Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ministério Público sob holofotes

"O Ministério Público e a auto-regulação", copyright Folha de S. Paulo, 29/08/00

"A discussão a respeito do papel do Ministério Público teve um reforço considerável nesta semana, com o artigo do ex-procurador, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos mais contundentes críticos do governo, Raymundo Faoro, na revista Carta Capital.

Sob o título ?O Ataque das Vespas?, Faoro procede, inicialmente, a um levantamento histórico sobre o papel do ministério e sua importância. ?A Constituição de 1988 completou e consolidou as tendências que ferviam no subsolo, gritantemente frustradas no interregno militar, que ofendeu o país com a farsa inacreditável do Riocentro.?

A partir daí, Faoro descreve a importância do ?dever de desconfiar?, peça básica das democracias. E começa com as ressalvas. ?É verdade que o dever de desconfiar não se confunde com o assassínio moral: a suspeita não pode ser gratuita, com base em informações envenenadas ou inverificadas; é necessário um começo de prova, com a possibilidade de levar à prova plena. Não basta o procurador alegar, sem dizer como, ?que tomou conhecimento? de certo fato, que, se verdadeiro, fulminaria o autor, sem dizer como e por quem lhe chegou a informação. (…) O inocente, uma vez suspeito, se não articuladas as reservas da prova, sofre a condenação moral sem culpa.?

E entra na questão: ?Qual o meio de manter o Ministério Público no seu trilho constitucional, sem o extravio do vedetismo de alguns energúmenos? (…)?.

A partir daí, entra em um terreno polêmico. Critica acerbamente a tentativa de proibir a divulgação dos inquéritos, mas reconhece que ?alguma coisa, sem sombra de dúvida, deve ser feita para evitar a imprudente e irresponsável acusação?.

A sua proposta é a criação de um órgão onde ?os mais experientes esfriem os ardores dos iniciados e neófitos. Se o acusador não aceitar a decisão, não estará impedido de falar, mas falará unicamente em seu nome, sem invocar a instituição?.

De qualquer modo, por meio da palavra de Faoro, reforçam-se os alertas daqueles que consideram que a ação irresponsável desses radicais é a maior arma da qual dispõem os inimigos de um ministério independente.

É importante que o ministério entenda que os pretensos radicais, com sua facilidade em atingir a reputação alheia, buscam apenas notoriedade na mídia ou em relação ao meio -sacrificando toda uma corporação. Na hora em que a corporação começar a refugá-los, o ministério estará plenamente fortalecido para cumprir seu papel histórico.

Show e punição

De Soraia Patrícia da Silva, pessoa cujas denúncias permitiram desmontar o esquema das regionais de São Paulo, em declaração publicada no livro ?Crime (quase) perfeito?, do jornalista Rogério Pacheco Jordão, sobre lavagem de dinheiro. Depois de elogiar o espírito investigativo da imprensa e do Ministério Público, conclui dona Soraia: ?O negócio é que, quando fica muito histérico e começam a cair várias denúncias, nenhuma é investigada e muitas vão para a gaveta?.

Advogados

Do manifesto ?Direito ou Barbárie?, da Associação dos Advogados de São Paulo:

?E é em respeito ao compromisso que sempre manteve com a Democracia e com o Direito que a AASP manifesta sua preocupação com os desvios mencionados, conclamando todos os segmentos da sociedade ? inclusive os membros do Ministério Público que, cientes de sua importantíssima função social, não chancelam aqueles abusos ? a exigir que o respeito às garantias constitucionais e às normas legais seja sempre observado por aqueles a quem cabe, exatamente, fiscalizar o cumprimento das leis. E ao Poder Judiciário, encarecer a importância de que cada magistrado resista à coação, hoje confessada e exercida por alguns membros do Ministério Público com o auxílio de parte da mídia, destinada a obter decisões constritivas com base não em indícios consistentes nem em provas, mas no ?clamor público? que já levou Cristo à cruz, e Hitler ao poder?."

"Todo o poder de destruir", copyright A F@brica (www.fabrica.com.br), 27/8/00

"Joaquim Falcão, em artigo de 1993, com perspicácia e inteligência, disse que, apesar de o jornal não ser um fórum nem o repórter ser um juiz, muito menos o editor ser um desembargador, os ataques e os erros que os órgãos de imprensa praticam contra os noticiados tornam-nos réus sem defesa na prisão da opinião pública, pois condenam sem julgar. Eu, que durante toda a minha vida tenho defendido a liberdade de imprensa, inclusive como advogado de prestigiosos jornais, considero hoje, infelizmente, procedentes e atuais a palavras de Joaquim Falcão.

Manchetes desses veículos de comunicação, de mais em mais, desfiguram cidadãos e autoridades, tomando meros indícios por verdades absolutas e destruindo a imagem de pessoas antes do trânsito em julgado de decisões judiciais, colocando-as na vala da marginalidade social da qual jamais se recuperarão, mesmo que provada sua inocência. Vivemos um período muito semelhante ao que ocorreu logo após a Revolução Francesa, que plasmou a ?Era do Terror?. A título de atingir os desmandos da monarquia francesa, após 1789, sob o fantástico lema de uma ?Constituição dos Cidadãos?, em que a liberdade, a fraternidade e a igualdade seriam os princípios maiores do texto superior, viveu o povo francês, com as denúncias e perseguições ideológicas, o maior banho de sangue de sua história, apenas encerrado em 1794 com a queda e condenação à morte de Robespierre.

Cada vez mais jornalistas e alguns membros do Ministério Público partem do princípio de que todos os cidadãos são culpados até que provem sua inocência, fazendo com que suas investigações sejam acompanhadas de acusações sempre veiculadas por manchetes sensacionalistas, que tornam qualquer investigado ?definitivamente condenado? 24 horas após se ter transformado em notícia. O que me impressiona é a ?seletividade? das acusações. Desordeiros, desrespeitadores contumazes da lei e da ordem – que são os invasores de terras e prédios públicos e privados – são tratados como heróis pela seletividade ideológica de algumas expressões da mídia e do ?parquet?.

Esse último quase nunca toma a iniciativa de cuidar para que sejam punidos tais desordeiros, propondo as ações pertinentes, e raro é o dia em que não ?condenam? publicamente autoridades e cidadãos sob mera suspeição de sonegação e corrupção. Jamais levam em conta, em relação aos cidadãos, que a carga tributária é escorchante, que a economia informal integrada por médias e pequenas empresas é meio de sobrevivência contra uma política fiscal aética, ultrapassada e que objetiva apenas assegurar as estruturas esclerosadas do poder. Muitas vezes são essas empresas que geram empregos e meio de subsistência à população, que os governos não conseguem promover.

Os recentes ataques infundados contra o ministro Marco Aurélio de Mello, que usufrui de respeitabilidade e autoridade nos meios jurídicos, é a clara demonstração de que quem tem coragem de decidir contra a vontade desses senhores da notícia deve ser atingido naquilo que mais importa a qualquer pessoa digna, que é sua honra. Felizmente o apoio da unanimidade dos advogados de expressão ao magistrado corajoso, de quem muitas vezes divirjo doutrinariamente, mas em quem reconheço um baluarte do Direito no país, repôs, pela reação imediata, a imagem que se tentou desfigurar. Outros não têm a mesma sorte. Estou convencido de que uma ampla reflexão sobre tais distorções é fundamental.

Que todos desejam o combate à corrução, à sonegação dolosa – não o inadimplemento das obrigações tributárias por absoluta necessidade – e à falta de ética governamental, da imprensa e das três instituições da Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público e advocacia) é inequívoco. Que se façam, todavia, as investigações pelos caminhos do respeito à imagem das pessoas – o que é próprio das regras democráticas e cláusula pétrea da Constituição (artigo 5o., inciso X) – para apenas com a condenação e o seu trânsito em julgado serem consideradas culpadas, como, aliás, determina a Carta Magna em seu artigo 5o., inciso LVII.

Mais do que ninguém desejo que tudo que há de errado nesta República seja apurado, mas sem condenações prévias, sem patrulhamento ideológico, sem fabricação de escândalos e sem a retirada do mais importante direito do regime democrático, que é o direito de defesa. Sem ele a democracia se transforma em ditadura e os melhores ideais slogans totalitários. A melhor forma para que se esfrangalhe o direito de defesa é a condenação prévia, pela mídia, de qualquer cidadão que não lhe agrade. Como defensor da liberdade de imprensa e da relevância do Ministério Público para a estabilidade democrática, gostaria que os jornalistas e procuradores meditassem sobre o assunto."

Leia também

Ministério Público sob holofotes ? João Marques Brandão Néto

O colunista e o Ministério Público ? Duciran van Marsen Farena

Volta ao índice

Caderno da Cidadania ? texto anterior