Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mil dias depois

“Por um ensino humanista e técnico”, copyright Jornal do Brasil, 3/4/00

“No mês passado, a avaliação dos cursos de Jornalismo feita pelo MEC voltou a ser discutida na página da opinião do Jornal do Brasil. De um lado, o professor Victor Gentilli, integrante da comissão de especialistas que coordenou a avaliação, defendendo o trabalho realizado, que, segundo ele, foi baseado em parâmetros rigorosos, arduamente discutidos em um congresso realizado em Campinas, no ano passado. De outro, a professora Sylvia Moretzsohn, chefe do Departamento de Comunicação Social do IACS da UFF, criticando os critérios adotados que, segundo ela, privilegiaram uma visão tecnicista da profissão, em detrimento de seu caráter humanista.

Em artigo publicado nessa mesma página, em fevereiro, deixei bem claras minhas posições sobre esta avaliação. Apesar de a Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, que é dirigida por mim, ter ficado entre as três melhores do Rio, não hesitei em questionar os mesmos critérios que a colocaram nesta posição de destaque. Mas as minhas críticas tinham endereço certo, baseavam-se em dados concretos, ou seja, nos quesitos expressos no formulário de avaliação do MEC. O que é bem diferente da discussão que começa a tomar forma agora, cujo tema principal é uma suposta e irreconciliável dicotomia entre um ensino voltado para a formação humanista e outro direcionado para a técnica. Para mim, esta separação é completamente equivocada. Muito pelo contrário, acredito que só é possível ensinar jornalismo tomando as duas diretrizes como integrantes de uma mesma estrutura didático-pedagógica.

Se o tecnicismo sem reflexão acadêmica pode gerar profissionais sem capacidade crítica, apenas ‘ligados na tomada’, a teoria sem técnica, por sua vez, pode inviabilizar o acesso do estudante ao mercado de trabalho. E não adianta dizer que o mercado está à procura apenas do profissional com estofo cultural e reflexivo, sem se preocupar com o seu manejo da técnica jornalística. Isso é uma grande mentira, já que uma coisa está diretamente ligada à outra. Na verdade, é impossível refletir sem produzir. E a produção científica deve estar atrelada à produção profissional. Afinal, como é possível elaborar um pensamento crítico sobre a profissão sem nunca ter feito uma reportagem? Ou sem saber como funciona uma redação? Preocupa-me muito o despreparo de alguns brilhantes acadêmicos para ministrar disciplinas como redação jornalística ou telejornalismo. Da mesma forma, é claro, surpreende-me a falta de interesse reflexivo de alguns jornalistas.

Não pretendo, nem de longe, diminuir a importância das disciplinas teóricas, onde a pesquisa pode tomar rumos não necessariamente ligados ao jornalismo, o que, aliás, vem ao encontro da amplitude do curso de comunicação e da própria LDB, que estimula a interdisciplinaridade. Mas o ensino seria muito eficaz se estas pesquisas tivessem ligação com as habilitações do curso. Ao mesmo tempo, não posso deixar de considerar engessada a maneira como a avaliação do MEC tratou as chamadas disciplinas técnicas. Neste sentido, concordo com a professora Sylvia Moretzsohn quando ela questiona a inadequação do professor da disciplina Oficina de Textos da UFF pelo simples fato de não ser jornalista, apesar de ser poeta e doutor em comunicação. Acho que é necessário exigir que os professores das disciplinas técnicas sejam jornalistas, mas deve haver um espaço para experiências pluralistas, embora ele deva estar devidamente delimitado.

As experiências, principalmente no campo da linguagem, devem ser submetidas a um detalhado e rigoroso planejamento. Para experimentar é preciso conhecer o trivial, o feijão com arroz. Só depois é possível enveredar pelo experimentos. Preocupa-me a maneira como determinados professores incentivam os alunos a fazer experiências sem nunca terem ensinado o básico. Alguns usam esta tática para esconder a própria ignorância. Outros, a incompetência didática. Mas mesmo aqueles com bagagem acadêmica para empreender a tarefa vão precisar de instrumentos para realizá-la. E esses instrumentos só podem ser práticos, ou seja, a experiência só é possível se aliar o conteúdo acadêmico com o exercício da técnica.

Na próxima quinta-feira, dia 6 abril, às 22h, no programa ‘Aula Aberta’, veiculado na TV Universitária, canal 16 da NET-Rio, o professor Nilson Lage, que também é integrante da comissão de especialistas em jornalismo, e o professor Eduardo Refkalefsky, coordenador de jornalismo da UFRJ, estarão novamente discutindo os critérios de avaliação do MEC. Refkalefsky vai valorizar a tradição humanista da ECO. Lage vai defender a produção técnico-científica . Eu estarei exercendo minha função de jornalista, como mediador do debate. Mas, desde já, gostaria de deixar registrada a minha opinião: neste embate dicotômico, a única possibilidade de vitória é o empate [Jornalista. Diretor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá].”

 

“Falta atenção”, copyright Diário de Pernambuco, 25/3/00

“Em seu artigo ‘Alta tensão nas salas de aula’ (Diário de Pernambuco, 9/3/2000), Roberto Martins refere-se ‘à falta absoluta de gosto e aplicação’ dos estudantes, já assinalada por Tobias Barreto em priscas eras. Sei muito bem do que ele está falando. Professora universitária em tempo integral e dedicação exclusiva, cometi aposentadoria precoce, primeiramente por não confiar na palavra do meu empregador – o governo federal. Eu havia optado por uma profissão que jamais me faria rica mas me dava a liberdade de estudar a vida inteira e prometia certa segurança ao fim da carreira. A liberdade teve um preço, a segurança foi pro brejo. Em segundo lugar, mesmo que eu tivesse ficado mais um tempo, meu espírito já estava sobrecarregado de desalento com a sala de aula. Apenas uns poucos ex-alunos deram-me gosto e alegria, demonstrando engajamento com o aprendizado.

Deixei a universidade com a sensação de que, no Brasil, ela é um lugar onde não se valoriza o conhecimento O saber bem não parece prioritário, nem para alunos nem para professores, com as sempre honrosas exceções. Procedimentos burocráticos, reuniões improdutivas que mais parecem terapia de grupo, alianças políticas, patrulhagem ideológica que vitimiza docentes-pesquisadores competentes e dedicados, e eventos no campus, que devem ser um suplemento, e não a raison d’être da vida acadêmica, tudo isto é tratado como mais importante do que o estudo. Por estudo entenda-se o conjunto de atos de pensar, ouvir, ler, analisar, debater, escrever – enfim, assimilar, produzir, difundir conhecimento e saber usá-lo. O resultado de não se valorizar estudo é o despreparo de grande parte dos egressos dos cursos universitários. Andam fazendo besteira na agricultura, na engenharia, na medicina, na administração, no jornalismo, na economia, no Executivo, Legislativo e Judiciário, sem conseguir servir bem à sociedade que os remunera. Um pai de aluno comentou, abismado: ‘Essa turma sai crua da universidade’. Sem receber ‘cozimento’ adequado, muito jovens correm sofregamente para pseudo-estágios, onde conhecer gente se torna o investimento que não substitui a competência.

Por motivos diversos, a ‘falta de gosto e aplicação’ ataca tanto alunos como professores. Aqueles docentes que levam a sério seu trabalho se queixam de estudantes mal preparados e desrespeitosos que, durante a aula, entram e saem da sala, lêem revistinhas, vendem produtos ou conversam; desinteressados, sem cumprir as leituras requeridas e a reclamar como bodes embarcados qualquer exercício que os leve a pensar. Por outro lado, os estudantes que levam a sério a vida se queixam de certos professores que os desrespeitam: passam metade da aula falando ao telefone celular, ou a aula inteira batendo papo e contando ‘causos’, sem cobrir o programa nem cobrar estudo, nem fazer jus ao seu salário. Há também aqueles professores de boa fama profissional que não ensinam a matéria para não formar concorrentes, segundo informação, em off, de ex-alunos. Um docente que abomina esta prática classificou-a contundentemente de ‘estelionato’. Em suma, os estudantes sérios são lesados pelos meros detentores de um cargo de professor e os professores sérios são desgastados por aqueles alunos que não deviam sequer estar na universidade.

No meio deste descompasso, surgem as palavras de Vinicius Lopes que, aos 18 anos, obteve o primeiro lugar no vestibular da Fuvest, em São Paulo. Desde a 8ª série vinha sendo aprovado todos os anos, como ‘treineiro’. Em entrevista à Folha de S.Paulo (14/2/200, p.7-3), ele diz que o segredo do sucesso é encarar o curso colegial como um treinamento para a vida e prestar atenção nas aulas: ‘Por exemplo, aprendi biologia para não ser enganado por nenhum médico. Porque você está num colégio aprendendo tudo aquilo para uma finalidade. E a finalidade do ensino nunca foi o vestibular. Eu só estudava isto para a vida, para não ser um ignorante. E aí, o vestibular veio como conseqüência. (…) Eu nunca fui de conversar em aula e isso é importante. Ou você ouve o professor ou ouve seu amigo’.

Vinicius afirmou que a maioria dos seus colegas encara o ensino com repúdio. Numa classe de 60 estudantes, 40 achavam que estudar não serve pra nada. Ele culpa os pais ‘porque não ensinaram o cara durante o ensino fundamental a prestar atenção. Aí, chega o ensino médio e o pai está desesperado, mandando o filho prestar atenção na aula. Vai adiantar? Ele não sabe como fazer isto. Os meus pais me orientaram bem, eu tomei o hábito e pronto’. Culpa somente dos pais ou de toda uma cultura que aplaude o remelexo do bum-bum da garotinha recém-saída das fraldas e dá vivas ao primeiro chute de bola do menino ainda de chupeta, como se fossem as maiores realizações do mundo?

Falta atenção nas salas de aula, do ensino fundamental – que é exatamente isto: fun-da-men-tal, à universidade. Falta respeito e compromisso. Falta educação, em todos os sentidos.”

 

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