Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia joga na defesa

BANCO NACIONAL

Carlos Augusto Tôrres Nobre (*)

O caso Banco Nacional vem sendo o centro das atenções dos principais veículos de comunicação desde o final da semana retrasada. Fomos informados da condenação, pela Justiça Federal, de ex-dirigentes e ex-controladores do banco, responsabilizados pelo desvio de mais de 9 bilhões de reais.

Acompanhei surpreso o rumo dado à notícia pelos principais jornais e emissoras de televisão. Jornalistas experimentados no trato das graves questões nacionais colocaram em primeiro plano a reação dos advogados de defesa contra o juiz que proferiu o decreto condenatório, ou seja, deram surpreendente realce a um fato que ocorre no desfecho de qualquer processo criminal. Esqueceram-se de que não há advogado que saia do Fórum falando bem do juiz que condenou seus clientes e os que pautam sua conduta pela ética limitam-se a não sair falando mal.

Enquanto estiveram presos os réus, por que não se debateu se foi acertada ou não a decisão de encarceramento logo depois de publicada a sentença em cartório? Havia larga margem para um debate construtivo. Era a ocasião de esclarecer que, de um lado, há dispositivo constitucional que assegura a todos a presunção de inocência até que se chegue a uma decisão judicial que não mais comporte recurso; e que, de outro, disposição também de ordem constitucional consagra a possibilidade de prisão no curso do processo, além de existir previsão na lei dos crimes financeiros autorizando a prisão em razão da magnitude da lesão causada, mesmo que o réu seja primário e de bons antecedentes.

Surpresa no Ratinho

Havia a chance concreta de a mídia discutir os parâmetros de aplicação da justiça, e não estaríamos, tenho certeza, diante de um tema árido, de difícil compreensão. Pelo contrário, o envolvimento das pessoas destruiria o mito de que apenas os operadores do Direito têm condições de entender e criticar as leis.

Se o ponto principal da questão tivesse ficado em destaque, alguns cidadãos teriam defendido com maior clareza a precipitação do juiz, entendendo que para a cadeia só devem ir aqueles que também forem condenados pelo tribunal de apelação, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo na hipótese de crime de colarinho branco, não sendo significativo que o juiz singular tenha formado seu convencimento depois de longa reflexão e com o acervo probatório tenha tido um contato mais direto.

Para outros, a presunção constitucional de inocência não poderia ser invocada para afastar a prisão no presente caso, porque afinal de contas crimes de lesividade econômica de proporções extraordinárias não se comparam a um furto qualquer. Lembrariam estes interlocutores que não são poucos os que estão nas cadeias sem condenação definitiva. Não faltariam, ainda, aqueles cidadãos que, no calor da discussão, atentariam para a redação confusa das leis que definem crimes geralmente praticados por gente poderosa em oposição à simplicidade e à eficácia do texto legal que pune os mais humildes, e tomados pela curiosidade procurariam saber por que as coisas funcionam assim, e se seria esta uma das causas da impunidade em crimes do colarinho branco.

A maior atenção dispensada pela mídia ao destempero verbal de criminalistas ? conhecedores do risco que seria discutir a substância do processo deixando de lado os formalismos e paixões que ele encerra ? não deve ser interpretada como erro. Vivemos num regime de liberdades, numa sociedade pluralista, e muitos são os pontos de vista. Depois de soltos os réus, por ordem de habeas corpus do presidente do Supremo Tribunal Federal, também surpreso vi o Programa do Ratinho lembrar a natureza do crime imputado e a importância da magnitude do desvio como balizamentos centrais para o jurídico e justo exame da prisão e da soltura dos banqueiros.

(*) Juiz federal da 2? Vara de Uberaba (MG)

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