Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Meritíssimos não gostaram das castanhas e cascudos

 

Isak Bejzman

Para o Congresso americano, em fins do ano passado o Fundo Monetário Internacional não passava de uma instituição falida; e mais, país que o FMI pusesse a mão estava economicamente mais afundado do que oxigenado. Assim mesmo aprovou o empréstimo do FMI ao Brasil.

Os jornalistas brasileiros especializados em economês de tipo neutro ignoraram, mas os congressistas americanos sabiam que o déficit do setor público brasileiro era alto, aproximadamente 8% do PIB. Sabiam também que o governo brasileiro tinha dívida interna de aproximadamente 250 bilhões de dólares –a maior parte de vencimento a curto prazo. Ainda devia 75 bilhões de dólares a bancos estrangeiros; destes, 50 bilhões de dólares venceriam em menos de um ano, fora dívidas a curtíssimo com outros credores, coisas estas que pelo jeito os jornalistas neutrófilos do Brasil pareciam ignorar.

Os congressistas americanos também sabiam que o Banco Central do Brasil na época contava com escassos 45 bilhões de dólares em reservas para pagar todo esse estrago, caso os proprietários das verdinhas voadoras resolvessem andorinhar e fazer verão em outras plagas. Enquanto isso acontecia por lá, aqui nossos jornalistas neutralistas se limitavam a aceitar o discurso do governo.

Poucos perceberam

Em março de 1998, bancos americanos emprestaram ao Brasil 27 bilhões de dólares vivinhos da silva. Se os congressistas americanos não votassem pelo empréstimo do FMI ao Brasil, os grandes prejudicados seriam estes bancos.

Os congressistas de lá também sabiam que o real, a moeda notável, estava supervalorizada em mais de 20%. Deram-se conta então de que uma desvalorização do real estava a caminho. Em menos de oito semanas o Brasil viu esfarelar no espaço da flutuação a bagatela de 20 bilhõezinhos de dólares.

Economistas americanos recomendaram na época medidas que não se baseassem na supervalorização, permitindo uma desvalorização do real e uma redução das taxas de juros a níveis sustentáveis. E então, mais uma vez, o FMI impôs uma política econômica ao Brasil, que acabou dando no que aí está. O país inteiro se degradou, mas o pior de tudo é que poucos, muito poucos mesmo foram os jornalistas que perceberam o que estava por acontecer.

O diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, disse: “A pobreza é a extrema ameaça sistêmica”. A campanha eleitoral para presidente já começou. Temos quatro candidatos em franca atividade. Em questão de projeto para o Brasil, tirando Lula, os outros três são Ciro Gomes, Pedro Simon e A. C. Magalhães, tudo vinho da mesma pipa. O povo brasileiro está numa grande encruzilhada.

Manicômio Brasil

Qual desses candidatos será capaz de quebrar uma estrutura quinhentista de poder? Na minha leitura, sem a quebra destas estruturas, venha quem vier, tudo vai continuar igual. Ou então acontecerá o que Camdessus predisse, e a pobreza será a extrema ameaça sistêmica. Isto é, o ser humano como eterno perdedor. Gostem ou não do que vou dizer, o país está a caminho de se transformar no grande “Manicômio Brasil”, e seus habitantes, numa horda de rejeitados.

O Brasil consegue realizar peripécias mágicas nos avanços sociais. Ontem era a escravidão, hoje negro e branco são oprimidos, mas não são chamados de escravos, e sim de trabalhadores. Não dá mais para perpetuar as relações de poder das Capitanias Hereditárias.

A sociedade capitalista neoliberal deificou o mercado, desvalorizou e oprimiu o trabalhador. Em vez de patronato e trabalhadores construírem forças sinérgicas, se estabeleceu no país um poço divisório mais profundo do que o existente no principio do século. Daí porque Camdessus fala em pobreza como extrema ameaça sistêmica.

Para quem não está acostumado com a linguagem da patologia, é bom saber que dois tipos de infecções podem ocorrer no organismo: infecção local e “sistêmica”. Diz-se de uma infecção sistêmica quando ela está localizada no sangue. Como o sangue circula por todo organismo, não existe um tiquito de pedaço do corpo que não esteja contaminado. Como quem qualifica a pobreza como a pior ameaça é Camdessus, e não um tupiniquim, talvez os jornalistas “neutros” entendam a mensagem. Para quem não entende, a tradução da frase quer dizer: o cara está f e mal pago. Com o perdão da irreverência.

Intolerância em marcha

Está em marcha no Brasil uma séria crise, a da irracionalidade num primeiro passo e a da intolerância num passo definitivo. Aqui no Rio Grande do Sul há políticos que já falam em “tolerância zero”.

Outros têm a indecência de pôr na TV anúncio no qual a ética invejou a vaca: foi para o brejo. No fundo da tela aparece uma figura desfocada, porém se percebe ser de uma mulher. Desesperada, ela fala: “Ele me enganou, e o pior é que anda por aí enganando outras pessoas”. No primeiro plano, uma pessoa desenha um retrato falado, e lentamente vai surgindo o rosto do governador Olívio Dutra. Montagem de uma situação policial, na qual o governador acaba transformado em bandido.

Mas eu sou um teimoso. Continuo acreditando nessa coisa chamada utopia. Por que não?

(*) Jornalista e médico psiquiatra

 

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