Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mídia vai atolar-se na telefonia

 

O

fato tinha dimensão, merecia o destaque. Do ponto de vista ideológico, todas as empresas jornalísticas – mesmo as que buscam personalizar-se assumindo posições mais críticas – estavam profundamente comprometidas com a idéia da privatização dos serviços públicos.

Do ponto de vista político e eleitoral tratava-se de uma avant-première do embate entre o governo e a oposição.

Entende-se, portanto, a cobertura esmerada, a fartura de recursos, a disponibilidade de espaço-tempo e a torcida escancarada em favor da privatização.

A questão é outra: todas as grandes empresas jornalísticas brasileiras tiveram ou mantêm interesse no negócio telefônico. Algumas já estavam no negócio – caso da RBS e do Estadão. Outras esperavam a sua vez – caso das Organizações Globo. Ou estiveram comprometidas numa fase e talvez voltem – caso da Folha.

Ficaram de fora, momentaneamente, aqueles grupos que já diversificaram pesadamente – Editora Abril em televisão – ou aqueles grupos que não dispunham de capital – SBT, Bandeirantes, Jornal do Brasil. O que não significa que não possam, eventualmente, pegar carona em fase posterior.

A mídia brasileira está apostando na telefonia.

E aqui a coisa pega. O chamado Quarto Poder, no Brasil, está comprometido até a raiz dos cabelos num negócio que não é o seu e prejudica a sua transparência e credibilidade.

O negócio das telecomunicações nada tem a ver com o da comunicação social. As designações se assemelham mas as atividades são intrinsecamente conflitantes: uma é concessão pública, exploração comercial de um serviço público. A outra deve exercer a função de fiscal em benefício do interesse público. E, para isso, goza de privilégios constitucionais únicos.

A comunicação social, ou a mídia, pode e deve ser lucrativa. Quanto mais lucrativa, maior a sua capacidade de manter-se isenta e atenta. Mas, pela sua natureza, a mídia deve delimitar o seu processo de diversificação.

Assim como um jornalista não pode exercer funções que limitem a sua independência (assessorias de comunicação, cargos políticos, etc.), assim também a empresa jornalística deve estar atenta para que a sua expansão não configure uma infração nos seus compromissos sociais.

Esta tem sido uma cláusula pétrea da ética empresarial de grandes grupos jornalísticos internacionais como os que editam o New York Times e El País. Ambos altamente lucrativos.

No caso brasileiro, considerando as dificuldades macroeconômicas e as limitações para a captação de capitais resultantes do artigo 222 da Constituição, o desvio de recursos da produção de notícias para atividades não-jornalísticas do grupo acaba por afetar a sua própria razão de ser.

Exemplo disso foi dado por O Estado de S. Paulo, que participa do grupo que explora a banda B da telefonia celular de S. Paulo (BCP). Recentemente, fez o maior corte de pessoal da sua história (48 pessoas da redação de uma vez).

Flagrante dramático de um conflito de interesses que apenas se esboça.

Os Observadores

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