Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Midiativas

TT Catalão

 

P

esquisa eleitoral deveria ir para a Bienal: vale mais a leitura que se faz da obra do que o conteúdo que a justifica… Além de ser antropofágica: várias candidaturas e coberturas jornalísticas foram devoradas pela sedução dos números absolutos.

Agora, sob o fogo cerrado dos perdedores, os institutos de pesquisas certamente já alinhavaram um rosário de explicações técnicas estrategicamente convincentes para provar a flutuação técnica da margem de erro, a matemática aleatória dos valores, a psicodinâmica do impacto logístico, blablablás mis…Enfim, teremos certamente uma complexa explicação. É o valor do Brasil neoliberal de hoje: até os fracassos são brilhantes.

Talvez até estes institutos estejam certos pela probabilidade sempre existente entre intenção e resultado em qualquer atividade humana. Estejam certos por condicionarem leitura de dados e seus intricados cruzamentos às mais diversas interpretações. A fria ficou foi para nós, jornalistas.

A questão central para a mídia, neste festim de gráficos, tabelas e percentuais – nada como a credibilidade maquiada de embasamento ordinário – é para avaliarmos que peso predominante demos a algo que deveria ser visto apenas como um indicador para avaliação.

Os métodos e conceitos de amostragem de cada instituto, também a honestidade de seus propósitos, não deveriam nem ser questionados. O pressuposto da idoneidade deveria ser tácito tanto nas empresas que prestam tais serviços quanto nas empresas que os contratam.

A questão, para a mídia, permanece: deveríamos, mesmo, transformar uma sondagem de opinião pública em base exclusiva para uma reportagem? Esse é o ponto. Essa é a reflexão (tardia?) sobre as coberturas eleitorais que se instala nas redações. Seria gritar gol e comemorar enquanto os comentaristas avaliam o futuro jogo. Só para lembrar Copa e Carnaval, coisa que as eleições funcionam como surto epidêmico na imprensa servil ao Estado-Espetáculo.

Se a ferramenta pesquisa é um mero indicador de intenções, assim merece ser considerada em seus restritos limites de um quadro mutante. A ‘grande culpa’ passa a ser nossa quando a conduzimos ao pódio do oráculo. A verdade em números redondos, magníficos. E assim caímos naquela ‘pesquisite, a doença que volta assolar a imprensa nesta campanha eleitoral’, alerta do jornalista Alberto Dines algumas semanas antes deste frisson indignado agora instalado contra os institutos.

Dines ressaltou que no jornalismo anglo-saxão usa-se a denominação poll (aferição) ou survey (levantamento), e não research (pesquisa). Realmente, chamar de pesquisa é revestir adornos de um processo elaborado e de longo prazo, sério, comparativo e metodológico, quando estamos sondando algo para dar um tom conclusivo já, para consumo imediato. Se formos ao francês, o termo seria sondage e no espanhol encuesta, que são mais brandos que pesquisa.

O jornalista Ricardo Noblat, diretor de redação do Correio Braziliense, escreveu em sua Carta ao Leitor de 11 de outubro [ler abaixo no Entre Aspas] uma corajosa autocrítica ética. Disse: ‘Acho que exageramos, como de resto toda a imprensa brasileira, na importância conferida até agora às pesquisas (…). Demorou mas nos convencemos (…). Doravante as pesquisas receberão aqui (no jornal) outro tipo de tratamento. Serão menos freqüentes. Ocuparão menos espaço. E nós seremos muito mais críticos aos seus resultados’.

Um outro ângulo do chororô pós-pesquisite é a reação embasbacada da esquerda ao achar que ‘mais uma vez foi injustiçada em espaço e houve castração de sua voz na mídia’. Ora, ora, tal ingenuidade já depõe contra a visão revolucionária que um dia deve ter alimentado tantos ideais. No sistema atual, da informação condicionada como negócio, notícia como mercadoria e leitura como estratégia de marketing, há que se conduzir com muita competência de linguagem para entrar no meio. O amadorismo romântico das bandeiras tremulando ao sol por um novo porvir do povo eleito já morreu. Ninguém vai se comover com a justeza do caráter por si só, mas pela probabilidade de tal justeza chegar ao poder central, aliás, coisa que político deseja.

Daí a pergunta: onde estavam tantas indignações contra a mídia antes, na luta para elaborarmos sistemas descentralizados de notícia, reflexão e informação? Cadê a luta solitária mas efetiva para a construção de redes livres de debate que se forem competentes (em estética e em linguagem) saberão competir com os formatos consagrados na tal grande mídia, digamos, ‘vendida’?. Perguntem aos bravos aqui do OBSERVATÓRIO o quanto custa manter esta chama? Perguntem ao Raimundo Pereira se ele já conseguiu completar o sistema de cotas para o relançamento – com outra abordagem – de uma imprensa combativa de apuração desprendida como foi o histórico Opinião?

Não adianta fazer beicinho e mandar recados de perdedor zangado quando a construção tem que ser irradiada de base, sistêmica também, para que, na hora do combate, haja forças habilitadas, e não um bando de tontos chorando pelos cantos.

Parece que enfim o episódio ‘vacinou’ um pouco o povo quanto aos admiráveis números novos da pseudo-ciência, que demorou mas mostrou o fundo falso da cartola. Embora a narcose e o narciso sempre conspirem para voltar tudo outra vez quando chegar outra Copa, outro Carnaval, outra eleição…

 


Almyr Gajardoni

 

E

stá na Coluna do Estadão de 9 de outubro:

“O cientista político Antônio Lavareda, que não gosta de ser chamado de marqueteiro, sai do primeiro turno das eleições como o vitorioso do marketing político. Além de ter sido o estrategista político de FHC, com as pesquisas levou três dos seus candidatos – Roseana Sarney, Tasso Jereissati e Jarbas Vasconcelos – à vitória, com mais de 60% dos votos válidos.”

Logo esses três (aliás, quatro)!

Será que os políticos acreditam nisso? E os marqueteiros? E o distinto público? Ou são apenas os jornalistas?

 


Alexandre Freire (*)

“Pesquisas de opinião e mídia, pelo menos durante campanhas eleitorais,
não conseguem viver separadamente. As pesquisas dependem da imprensa e dos
meios eletrônicos como fontes de renda e de divulgação.
E a mídia depende das pesquisas para produzir o noticiário; não apenas
features
e histórias de bastidor mas, crescentemente, as notícias principais (hard news) de campanha.”
Ivor Crewe, 1982.

 

As urnas de 4 de outubro revelaram, além dos resultados do primeiro turno das eleições, um motivo de preocupação com a saúde da democracia brasileira. O eleitor descobriu, algo tardiamente, que o casamento entre a mídia e as pesquisas de intenção de voto (união que é uma tendência nos países desenvolvidos, como a citação acima testemunha) está logrando-o em seu direito de participar do debate político para escolha de seus representantes nos mais altos cargos públicos do país.

Se o resultado das urnas acabou revelando um papel superestimado para as pesquisas de opinião na campanha eleitoral, a indagação que fica, para além das lamentações dos que não se elegeram, é sobre as implicações do casamento entre os institutos de pesquisa e os veículos de comunicação para a democracia. Responsabilizar os primeiros pela debilitação do processo democrático é esquecer-se de que existe uma relação de interesses ligando as duas partes.

Um levantamento de intenção de voto, como de resto qualquer sondagem estatíiacute;stica para apontar preferências do público, é uma inserção na realidade que freqüentemente cria seus próprios achados, ao mesmo tempo em que registra tendências genuínas. Nesse sentido, é legítimo afirmar que pesquisas de intenção de voto em parte induzem o eleitorado a tomar posição e que, numa situação-limite, onde dois candidatos estão muito próximos, esta indução poderá favorecer um deles.

A história do voto útil no caso da eleição para governador em São Paulo ilustra bem a idéia. Na disputa polarizada entre Mário Covas (PSDB) e Paulo Maluf (PPB), quantos petistas ou eleitores identificados com uma posição mais à esquerda terão optado pelo voto útil, na medida em que Marta Suplicy (PT) parecia não ter chances de chegar ao segundo turno, prognóstico que se provou errado?

Para Friedrich Pollock, da primeira leva de intelectuais da Escola de Frankfurt, sondagens estatísticas partem da falsa premissa de que as pessoas têm um parecer formado sobre as coisas. No artigo Pesquisa empírica da opinião pública, ele argumenta que a opinião medida nos levantamentos estatísticos não leva em conta o processo racional através do qual essa opinião amadurece, sendo apropriada pelo eleitor, ou é abandonada no embate com outras considerações.

Neste ponto, a outra face do problema, a mídia, entra em questão. Há três aspectos principais na atuação da imprensa que vale sobrepesar. O primeiro é que os veículos de comunicação, vale dizer os jornalistas, freqüentemente tomam os resultados da pesquisa como sendo “a verdade objetiva”, ou seja, como se estivessem isentos dos aspectos normativos (isto é, relativos a normas que regulam as trocas sociais naquilo que elas têm de justo ou correto) embutidos no procedimento metodológico que produz as conclusões.

O fato de as pesquisas de opinião seguirem metodologias (coleções de pressupostos e de procedimentos que parcializam e simplificam a realidade) faz com que elas tenham uma determinada leitura dos fenômenos sociais, mas uma leitura que deve competir com outras leituras da realidade, dentro de uma proposta de busca de verdade. Portanto, no levantamento estatístico, desde a escolha do tipo de amostragem, passando pela elaboração e aplicação de questionários e pela interpretação das respostas, até a tabulação e a elaboração das conclusões, há escolhas a serem feitas e decisões a serem tomadas que se assentam em pressupostos normativos sobre os quais não existe consenso.

Em relação a esse aspecto, o que contribuiria para tornar as pesquisas de intenção de voto mais legítimas no processo eleitoral seria a ampliação de sua representatividade. Sindicatos e entidades ligadas aos movimentos populares deveriam se quotizar para produzir ou encomendar pesquisas que contemplassem aspectos normativos ausentes em outras metodologias. A idoneidade desses levantamentos seria julgada pelo tempo.

O segundo aspecto relativo ao papel da mídia na associação com as pesquisas de opinião refere-se à falta de jornalismo crítico. Pesquisas de opinião têm ganhado espaço dentro da imprensa em detrimento desse tipo de jornalismo por motivos que fogem ao escopo deste artigo. A informação bem-apurada, que traz à tona facetas menos visíveis sobre transações econômicas e sobre atos de governo, matéria-prima da reportagem investigativa, é o tipo de subsídio (hoje escasso) que ajuda o eleitor a formar opinião sobre o estado da polis.

Opinião pública freqüentemente é não-opinião pública, ensina Jürgen Habermas, da mesma tradição de Pollock, no livro Transformação estrutural da esfera pública. Enquanto a primeira é fruto do uso crítico da razão (portanto dependente de informações consistentes) num processo de busca do entendimento com interlocutores de posições, a não-opinião resulta de um procedimento irracional.

Dificilmente sentimos necessidade de conversar com amigos e pessoas que temos em alta conta sobre a cor do carro novo, uma decisão em larga medida irracional. Podemos até fazê-lo com elas, mas estaremos igualmente inclinados a aceitar a sugestão daquele simpático vendedor na concessionária. Entretanto, diante de uma escolha política, na qual normas sociais estão em jogo (na medida em que sinalizam para um reordenamento da sociedade), a situação é diferente. Portanto, o tipo de opinião que o eleitor tem de formular para votar se apóia no debate racional (bem-informado).

O terceiro aspecto, em torno do qual parece já haver um consenso entre as pessoas que se debruçam sobre esta análise, é a conivência da imprensa com a falta de debate. Decorrente, em parte, do declínio do jornalismo investigativo, a ausência de discussão bem-informada também procede da maneira trivializada pela qual a cobertura das eleições é realizada. A analogia com corrida de carros é a imagem dominante no seio da crítica da mídia.

Reduzidos pelos consultores de campanha, a maioria deles praticantes do marketing político, a produtos a serem vendidos ao público, os candidatos não se arriscam a debater idéias. De tal maneira que o axioma vigente para os mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto é ausentar-se dos confrontos com os adversários.

O matrimônio a que Crewe comparou a simbiose pesquisas-mídia tem conseqüências importantes para as eleições, suporte da democracia. Esvaziadas de conteúdo pelos marqueteiros, reificadas pelos institutos de opinião e trivializadas pela mídia, as disputas pelas urnas ganham o selo do irracional e se tornam reféns da comunicação sistematicamente distorcida.

A aproximação de dois instrumentos de esclarecimento que ajudariam no processo de formação da opinião pública, a estatística e o jornalismo, se volta contra a emancipação da sociedade contemporânea e acena para a deterioração da racionalidade política. No vácuo deixado por essa, o eleitor fica entregue à publicidade eleitoral e seus mitos.

(*) Alexandre Freire é jornalista e doutorando em Filosofia Política e Jornalismo na University of Wales College of Cardiff, financiado pelo CNPq.

 


Ariovaldo Ramos

 

E

stava falando com um amigo, o Nil (camarada inteiradaço em política) sobre a questão das pesquisas, de como elas podem manipular, pela sedução, o eleitor. Nil acha que não, que sabê-las é um direito do eleitor; acho que ele leu isso em algum lugar. Essa colocação do Nil me fez lembrar outro amigo, o Beto, gente boa toda vida, corintiano (ninguém é perfeito!), com quem sempre aposto uma garrafa de dois litros de refrigerante nos resultados dos jogos do Campeonato Brasileiro; não preciso dizer que, a exemplo de meu time, o Palmeiras, ultimamente, tenho ganho todas – a garotada adora.

Por que lembrei-me do Beto? Porque, por causa das apostas, estou sempre ligado nas estatísticas quanto ao desempenho das equipes; estou apostando (ainda que seja irrisório o valor, resta o orgulho), preciso saber das minhas chances.

Mas, em relação às eleições, será que deveria ser assim também? Se assim fosse, não deveriam, as pesquisas, ser encomendadas por mim? Mas são os candidatos que as encomendam! No que estão certos, eles precisam saber como Sua Majestade, o eleitor, está reagindo à sua pregação. Mas eu… que tenho com isso?

Ah! A imprensa também as encomenda ou realiza, penso que para informar-me a marcha dos candidatos. Mas, será que esse é o tipo de informação de que preciso, ou, pelo menos, será essa a melhor forma de me dar essa informação? Não tem jeito de fazer isso sem sedução ou indução? E, não deveria o eleitor, antes do dia D, ter um tempo, sem esse tipo de pressão, para poder decidir a partir das informações que realmente contam?

O Nil, entretanto, acha que é direito meu saber o resultado das pesquisas. Bem, eu acho que, como eleitor, tenho alguns direitos. Tenho direito de saber qual é o ideário de cada partido; tenho direito de saber qual é o programa de governo de cada candidato; tenho o direito de saber qual tem sido a história política do candidato, assim como seu índice de fidelidade partidária. Não quero saber a religião dele – não o estou elegendo para padre, pastor ou guia espiritual; não quero saber das amantes dele, nem de suas relações com a sua família – não tenho como julgar isso e nem o estou elegendo para ser membro da minha família.

Ora bolas! Quero saber como o sujeito é como político; por que ele está nesse partido; se o partido conta ou é apenas sigla de aluguel; quais são as suas propostas e por que ele discorda dos outros. Quero saber da sua probidade em relação ao erário público.

Não quero saber o que ele pensa do adversário como pai, filho, marido, religioso. Quero saber qual é a diferença – dele em relação aos outros – no que tange à administração do bem público. Não quero ouvir candidatos que, não sabendo o que fazer com a coisa pública, restringem-se à privada. Afinal, respeito é bom e eu gosto!

Falei tudo isso ao Nil, mas ele insistiu no argumento.

– Isso não está mais com cara de aposta, disse-lhe. Sabe o que ele respondeu?

– Ari, o que no Brasil não é, de certa forma, uma aposta?

  • Ah! É aposta?, contrapus. – Então, ponha duas garrafas de dois litros de refrigerante nos caras que tiverem mais dinheiro, e me mande as pesquisas pra eu saber das minhas chances! Locupletemo-nos todos!

 


Flávio Righetto

 

O

desempenho da imprensa nestas eleições tem sido, de maneira geral, deprimente. O OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA vem fazendo e divulgando várias análises a esse respeito. Mesmo com atraso, quero colaborar com o registro de um episódio exemplar.

Algumas semanas atrás, Alan Greenspan, o presidente do banco central americano, faria discurso muito aguardado. Dizia-se que poderia confirmar uma possível diminuição dos juros fixados pelo Fed. De acordo com os especialistas, essa “sinalização positiva” era um pré-requisito indispensável para que o Brasil pudesse conter a fuga de dólares que tanto nos tem afetado.

Para a decepção geral da nação, Greenspan não fez, na ocasião, a tal sinalização positiva. Como resultado, tivemos um dia de instabilidade e fortes baixas nas bolsas brasileiras, maciça perda de dólares e, conseqüentemente, agravamento da crise.

Naquele dia, esse foi o tema central dos telejornais da noite na Record e na Bandeirantes. E, no dia seguinte, foi manchete nos maiores jornais do país.

O Jornal Nacional daquele dia, no entanto, deu pouco espaço ao assunto, abordado no fim da edição. E, espantosamente, “informou” que o discurso de Greenspan tinha sido positivo para o Brasil. Nem se tocou na palavra “juros”, e o presidente do Fed apareceu fazendo um elogio a algum aspecto específico da economia brasileira. Complementando a notícia, o JN afirmou que as bolsas brasileiras haviam estado “tranqüilas”.

Logo que o Jornal Nacional terminou, resolvi ver a Globo News. Sabia que o canal de notícias da Globosat não poderia ter o mesmo comportamento do JN. Afinal, o público de TV a cabo no Brasil pertence quase que exclusivamente às classes A e B. E um canal só de notícias é feito para gente que tem acesso a várias outras fontes de informação.

Minha expectativa se confirmou: a âncora da Globo News abriu o programa dizendo “Alan Greenspan joga água fria nas expectativas do Brasil…” E depois, sobre as bolsas: “No Brasil, as bolsas têm um dia nervoso e fecham em forte queda”. Para tornar o contraste ainda mais desconcertante, as imagens que ilustraram a matéria da Globo News foram as mesmas que tinham sido usadas pelo JN.

Que magnífico exemplo de segmentação mercadológica! Para o povão do JN, o dia tinha sido ótimo para o Brasil, para nossa política econômica e para o governo. Para os portadores de cartão de crédito gold e investidores que vêem a Globo News, algo ao menos próximo da verdade. (É claro que muita gente endinheirada e informada também vê o JN, mas imagino que esse pessoal já tenha percebido que aquilo ali na verdade é um Fantástico dos dias de semana.)

Repito: Naquele dia as bolsas brasileiras tinham oscilado como um eletrocardiograma e fecharam em queda livre. Segundo o JN, no entanto, elas haviam estado “tranqüilas”.

Diante disso, seria um eufemismo extremado usar palavras como “distorção” ou “manipulação” para qualificar a atitude do Jornal Nacional. Também não é o caso de se discutir os limites entre notícia e interpretação. Trata-se de mentira, pura e simples. Ou então deveríamos banir o verbete “mentira” dos dicionários.

Com atitudes como essa, a Globo reafirma sua aposta na desinformação de grande parte do público brasileiro. É uma aposta também na complacência e na passividade por parte do público mais bem-informado. Uma aposta que tem se mostrado vitoriosa.

No Brasil não têm faltado denúncias: há hospitais que matam, instituições públicas que não atendem aos interesses públicos, empresas que trapaceiam clientes… Falta denunciar – com a devida veemência – o jornalismo que, deliberada e descaradamente, desinforma o leitor, o ouvinte e o telespectador.

 


F.R.

 

A

companhando a cobertura da apuração das eleições na segunda-feira, dia 5/10, constatei uma contradição sistematicamente repetida por repórteres e âncoras da Rádio CBN.

Dizia-se, com referência à eleição para o governo paulista, que a disputa entre Marta Suplicy e Mário Covas estava totalmente indefinida e só estaria mesmo decidida “após a apuração dos votos da última urna”. No período a que me refiro – desde umas 8 da manhã até o meio da tarde – Marta estava na frente, e a diferença entre os dois candidatos oscilava entre 0,7 e 0,6%.

Durante o mesmo período, o presidente FHC permaneceu com cerca de 50,5% dos votos válidos. Portanto, a diferença percentual entre a definição em primeiro turno e o adiamento para o segundo turno da decisão da eleição presidencial – cerca de 0,5% – estava na mesma faixa da distância percentual que separava Marta de Covas. No entanto, dizia-se que o atual presidente estava “virtualmente eleito” (ouvi isso mais de uma vez).

Pediu-se, inclusive, a vários entrevistados que tentassem prever a conclusão da disputa “voto a voto” ao governo de São Paulo. Mas não ouvi nenhuma pergunta sobre a indefinição da eleição presidencial.

Se fosse um erro cometido por um jornalista apenas, poderia tratar-se de um simples lapso ou de absoluta falta de intimidade com a matemática. Como essa curiosa interpretação foi compartilhada por vários profissionais experientes da CBN, tal possibilidade tornou-se, no mínimo, pouco provável.

O melhor estilo dois pesos, duas medidas.

Que não venham com o argumento de que as pesquisas de boca-de-urna apontavam a vitória de FHC em primeiro turno. Isso indicaria uma crença pouco jornalística na infalibilidade dos institutos de pesquisa – especialmente num dia em que seus inúmeros erros foram tema da cobertura da própria CBN. Além disso, as pesquisas não foram em nenhum momento usadas para respaldar projeções sobre o resultado da eleição para o governo paulista.