Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mesmice e cochilos

* Responda rápido: Se toda a imprensa, inclusive Veja e IstoÉ, está divulgando os Jogos Mundiais da Natureza, competição que o governador Jaime Lerner promoverá no fim deste mês em Foz do Iguaçu (PR), os ambientalistas devem estar comemorando, certo? Errado. “É o maior absurdo: um caso típico de superexposição na mídia de um fato que não existe. Mas ele envolve o governador Lerner, então ninguém questiona”, protesta Mário Mantovani, superintendente da Fundação S.O.S Mata Atlântica, uma das entidades ambientalistas mais bem sucedidas no país tanto no número de sócios – 12.000 – quanto na exposição à mídia. Num dia de poucas novidades Mantovani chega a dar quatro entrevistas, sobre temas tão diversos como o gasoduto da Bolívia ou a despoluição do Tietê. “Se tem alguma coisa acontecendo por lá – e ninguém noticia – é a população que quer invadir o Parque Nacional de Foz do Iguaçu”. Neste caso, trata-se de uma reincidência: a imprensa perdeu sua primeira chance em maio, quando 30 mil pessoas invadiram o parque, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, tentando forçar a reabertura para carros e caminhões de uma estrada que atravessa a parte mais preservada da unidade de conservação. Quase ninguém deu.

* A imprensa reservou este mesmo olhar rasteiro para a Lei do Crime Ambiental, que pretende regulamentar as punições para quem destruir o meio ambiente. Há menos de um mês, quando estava em vias de ser aprovada pelo Congresso, ela foi barrada por uma intervenção dos representantes dos evangélicos – que se consideram discriminados pelo dispositivo que proíbe a poluição sonora, o que impediria seus cultos tardios e freqüentemente barulhentos. “Infelizmente, foi a intervenção folclórica dos religiosos, e não a importância da lei, que acaba com a licenciosidade do governo, que hoje permite tudo, o que ganhou espaço na imprensa”, analisa Mantovani.

* Os lapsos da pauta não são o único problema dos jornalistas. “Duro mesmo é quando fazem questão que a gente faça o contraponto, como se as não-governamentais tivessem sempre que ser do contra”, explica. “Às vezes o repórter quer a todo custo tirar da boca da gente a informação que interessa. No caso do rodízio de carros em São Paulo, esta postura foi particularmente difícil de gerenciar. Todos queriam que fôssemos contra, insistindo muito, e só descansaram quando conseguiram declarações de oposição por parte do Greenpeace e da Ordem dos Advogados do Brasil”.

* “Muita gente fala que a imprensa é comprada, que não abre espaço para as não-governamentais, mas isso remete à nossa própria incompetência de abrir espaço”, diz Mantovani. Ele conta como é importante, para uma ONG, contar com uma boa assessoria e editar um boletim, instrumentos de prestígio. O diálogo constante também ajuda. Nos últimos dois anos, a SOS promoveu quatro encontros com jornalistas, um em Salvador, outro no Vale do Ribeira (SP) e dois em São Paulo, sobre temas variados como o ecoturismo ou a preservação da Mata Atlântica. Se, de quebra, ela produzir informação própria – como o Atlas da Mata Atlântica, periodicamente revisto pela SOS – e aprender a falar a linguagem de cada veículo, pronto, está feita a conexão. Daí, é só conseguir emplacar no Jornal Nacional, porque “jornalista vive correndo atrás do próprio rabo e todo o mundo vai querer dar a matéria atrás da Globo”. Mantovani admite que toda essa estrutura exige dinheiro, mas que fundamental, mesmo, é empregá-lo bem. Ocupar espaço publicitário, por exemplo, não é das melhores soluções. Na época da ECO-92, a SOS chegou a publicar anúncios de duas páginas na Veja durante seis semanas. Resultado: nem um só novo sócio.

* Mantovani admite que existe um certo comodismo que faz com que os repórteres procurem sempre a mesma fonte. Ele cita o caso de uma reportagem do Estadão pautada por uma denúncia da Rede Aipa – agência de notícias ambientais montada pela jornalista Silvia Czapsky, da Associação Ituana de Preservação Ambiental. A nota informava sobre a extração irregular de pedras de matacões em Itu (SP), mas foi na SOS, distante uma centena de quilômetros, que o jornal foi buscar mais informações, enquanto a fonte original, a Aipa, desaparecia da matéria. Isso tem a ver com o fato de a SOS ser a fonte que os repórteres sabem que fala a qualquer hora, sobre qualquer assunto – situação confortável para eles, mas que, em certo sentido, impede o surgimento de novas lideranças ambientais. Outro exemplo: apesar do seu interesse local, um release sobre um mutirão de catação de lixo às margens do Tietê, também em Itu, enviado para a Agência Estado, foi reproduzido até por jornais do Piauí e do Amazonas. É muita falta do que publicar.

Fundação S.O.S. Mata Atlântica
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Tel. (011)8871195 – Fax. (011)885-1680
e-mail: smata@ax.apc.org

SERVIÇO PÚBLICO NA INTERNET

Site do BNDES valoriza privatizações
Pedro Doria (*)

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
http://www.bndes.gov.br/

Avaliação
Visual: **
Navegação: **
Conteúdo ***
Uma visita à página principal do site do BNDES não indica todo seu potencial. Numa apresentação gráfica agradável, seremos remetidos a quatro sessões distintas: Produtos e Serviços, Privatização, Publicações e Conheça Nossa Empresa, com o institucional. A divisão é clara, mas a interface atrapalha: nesta mesma primeira página temos três maneiras (menus) distintas de chegar a cada um dos pontos. Se aqui o usuário não fica confuso, ficará mais adiante.
O site é atualizado com freqüência. O fato de dedicar toda uma área a informações sobre a privatização indica o comprometimento do Banco com o projeto. As diversas publicações disponíveis ora em versão para Web, ora em arquivos de texto para download, trazem informação sobre os diversos setores da economia brasileira e a atuação do BNDES. Mas o internauta que procurar alguma informação específica – siderurgia, por exemplo – terá dificuldades: não há nenhuma ferramenta de busca.
Releases não estão lá, fazendo com que o site sirva mais para consulta à informação que contextualize do que para a notícia em si. No entanto, a página principal traz “manchetes” com links indicando aquilo que a instituição considera mais importante.
É um bom site, quando comparado com a média dos brasileiros. Ainda assim, fica difícil saber a que público se destina.

LEGENDA:
* – Ruim
** – Regular
*** – Bom

Visual: Que tal a parte gráfica? A diagramação é boa, profissional e auxilia a visita?
Navegação: Quão fácil/difícil é encontrar a informação disponível?
Conteúdo: Quão recentes parecem ser as informações? Há preocupação de manter qualidade de conteúdo?

Conheça o site do BNDES
(*) Pedro Doria é estudante de Jornalismo da UFRJ.

Para o Libération rodízio é utopia!
A.D.

O tablóide matutino parisiense, modelo da Folha antes de ser desbancado pelo USA Today, estampou como manchete na sua edição de 10 de setembro o início da proibição à circulação de qualquer veículo no centro da cidade de La Rochelle (na costa atlântica). Título: “A Utopia de La Rochelle”, saudação à primeira iniciativa no gênero tomada por qualquer municipalidade francesa e primeiro passo de uma cruzada nacional para melhorar a qualidade de vida. (veja ao lado).

Quantos jornais brasileiros saudaram o início do rodízio de carros em S.Paulo em agosto de 1996? Qual será o jornal carioca que proporá um rodízio semelhante no Rio?

O cidadão brasileiro não é pior do que o cidadão francês. Mas os respectivos jornais fazem uma grande diferença.

ONG PELA JUSTIÇA

Consumidor pobre: esquecido
Ronaldo Porto Macedo Júnior (*)

É comum se dizer que é no sucesso na defesa de um direito como consumidor que o indivíduo comum vem a ter um forte sentido de cidadania. É na troca de um produto estragado que o cidadão sente-se fazer respeitar e se lembra que em seu país há leis e elas têm alguma importância. Cidadania e defesa do consumidor são termos que caminham juntos.

Historicamente o direito do consumidor nasce como uma demanda política da classe média. Os diversos movimentos de defesa do consumidor, especialmente nos EUA e na Europa, nasceram da mobilização de setores deste segmento social contra os abusos praticados no mercado de consumo, especialmente no mercado de consumo de massa, de uma nova “sociedade afluente”, que se fortalece no curso do século XX.

A imprensa desde cedo prestou um grande serviço aos movimentos de defesa do consumidor, denunciando praticas abusivas, problemas na falta de qualidade ou riscos de produtos e publicidade enganosa ou abusiva. Ainda hoje o seu papel é determinante. Basta folhear as páginas de qualquer jornal da grande imprensa para verificar inúmeros casos de denúncias sobre lesões a direitos de consumidores.

A promulgação do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, em 1990, intensificou este papel da imprensa na fiscalização dos abusos ao consumidor. A imprensa, além de realizar a fiscalização direta dos direitos do consumidor, impondo ônus à imagem da empresa que viola os direitos dos consumidores, tem tido também um importante papel na elaboração da agenda de atuação dos órgãos de defesa do consumidor, como Procons, Ministério Publico e entidades não-governamentais de defesa do consumidor, que invariavelmente acabam reagindo às denúncias veiculadas pela mídia.

Mas qual é tipo de consumidor que tem espaço na mídia? Muito provavelmente porque a classe média constitui uma faixa nobre dos consumidores da própria imprensa, os assuntos relacionados à defesa do consumidor que vemos tratados pela imprensa são basicamente os problemas do consumidor de classe média. Os exemplos são vários: planos de saúde, seguros, contratos bancários, defeitos de eletrodomésticos, vícios de qualidade de carros e eletrodomésticos sofisticados, etc. Tais problemas são graves e merecem atenção. Todavia, pouco ou nada afetam a vida do consumidor pobre.

Pouco ou nada se escreve sobre as discriminações contra o consumidor pobre no mercado. Nos anos 1960, um influente livro de um americano chamado Caplovitz, The poor pay more (O pobre paga mais caro), já chamava a atenção para os problemas do consumidor pobre no mercado norte-americano. Desde então, diversos outros estudos foram feitos nos EUA sobre o assunto, e freqüentemente a imprensa tem dado atenção a eles.

No Brasil ainda não é isto o que vemos. Os setores mais organizados acabam por ter um espaço privilegiado na mídia, que por sua vez acaba por influenciar determinantemente na orientação e prioridades das entidades de defesa do consumidor. Por que as farmácias e supermercados em locais mais pobres cobram mais por seus produtos, quais são os abusos na publicidade de produtos populares, qual é a qualidade dos produtos adquiridos pelos pobres e como estes defendem seus direitos? Estes temas ainda não são prioritários. Alguém poderia alterar este processo. Quem dará o primeiro passo?

(*) Presidente do Instituto de Estudos “Direito e Cidadania”, Promotor de Justiça em São Paulo.

O que é o IEDC?

O Instituto de Estudos “Direito e Cidadania” é uma organização não-governamental fundada em 1994 por Promotores de Justiça, Advogados, Juízes e profissionais de carreiras não-jurídicas que tem por objeto o Direito e a Cidadania, promovendo-os por meio do estudo das carreiras e das instituições jurídicas, bem como de atividades e ações tendentes ao aprimoramento dos instrumentos de realização da Justiça e do pleno exercício da cidadania.

Dentre os objetivos do IEDC destacam-se o estudo das diversas correlações entre Direito e Cidadania, seja do ponto de vista da analise do funcionamento das carreiras e instituições jurídicas, a sua integração entre si e sua interação com a sociedade civil e seus reflexos para a democracia, seja do ponto de vista do acesso à Justiça e da efetividade do direito e dos instrumentos legais e institucionais necessários para o pleno exercício da cidadania.

Desde sua fundação o IEDC tem promovido diversos debates, seminários e publicado um Boletim dedicado a estes temas. Em breve estará lançando uma série de “Cadernos de Estudos” sobre os temas estudados.

A natureza e propósito multidisciplinar, multiprofissional e plural do IEDC fazem dele uma instituição sem fins lucrativos e aberta à absorção de novos membros e realização de parcerias e convênios sobre temas ligados a sua finalidade social.

Instituto de Estudo “Direito e Cidadania”
Rua Benjamin Constant, 122, sala 1004,
São Paulo, Capital, CEP 01005-000.
Fone: 55-11-604-0265