Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Merchandising tem limite

ÉPOCA

Beatriz Singer

Tudo bem que o merchandising é uma prática relativamente corriqueira. Mas as grandes publicações, voltadas para um público vasto e ao mesmo tempo selecionado, deveriam se empenhar e investir em mais discrição quando misturam jornalismo e publicidade ? atividades cujos fins são diametralmente opostos mas que, hoje e cada vez mais, estão separados por uma linha mais tênue que o devido.

No cinema, já foi notada e suficientemente condenada a propaganda subliminar presente em filmes. Todos já devem ter ouvido falar da aparição quase imperceptível ao espectador comum do símbolo da Coca-Cola em filmes de Hollywood. O público saía do cinema com estranha e irresistível vontade de tomar o refrigerante. Não foi só a Coca-Cola. Mas o método, cruel, foi duramente condenado por órgãos reguladores. Cruel e inteligente.

Não se trata de apoiar a propaganda subliminar, mas sim a maior separação possível entre publicidade e jornalismo. Trata-se de uma indireta, uma sova e, com o perdão do termo, um conselho de uma leitora de Época à própria revista.

Há poucas semanas assinei a revista. Meu primeiro exemplar, como previsto na simpática carta enviada pela Editora Globo, data do dia 26 de fevereiro. Funk e PCC disputavam o destaque principal. Mas foram outras as matérias que chamaram a atenção, justamente pela ausência de conteúdo. Uma, a menos ruim, dissecou vida e corpo da mulata Globoleza. Intitulada "O apogeu da deusa", descarregava elogios a Valéria Conceição dos Santos ? chamada pela Globo de "a Globeleza Valéria Valenssa" ? e a suas irmãs, Elaine e Cláudia, que "parecem réplicas da irmã famosa".

"A cena entrou para a história do Carnaval do Rio de Janeiro. Já era madrugada alta na Marquês de Sapucaí quando o requebrado de uma mulata mobilizou as arquibancadas no desfile de 1990", exalta, logo na abertura, a reportagem. Tudo muito bom, tudo muito bem. Afinal, nossa Globoleza merece o destaque. Contribuiu para tornar mais insuportáveis os carnavais dos solitários que passam as madrugadas de folia enfurnados em casa, à frente da TV.

A segunda reportagem deveria ter vindo com aviso de informe publicitário. "De malas prontas" traz um intertítulo duro de engolir: "Leitores aderem ao novo plano de assinatura das revistas semanais Época e Quem e voam de graça". O chapéu igualmente ousado: caixa alta para "Editora Globo".

E justo Quem? Época, revista que publicou uma reportagem condenável na edição seguinte, do dia 5 de março, intitulada "A angústia do senador", de conteúdo e forma discutíveis [veja remissão abaixo]. Tomara que a família Suplicy tenha se sentido vingada na edição que se seguiu, na qual foram publicadas cartas do senador, de Marta e do filho Supla.

A mesma edição do dia 12 de março trouxe mais surpresas. "Paz, amor e Sandy" faz propaganda descarada, nada subliminar, da nova novela das 6, Estrela Guia, cuja principal personagem é a doce cantora "poptaneja". Ainda sobrou espaço para falar do profundo e minucioso trabalho de escolher as trilhas sonoras. Apoiada neste gancho, a reportagem seguinte, "Para ouvir de novo", tratou de abordar as trilhas nacionais de novelas dos anos 70 e 80 "que fizeram história". Um assunto palpitante… de grande interesse do ramo fonográfico das Organizações Globo.

A mesma edição de Época não se intimidou em destacar em um quadro, no centro das páginas dedicadas a livros, uma resenha de Os Maias, de Eça de Queiroz, citando, claro, a relação com a minissérie da Rede Globo que o leitor, talvez, não tivesse captado.

Deve haver outras coisas que passaram despercebidas pelos olhos muitas vezes relapsos desta observadora. Mas três semanas já foram amostra suficiente do que Época nos reserva para este ano.

Para completar, quando a leitora que vos escreve assinou Época, foi-lhe alardeado e garantido o recebimento da anuidade gratuita de outra publicação da Editora Globo. Entre pop ups e figuras animadas ? a assinatura foi feita via internet ?, escolhi uma segunda revista. A primeira parcela do pagamento foi efetuada a 16 de fevereiro. Até agora, nem sombra de promoção.

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