Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Milton Coelho da Graça

MÍDIA & JUDICIÁRIO

“Imprensa é chave da caixa preta”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/08/03

“Na democracia não pode haver caixa preta porque a Constituição é implacável, sem mas, contudo ou entretanto, quando afirma que todos são iguais perante a lei. E também consagra o direito de todos sabermos o que ocorre nos mais escuros corredores e gabinetes do poder, quando afirma a plena liberdade de opinião e informação.

Os Estados Unidos têm duas poderosas ferramentas legais para ajudar a busca da verdade. Perjúrio e desacato (contemption) sapecam 10 anos de cadeia, sem conversa fiada, a quem, com a mão na Bíblia, mentir ou se recusar a contar o que sabe em tribunais ou comissões parlamentares. O Brasil sempre preferiu dar facilidades aos mentirosos e podemos ver bem nitidamente quem ganha com isso nos depoimentos no caso do propinoduto e em muitos outros.

Sobra para a imprensa e o Ministério Público, talvez a mais importante contribuição de nosso país para o aperfeiçoamento do controle dos poderosos pela sociedade. Relendo jornais e revistas semanais dos últimos 20 anos podemos verificar que as devassas e as revelações escabrosas sobre o comportamento dos três poderes da República só em raríssimas ocasiões surgiram por iniciativa de seus próprios ocupantes. Quase sempre a primeira violação da caixa preta surgiu na imprensa ou da persistência de jovens promotores.

Se a jovem Glória tivesse aceitado o ?acordo? que lhe foi proposto num gabinete, jamais alguém do Superior Tribunal de Justiça teria dado alguma explicação correta sobre o ocorrido.

Veja-se o caso dos CNE?s da Câmara dos Deputados. João Paulo Cunha era um político unanimente considerado respeitável até o momento em que assumiu a presidência da Casa e concordou que Mesa é um lugar para regabofes às custas do erário público. E faz mil malabarismos para defender o indefensável: que cada membro da Mesa tenha pleno direito de manter vários assessores nos Estados trabalhando como legítimos cabos eleitorais, em ?cargos de natureza especial? (só o folclórico Inocêncio tem 89!), que custam 97 milhões de reais por ano ao Tesouro Nacional, conforme os repórteres Rubens Valente e Jairo Marques revelaram, com todos os detalhes, na Folha de São Paulo.

A Câmara tem um Ouvidor – supostamente a pessoa encarregada de zelar pelo comportamento ético de seus companheiros e do conjunto da Instituição. Seu nome é Luciano Zica. Alguém, alguma vez, em algum lugar, ouviu o deputado Luciano denunciar essa ou qualquer outra irregularidade?

E no Executivo? Só quando faltou esparadrapo no Hospital do Câncer e todos os diretores e chefes de serviço se demitiram, o povo soube que, em apenas seis meses, uma diretora administrativa, com um longo currículo de fracassos e comportamentos suspeitos em cargos públicos mas com o endosso do marido, presidente da Câmara de Vereadores, conseguira desmoralizar um hospital internacionalmente respeitado. Foi tão rápida a ação deletéria de d. Zélia que nem deu tempo de procuradores e repórteres descobrirem o que estava acontecendo. Os médicos funcionaram como ombudsmen e deram o alarme.

Os juízes deveriam parar de se opor a controle externo e passar a apoiá-lo em nome do aperfeiçoamento do sistema democrático. E, ao contrário, incentivar o Ministério Público e a imprensa no trabalho de vasculhar as entranhas do Estado, antes que outras pessoas, tão sérias e respeitáveis como João Paulo, também se tornem cúmplices ou testemunhas silenciosas de mamatas ilegais ou antiéticas

Ao contrário do que acham algumas pessoas, o povo sabe votar. Desde que ele saiba o que realmente está acontecendo. Aí, seus representantes saberão legislar para impor a todas as atividades sustentadas por dinheiro público um controle independente. Enquanto isso, pessoal, o trabalho é nosso. Vamos continuar a procurar motoristas, mulheres traídas, secretárias de boa memória – enfim, todas aquelas pessoas maravilhosas que chamamos de fontes.”

“Indústria da indenização é tema de debate”, copyright O Estado de S. Paulo, 29/08/03

“O crescimento da indústria das indenizações, em contraponto com a busca pela liberdade de imprensa, foi o centro das discussões entre jornalistas, juristas e representantes do Judiciário ontem, durante a Conferência Judicial Sobre Liberdade de Imprensa no Brasil. ?Poder trocar idéias para aprimorar os entendimentos entre imprensa e Judiciário é sempre positivo para a sociedade como um todo?, avaliou o representante do Estado e ex-presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Julio César de Mesquita.

Garantir a liberdade de imprensa como um direito público é essencial para a manutenção da democracia, na opinião do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes. ?Isso é uma questão elementar de todo pensamento liberal?, disse. Para o jurista Marco Antonio Bezerra Campos, apesar de o País viver um ?momento histórico? com relação a essa liberdade, há um paradoxo. ?A multiplicação das indenizações é muito preocupante?, disse. ?O julgamento de uma ação por dano moral deve observar o direito público à informação e nem sempre o direito individual.?

Teto – No encontro, do qual participaram desembargadores de 16 Estados, o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira ressaltou a importância de se criar um teto para as indenizações. ?O Código Civil prevê que, nos casos de difamação e injúria, você possa apenar aquele que provocou o dano moral com o que prevê o Código Penal, que é uma pena fixada segundo critérios como o tamanho da dor que provocou no ofendido e o poderio do ofensor?, afirmou. ?Deve haver um tarifamento, porque a imprensa corre mais riscos de atingir uma pessoa do que outras profissões?, emendou o jurista Ives Gandra da Silva Martins.

A SIP, que representa 1.300 publicações na América, aproveitou a oportunidade para pedir a punição dos assassinos dos 274 jornalistas mortos nos últimos 15 anos no continente. Vinte e três deles foram assassinados no Brasil. Em 17 casos, os autores seguem impunes. ?Esse evento deve receber aplausos, porque a luta pela liberdade de imprensa nos países americanos não é outra senão a luta pela preservação da democracia?, disse o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Nilson Naves.”

 

VIEIRA DE MELLO & FREI BETTO

“O diplomata e o frei”, copyright Folha de S. Paulo, 27/08/03

“Aclamado , após sua morte, como um dos baluartes da paz mundial, o diplomata Sérgio Vieira de Mello conseguia se indignar como poucos quando se considerava injustiçado no seu trabalho. Em 2001 uma polêmica sua com Frei Betto é reveladora de sua personalidade, um guerreiro com uma capacidade de reação em muito diferente do que se supõe ser o perfil de um diplomata.

Frei Betto publicou uma coluna no jornal ?O Globo?, com base em uma carta de uma missionária leiga católica que atuava no Timor Leste, aparentemente enviada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Sob o título ?Intervenção Branca no Timor Leste?, a carta encampava uma série de acusações contra a missão da Organização das Nações Unidas.

Segundo a missionária, ?toda a ajuda que vem de fora fica nas mãos da Untaet. É uma mina de ouro. Técnicos, tropas, intelectuais e funcionários estrangeiros vêm fazer turismo na ilha, ganhando muito dinheiro. (…) Aqui virou cabide de empregos para estrangeiros. (…) Começa a despontar a prostituição, é claro! Eles têm os dólares. (…) Fazem crer ao mundo que são nobres e servidores, a serviço da paz e da reconstrução do país. Mentirosos!?. Falava também de atropelamentos que ficavam impunes e ia por aí afora.

A resposta do diplomata foi publicada no dia 9 de abril de 2001. Sabia bater duro: ?O fato de o senhor ser um religioso e chamar-se Frei Betto não lhe confere o direito de propagar difamações. Pelo contrário, impõe-lhe o dever de apurar os fatos antes de vilipendiar uma instituição -a ONU-, sua missão em Timor Leste -Untaet- e todo o seu pessoal, a começar pelo subscrito. Fiz questão de lhe responder do meu próprio punho -o que explica a demora-, pois queria dizer-lhe o quanto me chocou sua indignidade?.

A partir daí, o diplomata lista os dez pontos de crítica e vai rebatendo um a um.

?Sou, com muito orgulho, funcionário de carreira da ONU, desde que deixei a universidade, há 31 anos. Servi -ou, segundo sua informante, passei deleitáveis férias- em paraísos turísticos como Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Peru, Líbano, Camboja, Bósnia, Ruanda, Kosovo e, desde novembro de 1999, Timor Leste. (…) Deixei meu cargo em Nova York e vim para Dili porque acreditava na causa deste povo sofrido.?

?(…) Chefio, com humildade, esta missão e assumo todos os seus erros. Tivemos que improvisar e, com escassos recursos, criar um governo num ambiente de desolação. Não venha o senhor nos insultar, comodamente, à distância. (…) O seu artigo e a carta de A.M. dão a impressão de que somos parasitas, que vivem em palácios luxuosos, e criminosos, que matam impunemente crianças (…).?

E vai adiante: ?(…) Não sirvo à ONU há mais de três décadas para engolir desaforos gratuitos de ninguém?. E termina com um convite: ?Frei Betto: encaminhe esta resposta à sua fonte e diga-lhe que a receberei com atenção e carinho, tão logo ela tenha a cortesia de dirigir-se a mim. É o que faço com qualquer pessoa que me solicita?.

Não foi necessário. A história se encarregou de corrigir a versão.”

“Vieira de Mello e Frei Betto”, copyright Folha de S. Paulo, 30/08/03

“?Com relação à carta da leitora Maria Eulália Meirelles Buzaglo (?Painel do Leitor?, 28/8), não é possível ficar em silêncio. Acusar Frei Betto de proselitismo é um ataque baseado em desinformação sobre a vida desse missionário que, além de um homem de campo, sim, é também um intelectual pragmático, como foi Vieira de Mello. Frei Betto é o principal fundador da espécie de ?contrato moral? nacional, que o atual presidente tenta fazer vigorar no país, depois de anos de submissão a esquemas de dominação internacional sobre a nossa ?soberania social?. Frei Betto é um dos articuladores pacientes da revolução lenta e pacífica que este país começa a viver e não pode ser achacado pela leitora e muito menos pelo articulista Luís Nassif, que deu nome de fábula à crônica que louvou merecidamente o diplomata (Dinheiro, pág. B3, 27/8), mas ergueu uma sombra descomunal sobre o frei, sem ao menos ouvir o outro lado.? Marcílio Godoi (São Paulo, SP)”