Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Moacir Amâncio

SALMAN RUSHDIE

"Rushdie não quer passar por um falso profeta", copyright O Estado de S. Paulo, 22/09/02

"Salman Rushdie publicou mais um livro e a crítica semanal do The New York Times, Michiko Kakutani, condenou a obra ao limbo, dizendo que só leitores fanáticos do autor poderão se interessar por ele. De acordo com Kakutani, Step Across the Line não passa de raspa de gaveta, um apanhado de artigos, conferências, etc. Isso não determina nível de qualidade, pois há bons livros desse tipo, tudo depende do autor, apenas, mas ela afirma que a obra é uma decepção, quando comparada à anterior. O problema com Rushdie, como a jornalista sugere logo na abertura da resenha, é que a sua tragédia em vida, digamos assim, projetou uma imagem maior do que a que qualquer ser humano pode suportar. A expectativa era de que viesse alguma palavra nova na convulsão que tem o 11 de setembro de 2001 como epicentro.

Kakutani lamenta que isso não tenha ocorrido, embora Rushdie diga alguma coisa premonitória em texto datado de 1993, ao observar que ?a batalha entre elementos progressistas e retrógrados na cultura islâmica? podem ? formar a nova etapa da história humana?. Bem, Rushdie se tornou uma figura espantosa por ter sido vítima de uma condenação à morte pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, que considerou Versículos Satânicos um livro herético. Como se a situação pessoal de um escritor ou de quem quer que seja o tornasse autoridade na matéria. O próprio Rushdie deve estar consciente desse equívoco freqüente, ao alertar o leitor para o perigo representado por autores (vale a pena substituir essa palavra por diversas outras) que se tomam pela ?voz da nação?, leia-se falso profeta. ?Isso inclui nações de raça, gênero, orientação sexual, afinidade eletiva.? É como se ele já desse a dica para que não buscassem nos seus livros o que o autor não é.

Ela considera ingênuas as discussões levantadas por Rushdie sobre temas norte-americanos, como sua explosão emocional diante da repressão aos imigrantes ilegais. Nada mais natural num homem que nasceu na Índia, viveu na Inglaterra, escreve em inglês e tem estado em Nova York. Ele vive numa situação difusa, supranacional. O clichê de que o idioma é a pátria fica sem efeito neste caso, como fica sem efeito no caso de Edmond Jabés, o grande poeta judeu egípicio de expressão francesa, entre outros. Conrad, Nabokov.

Kakutani considera provocativo o ensaio em que o autor trata disso, embora a opinião dele pareça muito mais a constatação de um fato complicadíssimo do que mera gracinha. Segundo Rushdie, os textos de escritores indianos que trabalham em inglês são mais interessantes do que a maioria dos produzidos nas 16 línguas oficiais da Índia: ?Nunca houve um período na história do mundo em que os povos estivessem tão misturados (…) nós estamos tão completamente embaralhados? que não há como fugir dessa realidade fantástica.

Embora, como todo ser humano com um mínimo de bom senso, ele sonhe com algum tipo de escapada. E é bem pueril neste caso. Rushdie considera O Mágico de Oz, aquela fantasia hollywoodiana de Judy Garland e o Homem de Lata como um ?filme sobre ?as alegrias de ir embora, de deixar o cinzento para entrar na cor?. Com tudo o que tem passado e visto, Rushdie deve se imaginar como aquele passageiro que pede ao piloto do jato em pleno vôo que dê uma paradinha, pois precisa descer. E, claro, não estaria sozinho nessa tolice.

Poesia – No Book Review da mesma edição há um artigo de Brian Henry sobre uma coletânea de Mona Van Duyn, que ficou nove anos sem publicar nada e aparece com algo requentado: Selected Poems (Alfred A. Knopf). Ela foi a primeira mulher a ser uma poetisa ?laureada? nos Estados Unidos (1992-1993), recebeu todo tipo de prêmios, etc. O prestígio justifica a republicação do material, segundo o articulista, mas na verdade nada mais necessário do que tornar disponível nas lojas textos que só se encontram nas bibliotecas particulares ou mesmo públicas.

Curioso: o jornal chama atenção para o fato de que na obra de Van Duyn as musas e a classe média não são estranhas. Ora, se atentarmos para a maioria dos poetas veremos que raramente deixaram os limites da classe média. Contestadores na vida ou na obra, isso não os exclui da condição social. Pensemos assim: nos EUA, William Carlos Williams e Ginsberg. No Brasil: Murilo Mendes e Jorge de Lima."

 

BRASIL / IRAQUE

"Jornalismo vira-lata", copyright Folha de S. Paulo, 20/09/02

"Olha, às vezes desanimo com o nível do jornalismo praticado hoje no Brasil. É um tal de fazer as coisas de qualquer jeito, nas coxas, que realmente me faz baixar a cabeça de vez em quando. O motivo da vez para a deprê foi aquele ?furo internacional? supostamente dado pelo The Times denunciando que o Brasil vendeu urânio enriquecido ao Iraque durante a ditadura militar. Os coleguinhas daqui caíram em cima, repercutindo a denúncia feita pelo jornal londrino, louvado pela descoberta. O problema é que a informação é velha (de mais de 20 anos) e a denúncia foi provada, com fotos e documentos, num livro que está à venda desde 1996, obra de uma jornalista.

E não foi escrito por uma honesta, porém esquecida, coleguinha dos cafundós dos judas, não. O nome dela é Tania (sem acento mesmo) Malheiros, conhecida exatamente por ter desmascarado o programa nuclear paralelo tocado pelos militares durante a ditadura em matérias publicadas nos anos 80 e 90 na Folha de São Paulo, no Estado de São Paulo e no Jornal do Brasil. E não foram matérias sem repercussão também não. Por uma delas (?Aramar teve acidentes radioativos?, que saiu no JB em fins de 96), Tania ganhou o Prêmio Esso de Informação Científica, Ecológica e Tecnológica de 1997, no único caso, salvo engano, de um Esso concedido a uma freelancer (o JB publicou a matéria, mas a Tania era apenas frila de lá).

O livro em que consta, desde 1996, o ?furo? do The Times é ?Histórias Secretas do Brasil Nuclear?, editado pela Mauad – editora de médio porte aqui do Rio, de propriedade de Isabel Cristina Mauad, também coleguinha detentora de Esso. Na obra (ela tem outra, ?Brasil, a bomba oculta?, mais antiga e também da Mauad), Tania prova a tal venda de urânio enriquecido do Brasil para o então benquisto Iraque por parte do governo militar do Brasil. Profissional ao extremo e bom caráter, ela conta ainda que a primeira menção ao negócio foi feita pelo repórter Paulo Andreolli, em matéria publicada em 17 de junho de 1981 no Estadão. Como era praxe na época, houve negativas e ?operação-abafa?, tudo bem-sucedido porque não deu para obter os documentos conseguidos uma década e meia depois por Tania.

Qual a razão para semelhante absurdo? Bom, acho que parte da explicação está em Nelson Rodrigues. O grande tricolor defendia que muitos anos antes de 58 o Brasil já tinha o melhor futebol do mundo, mas não ganhava a Copa porque sofria de uma mal típico do brasileiro: o Complexo de Vira-Lata. Esta anomalia psicológica faz com que achemos que tudo o que vem de fora é melhor e/ou mais forte, e por isso metemos o rabo entre as pernas.

No caso do jornalismo, a tudo o que sai na imprensa estrangeira é concedido foro de verdade inquestionável, sem possibilidade de crítica. O caso da Tania-The Times é um exemplo surreal, mas todos os dias vemos coisas do tipo nas páginas e nas imagens de TV, principalmente na área de Economia (tem coleguinha que defende o Consenso de Washington com uma veemência que nem o Malan ostenta mais), Internacional (as poucas análises sobre a situação mundial vêm da imprensa internacional, obviamente sob a ótica do cidadão do país onde foram produzidas e representando seus interesses) e Cultura, se bem que, neste caso pelo menos, a taxa de viralatice tenha diminuído nos últimos tempos, embora não o bastante.

Já está mais do que na hora de voltarmos a ter um mínimo de senso crítico. Quanto mais não seja, para pelo menos termos alguma moral quando formos criticar pessoas e instituições de falta de memória, de falhar em análises e de não ter agenda própria.

Liqüidação – E prossegue animada a liqüidação no Magazine Império. Já foram detonadas 11 das 27 emissoras que os Marinho botaram na roda. A lista de venda até a última contagem, esta semana: Bauru, Sorocaba e São José do Rio Preto (para J.Hawilla) e as da Rede Paranaense (Curitiba, Maringá, Londrina, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa, Paranavaí, Cascavel e Guarapuava) para os Cunha Pereira. Na bica, a TV Vanguarda, de São José dos Campos, em negociação com o ex-Darth Vader José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

?Errei, sim…? – Aliás, semana passada, escrevi que o Jotinha tinha desembolsado uns R$ 50 milhões pelas TVs do interior de São Paulo. Era isso mesmo, mas por cada uma…O total, portanto, girou por volta de R$ 150 milhões.

Toalha no chão – ?Eu desisto!/Não existe essa manhã que eu perseguia…?. Como o poeta Taiguara, eu também jogo a toalha: não existe neutralidade da mídia em campanha eleitoral no Brasil. Esta semana neguinho simplesmente desembarcou os comandos na campanha do candidato oficial e mandou bala para impedir o oposicionista mais forte de vencer já no primeiro turno. O Lula diz que a cobertura está sendo isenta, inclusive a dos órgãos do Império? Ah, seu fosse candidato, e na situação em que ele está, diria o mesmo, né, ó pá? Se os caras já agem dessa maneira sem serem provocados, imagine se o fossem. Para o sapo barbudo, quanto menos pedrinhas no lago agora melhor.

Grana aparece – Deve ter sido coincidência, mas assim que saiu aqui, na segunda-feira, dia 16, que os coleguinhas que haviam trabalhado no encontro preparatório da Rio + 10 no MAM-RJ ainda não tinham recebido, a grana pingou na conta deles.

Link a perigo – Galho de arruda na orelha e figa no pescoço são algumas das ajudas que estão sendo invocadas pela emissoras para que serviço de TV programada da Embratel continue de pé. A coisa está tão difícil que a ex-estatal não está aceitando reserva do serviço nem para sete dias, quanto mais para 6 de outubro. Já tem gente querendo reunir uns pais e mães-de-santo fortes de encruzilhada a fim de arriarem um ebó de qualidade (com charuto cubano, uísque legítimo, farinha do Nordeste e vela de sete dias) para que nada aconteça com o link, pois, se ocorrer, duvida-se que a Embratel dê um jeito."