausência de alternativa, mas não é responsável por ela, a não ser na medida em que poder e mídia se confundem. Essa não é outra discussão, mas não cabe neste tópico.

Nas eleições legislativas, a história foi diferente. No segundo turno, também. Houve disputa, e, para surpresa geral (leia-se para surpresa da mídia), com urna eletrônica a esquerda cresceu.

O serviço tem preço

Depois das eleições, a acolhida dada a falsificações sobre contas no Caribe mostra duas coisas:

Primeiro, que se desconfia a priori de todas as pessoas que têm ligação, como gerentes ou beneficiários, com financiamento de campanhas eleitorais e da atividade política.

Segundo, que a mídia fez o serviço a favor de FHC (e os aliados dele, claro) no primeiro turno, mas não o fez de graça. Ficou com um nó na garganta por não ter tido alternativa a não ser apoiar a reeleição. Vai querer influir na constituição do novo governo e em seus rumos. Manipulará o que puder manipular, e o mais serão as lambanças costumeiras.

Já a direita fascista, quando não metida em coisas mais radicais, aproveitou, aproveita e aproveitará qualquer brecha para tentar desmoralizar o jogo político democrático. Não há propriamente novidade nisso, mas a cada momento é necessário estar atento.

Ninguém pode dizer, entretanto, até aqui, que tenha sido a direita fascista a autora do “dossiê”.

A polícia anda atrás de bandidos responsáveis por grampos e falsificações. O presidente da República queixou-se da tentativa de manipulação por parte de Maluf, na reta final do segundo turno, depois fez acusações quase diretas a Fernando Collor. Teria sido mais fácil condenar uma direita fascista, se houvesse tal convicção, do que o aliado Maluf.

Maluf é direita e não disfarça muito (para não perder o núcleo duro de seu eleitorado). Certo.

E Fernando Collor, é a direita? Collor é um franco-atirador, um aventureiro, como se dizia em outros tempos. Para resumir e usar a expressão que ele mesmo agitou com a bondosa ajuda, à época (1988/9), de amplos setores da imprensa, é um “caçador de marajás”. Fez as alianças que julgou úteis, à direita e à esquerda (e principalmente no pântano), para “chegar lá” e lá permanecer (não conseguiu). Fará novamente, se puder.

Vender mais caro é melhor?

O assunto privatização é diferente: as fitas também são uma jogada, mas aceita por quem, na mídia, tem interesse em aceitá-la. Veja aceitou-a plenamente, foi buscar fitas editadas (com quem? a Polícia Federal?) e as publicou do jeito que vieram. A Globo citou o episódio com ar de quem diz: “Estão vendo como foi essa privatização?”

A cobertura é tão interesseira e indigente que se baliza pela oscilação do conceito dos grampeados Lara Resende e Mendonça de Barros entre os extremos de trêfegos e patriotas.

Até agora, ninguém debateu, por exemplo, se obter alto preço na privatização é bom, patriótico, ou algo que as empresas compradoras regidas necessariamente pela busca do lucro cobrarão dos usuários, durante longo período. A mídia, unanimista, abandonou o exame das privatizações tão logo elas se concretizaram.

A falta que a reforma política faz

É preciso repetir o que escreveram recentemente Dora Kramer e outros: no capítulo do denuncismo, o PT não tem nada de inocente. Bota lenha na fogueira há muitos anos. Foi o PT que inaugurou a era dos ataques pessoais escancarados na propaganda eleitoral gratuita, na campanha de 1989. Carlos Castello Branco ainda era vivo e registrou o episódio numa coluna intitulada “Fernandinho não morreu na praia” (tratava-se de esquete em que o ator Guilherme Karan fazia o papel de um Fernandinho adamado que morria na praia). No caso dos Anões do Orçamento, o senador-detetive Suplicy abalançou-se a Nova York em busca de suspeitos. Uma patetada. Vários políticos petistas fizeram carreira no denuncismo, no tempo em que ainda existia o “petismo das redações”.

Faz falta a reforma política.

Entre outras coisas,

Para clarear o financiamento de campanhas eleitorais;

Para dar sentido cívico à representação política;

Para reforçar o papel dos partidos e evitar que se formem governos sem lastro próprio, obrigados a alianças-ônibus;

Para criar uma Polícia e uma Justiça a serviço da população;

Para redefinir a moldura institucional do trabalho dos meios de comunicação.