Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mídia na alça de mira

MONITOR DA IMPRENSA

GOVERNO BUSH

Arnaldo Dines, de Nova York

Aparentemente as coisas andam devagar em Washington para o Congresso norte-americano. Oprimidos de um lado pela monotonia da nova administração de George W. Bush e, do outro, pelas saudades dos escândalos do governo de Bill Clinton, alguns membros do Congresso resolveram ocupar a aparente ociosidade com um dos seus passatempos prediletos: culpar os meios de comunicação pelos problemas da nação.

Em vez de procurar soluções para as aflições do país, esses políticos optaram por montar um circo cuja maior atração são os tormentos da mídia na jaula dos leões. Como mestre de cerimônias deste espetáculo aparece o republicano Billy Tauzin, chairman do Comitê de Energia e Comércio da Câmara de Representantes, e o pretexto para a encenação é uma suposta investigação dos erros cometidos pelos meios de comunicação na noite da eleição presidencial.

Que a imprensa fez um papelão naquela noite fatídica, com uma sucessão de projeções prematuras e irresponsáveis, é fato incontestável. O mesmo em relação ao Voter News Service, o consórcio formado pelas principais redes de televisão e pela Associated Press, que ao falhar na sua função básica de apurar a votação na saída das urnas, acabou por confirmar a ineficiência de um sistema monopolista de pesquisa na disseminação de informação.

Mas numa democracia, com uma nítida separação entre os direitos da imprensa e as funções do Estado, cabem aos próprios meios de comunicação tomar medidas, ou não, para remediar a situação. O direito de livre expressão garantido na Constituição americana por meio do First Amendment, a Primeira Emenda, contradiz essa tentativa do governo federal de controlar o conteúdo e a conduta jornalística.

Armas de fogo

Para o Congresso, a opção de culpar o mensageiro pelo teor da mensagem é a solução perfeita para desviar a atenção das causas reais da falência moral e tecnológica do processo eleitoral americano. O ocorrido na Flórida é apenas a decorrência natural de um sistema em estado de decrepitude após anos de negligência. E para o Partido Republicano, ainda em maioria na Câmara, acusar a mídia de cumplicidade numa hipotética e absurda conspiração liberal-progressista é a melhor maneira de evitar a discussão sobre mudanças em um sistema eleitoral que nitidamente o favorece.

Mas a utilização dos meios de comunicação como bodes expiatórios para os problemas que afligem uma nação não é restrita aos políticos americanos. No Irã, os lideres religiosos vêm exercendo há anos uma perseguição sistemática à liberdade da imprensa, como forma de coibir as reformas sociais propostas por políticos moderados eleitos por uma população sedenta de liberdade. Vladimir Putin, presidente da Rússia, utiliza táticas de intimidação herdadas da KGB para obter o controle da rede de televisão NTV, a mais importante fonte de informação ainda independente das garras do Kremlin.

Nos Estados Unidos, tanto republicanos como democratas no Congresso há anos vinham tentando culpar a violência dos filmes e programas de TV produzidos em Hollywood pela criminalidade nas ruas e escolas do país. Que existe uma relação entre a disseminação da violência fictícia e a propagação da violência criminal, é fato consumado. Mas a invasão dos noticiários por uma seqüência de manchetes de massacres de adolescentes por adolescentes, proporcionou aos lideres políticos a chance de apontar o dedo acusador unicamente na direção dos meios de comunicação. Era esta a melhor maneira de desviar a atenção da causa real dos massacres: a facilidade na obtenção de armas de fogo no país e, conseqüentemente, a legalização indiscriminada do direito de puxar o gatilho.

Ataque preventivo

A tenda de circo montada agora pelos republicanos na Câmara é mais do que uma simples tentativa de crucificar a imprensa por pecados alheios. Sua função real é de subterfúgio, para desviar a atenção pública da recontagem dos votos da eleição na Flórida, já em andamento por encomenda de diversos meios de comunicação. Como amostra do potencial explosivo desta recontagem, uma pesquisa inicial conduzida pelo The Washington Post constatou que mais de 30 mil votos para Al Gore foram anulados por confusão dos eleitores com os cartões utilizados na votação.

Apesar de pressões contra o empreendimento, a principal recontagem – de 180 mil votos sem registro de escolha para presidente – está sendo patrocinada pela Associated Press, CNN, The New York Times, The Wall Street Journal, The Washington Post, assim como por jornais locais da Flórida. E se a tendência eleitoral das pesquisas iniciais for confirmada em favor de Al Gore, a primeira vitima será a legalidade moral da vitória de George W. Bush, conseguida mediante meros 537 votos, e garantida por uma Suprema Corte nomeada em sua maioria por presidentes republicanos.

Diante deste panorama, nada melhor do que utilizar o ataque como forma de defesa – uma tática conhecida nos meios militares
como preemptive strike. Neste caso específico, ao expor em um picadeiro de circo as indiscutíveis palhaçadas dos meios de comunicação na noite da eleição, os republicanos montaram um ataque preventivo cujo objetivo imediato é desacreditar o processo de recontagem dos votos conduzido por estes mesmos veículos, antes mesmo de conhecidos os resultados.

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