Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Modo de obter marca a informação

A MATÉRIA DE capa de Veja com a plena e total confissão do principal suspeito de que era o “maníaco do parque” (12/8/98) suscita um importante debate que tem a ver com a maioria dos males que afligem nossa mídia.

A matéria foi obtida na tarde de quinta-feira, 5/8/98, quando uma repórter da revista foi admitida na equipe dos advogados de defesa, sem o conhecimento das autoridades.

Em suas edições de sábado, os jornais já sabiam da “façanha” do semanário’, tanto que a Folha já veiculava a decisão do juiz-corregedor, Maurício Lemos Porto Alves, tomada na mesma quinta-feira, proibindo entrevistas coletivas ou exclusivas até 28/8. Francisco de Assis Pereira, tão logo chegou a S. Paulo e antes mesmo de prestar depoimento perante o escrivão, concedera uma coletiva negando ser autor das mortes no Parque do Estado.

Antes mesmo que Veja chegasse às bancas, no sábado à tarde, todas as rádios e televisões já veiculavam a confissão daquele que era principal suspeito.

O furo de Veja durou menos de 24 horas.

Na sua edição de domingo (9/8/98), a Folha referiu-se criticamente em duas diferentes matérias à maneira como Veja obtivera a confissão (já assunto da primeira página).

Na edição de terça-feira (11/8/98), a mesma Folha publicava em manchete de pagina interna que a OAB iria investigar o vazamento da confissão para a imprensa e intimava a advogada de defesa para defender-se da acusação de quebra de sigilo. Revelava-se também a maneira como fora obtida a confissão e o desmentido da editora-executiva da revista.

Na matéria de Veja não há a menor referência sobre os meios e modos usados para obter a informação. Nem na edição seguinte (19/8/98) sobre a abertura da sindicância na OAB. O leitor de Veja – ao contrário dos principais leitores dos jornais e ouvintes de algumas rádios – não teve a menor informação sobre os métodos empregados para obter a confissão.

O assunto foi tratado na edição televisiva deste OBSERVATÓRIO (11/8 na TV Educativa, 13/8 na TV Cultura). Alguns jornalistas ouvidos consideraram lícita a maneira de obtenção da informação. Outros, condenaram, inclusive este Observador. Pelas seguintes razões:

Toda a imprensa obedeceu às determinações do juiz-corregedor.

Um jornalista deve assumir sua identidade e função, apresentando-se como jornalista.

Qualquer informação capaz de gerar dúvidas sobre a sua legitimidade deve ser minimamente transparente (isso inclui as gravações com figuras anônimas tipo “senhor X”)

Informação obtida de maneira truncada está comprometida.

Falsificação de identidade é infração.

A antecipação de algumas horas numa confissão que seria pública não justifica a irregularidade.

Qualquer acusado tem direito a um encontro sigiloso com os seus defensores – é uma das condições básicas do Estado de Direito.

Caso não houvesse irregularidade a OAB não investigaria o vazamento.

Caso não houvesse irregularidade a revista revelaria com todos os detalhes a sua façanha.

O modo de obter uma informação compromete a sua credibilidade (razão pela qual é inválida uma informação obtida sob tortura).

Deixaram de manifestar-se sobre o assunto as entidades corporativas de jornalistas e empresas jornalísticas (Fenaj, ANJ e Aner, como também a ABI). Ao contrário da OAB.

Se a imprensa não respeita as normas e os ritos judiciais de uma democracia, quem o fará?

Conclusão: na mídia estamos na era do vale-tudo.