Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ministério público e cidadania

Wallace Paiva Martins Junior (*)

 

A

acepção jurídica do termo “cidadania” ganhou um significado muito mais amplo do que anteriormente a ele se atribuía (votar, ser votado e ajuizar ação popular para anulação de atos lesivos ao patrimônio público). Hoje em dia, está intimamente ligada à idéia de cidadania a fiel observância dos poderes e órgãos públicos dos direitos assegurados na Constituição Federal, sejam eles os chamados direitos de primeira geração (as liberdades e garantias individuais), de segunda geração (os direitos econômicos e sociais) ou de terceira geração (os direitos da coletividade), de modo que as prerrogativas inerentes à cidadania podem se traduzir, em termos bem genéricos, em todas as garantias, direitos e deveres que tenham por meta a concretização dos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, cristalizados nos arts. 1? e 3? da Constituição Federal de 1988, cujos desdobramentos específicos são o direito de igualdade (art. 5?, inc. I), de associação (art. 5?, inc. XVII), de informação (art. 5?, inc. XXXIII), de petição (art. 5?, inc. XXXIV), à educação (art. 205), ao meio ambiente (art. 225) à saúde (art. 196), à assistência aos desamparados (art. 203), à irredutibilidade salarial (art. 7?, inc. VI), à licença-paternidade (art. 7?, inc. XIX), exemplificativamente falando.

Tais direitos visam, efetivamente, reduzir ou nulificar a opressão do Estado sobre o cidadão, e são armados de instrumentos para sua rígida aplicação, e também de órgãos públicos ou privados vocacionados constitucionalmente para a sua defesa. Dentre estes, desponta o Ministério Público, órgão público dotado de independência administrativa e financeira, que tem a grave incumbência de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, Constituição Federal).

Na gama de suas várias missões confiadas pela Constituição Federal encontram-se, além das tradicionais (promoção da ação penal pública, art. 129, inc. I), o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 129, inc. II), e a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, inc. III), tarefas que a instituição vem cumprindo com esmero, recebendo ampla aceitação social e ainda uma certa resistência no meio jurídico.

É preciso aquilatar, inicialmente, que o Ministério Público ao exercer as funções previstas no art. 129, inc. II, não limitará sua atuação na esfera judicial (pela ação civil pública), mas, e sobretudo, por outros instrumentos conferidos pela legislação infraconstitucional para solução extrajudicial dos mais freqüentes e prosaicos desrespeitos praticados em larga escala pelo Poder Público, valendo-se do compromisso de ajustamento de conduta (importante meio instituído pelo art. 5?, ? 6?, da Lei 7.347/85), da sugestão da edição de normas, ou sua alteração, bem como da adoção de medidas, especialmente no campo da repressão da criminalidade (art. 26, inc. VI, Lei 8.625/93), do recebimento de notícias de irregularidades, petições ou reclamações, e promoção das apurações cabíveis, dando as soluções adequadas (art. 27, inc. I, Lei 8.625/93), da promoção de audiências públicas e recomendação dirigidas aos órgãos e entidades (art. 27, inc. IV, Lei 8.625/93), enfim, todo um feixe de instrumentos destinados à garantia dos direitos constitucionais do cidadão, máxime na área da prestação de serviços públicos, onde os Poderes Públicos e os concessionários não pautam pela mínima observância dos direitos elementares e das políticas públicas redutoras da desigualdade social e econômica, como preferência de hipossuficientes (idosos, gestantes, etc.), acesso aos portadores de deficiências (como a supressão das barreiras arquitetônicas), etc.

Apesar disso, e nos casos de impasse, o Ministério Público vem dedicando concentrados esforços mediante o ajuizamento da ação civil pública para garantia dos direitos constitucionais do cidadão, como nas hipóteses de exigência de tributos inconstitucionalmente fixados, negativa de acesso gratuito aos maiores de 65 anos de idade no transporte coletivo urbano, impedimento de acesso às praias, insegurança na prestação do serviço público de transporte, cobrança de taxas indevidas na prestação do serviço público de saúde, suspensão ou inexecução do serviço público, falta de oferta de ensino público, inclusive no período noturno, restrição do acesso ao ensino público por discriminação etária, descontinuidade e paralisação de serviços públicos essenciais, abuso do direito de manifestação, obtendo, na maioria dos casos, resultados favoráveis.

É certo que, em muitas vezes, o Ministério Público também não encontrará alicerces jurídicos proficientes para superação da poderosa barreira do Poder Público: a discricionariedade administrativa; conduzindo a instituição à adoção de alternativas mais eficientes que uma demanda judicial, como as acima apontadas. Entretanto, a atuação do Ministério Público, e sem prejuízo da intervenção concorrente dos órgãos da sociedade organizada (sindicatos, associações, partidos políticos, etc.), tem o mérito indiscutível de renovar, revitalizar e redefinir as relações entre o Poder e o cidadão, projetando através do exercício responsável de suas atribuições uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

 

(*) 44? Promotor de Justiça da Capital (designado, desde 1995, para a Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital) e associado do IEDC.

 



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