Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia treinada pela inflação não sabe como combatê-la

Alberto Dines

 

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abichões e sabichonas que insistiam na desvalorização do real não previram a ação dos especuladores e a forte recaída inflacionária. A mídia não leu o que os sabichões e sabichonas proclamavam nos seus próprios veículos e foi surpreendida pelos efeitos da liberação das taxas do dólar.

Donas da verdade, com o nariz no Olimpo, reproduzindo obedientes as patetices dos gurus estrangeiros, não ouviram advertências de quem vive aqui. Cometeram o gravíssimo erro de acreditar no que informavam.

Resultado: as empresas jornalísticas amargam uma das piores crises dos últimos 20 anos. E os entendidos estão caladinhos, tão assustados como aprendizes de feitiçaria.

* O Estadão vendeu 40% do controle da OESP, sua empresa de listas telefônicas. E não será surpresa se abandonar a insensata aventura telefônica em S.Paulo (BCP).

* A RBS, pioneira no processo da diversificação sem limites, foi ludibriada pelos parceiros espanhóis e agora terá alguns projetos suspensos.

* A Abril está negociando a venda da Listel e do controle da TVA: perdeu uma fábula na aventura televisiva e desguarneceu o flanco no seu “core business”, negócio principal: revistas. Veja, seu carro-chefe, é uma sombra do que foi.

* As Organizações Roberto Marinho endividaram-se pesadamente no exterior mas têm fôlego para atravessar um semestre negro. O grupo domina a praça carioca e, como o Juquinha, tem uma idéia fixa: tomar de assalto a paulicéia desvairada. O Globão já ostenta a maior coleção de colunistas de esquerda da mídia brasileira e percebem-se indícios de que ensaia uma oposiçãozinha – “ma non troppo“.

* A Folha nunca esteve tão mansa: está pagando o preço da ilusão de pretender montar um império com apenas um veículo. Seria caso único no mundo. Já vendeu seu novo parque gráfico para os americanos e agora vai tentar fundir os dois títulos populares (Folha da Tarde e Notícias Populares) num terceiro. A diretoria não lê o que sai no próprio jornal: o mercado paulista está saturado e engavetado, como as marginais em dia de chuva de verão.

* Ari de Carvalho, dono de O Dia, é o novo guru do patronato jornalístico brasileiro. Descobriu na hora certa o segmento emergente, filho do Real estável. Todos foram atrás, só que o Real caiu na real, não é mais o mesmo.

* O JB está tão fragilizado empresarialmente que um executivo médio da Agência Folha pode decidir o sucesso de uma edição de fim-de-semana, fornecendo ou cortando algum dos colunistas do seu plantel.

O mais dramático é que as empresas não estão assustadas com a ressurreição do fantasma da inflação. Comportam-se algidamente com a deslavada remarcação de preços, submetem-se à dolarização indecente. Oferecem bônus aos seus executivos em função de resultados financeiros e não pela qualidade da informação que produzem.

Por que deveria nossa mídia denunciar aumentos abusivos de preços se Veja aumentou o preço de capa três semanas depois da mudança cambial em função de um papel que só será usado dentro de três meses e os jornalões paulistas já aumentaram o preço das suas edições de domingo?

Por que denunciar as tentativas de aumento nos aluguéis se o mercado imobiliário é um dos sustentáculos da mídia impressa diária?

Como sensibilizar-se para aumentos como os das consultas médicas se nossos gate-keepers (porteiros do que sai publicado) fazem parte daquele pequeno grupo de privilegiados, os executivos das grandes empresas, os mais bem pagos do mundo ?

Não se pode generalizar, há editores sérios e responsáveis que se empenham em escancarar este despudor. Mas este esforço ainda não se converteu em clamor generalizado, ainda não é cruzada nacional. Ocupa apenas 0,5% do espaço e do tempo da nossa veiculação.

Mas a Inflação voltou a ser o inimigo público, deveria estar sendo enfrentada sem contemplação. Antes que seja indexada e perenizada.

A grande verdade é que a nossa mídia acostumou-se: cresceu à sombra da inflação e expandiu-se com a correção monetária. A cultura inflacionária está acoplada ao jornalismo descartável que se pratica desde os anos 80.