Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Música, sociedade e sanidade mental

LIMITES DA BAIXARIA

Juliano Filipe Rigatti (*)

Acho que a tendência de ter gosto por um ou por outro meio de comunicação começa a tomar forma na infância. Deve ter influência dos pais, dos irmãos, dos amigos, da escola etc. Deve também ter ainda mais influência de outras coisas que eu nem imagino de onde venham. Eu, em particular, sempre tive uma certa dificuldade em me adaptar ao FM e ao AM. Mais ao FM do que ao SM. Não é bem adaptar a palavra certa. Parece que durante toda a minha infância e adolescência eu sempre preferi algo mais visual como a TV e os livros. Certamente, isso tomou forma e virou minha profissão atual e vai dar razão as minhas ocupações futuras.

Mas, faz alguns anos, tive que começar a escutar mais, apreciar mais e, ao mesmo tempo, ser bem crítico e desconfiado das coisas que iria ouvir. Dentre os grandes estudos de cultura de massa, de público-alvo de determinados programas, de determinados veículos, vejo a música e seus modismos como um dos mais importantes indicadores da sanidade mental de nossa sociedade.

Maturidade, como medir?

No domingo à noite e na segunda-feira ouvi comentários do que foi o Domingo Legal do SBT do dia 9/2. A periferia da música brasileira toda reunida alegrando a tarde de milhões de adeptos de ritmos que empobrecem o pensar e desidratam o que resta de inteligência nos brasileiros. Sempre vi professores meus serem muito cuidadosos ao rotular certo tipo de cultura, em dizer que determinado tipo de música é ruim, é baixo nível. Mas não vou ter tanto cuidado assim. Vocês sabem do que eu estou falando. Estou falando dela, da égua pocotó, da lacraia, do namoro depravado, do namoro pelado. Isso sem falar do resto que não me permito escrever aqui em respeito a minha autocensura.

Traçar paralelos sempre foi utilizado como importante meio de comparação. Traço, portanto, paralelo interessante na história de nosso Brasil musical. Quando disse que a atual música brasileira serve para medir o grau de sanidade do nosso povo, estava lembrando dos grandes anos da MPB, de músicas de que aprendi a gostar, de coisas que faziam pensar na situação do povo, das injustiças. O grande momento da MPB, que fazia frente à ditadura, tinha grande respaldo e, mais do que isso, era o próprio reflexo de uma juventude e de uma população que via na música a expressão dos seus sentimentos, a voz das suas insatisfações. Para o regime da época eram os jovens sem-cabeça, avoados, revoltados, irresponsáveis. O que diriam hoje?

Risquei a primeira linha, agora faço o paralelo. O que dizem as nossa letras das FMs de grande audiência de hoje? As rádios populares e os programas mais assistidos da televisão brasileira se enfeitam de músicas e artistas que não sabem fazer outra coisa que mascarar palavrões, instigar desejos sexuais e fazer um dó com a pornografia mais nua e suja a que a imaginação possa chegar. Tem coisa que ouvi por aí que mais longe não pode ir. Não existe coisa pior. Não há nada de pior que ainda não foi dito. Nada. Chegamos ao limite da insanidade da juventude brasileira.

Não entender o que eu digo é pensar que esses novos grandes sucessos que nascem todos os fins de semana são uma via de único sentido. Essa grande porcaria só existe porque existe quem consuma, quem goste e, pior, quem se satisfaça. A mídia vive disso, vive desse negócio, vive de comércio. Se existe procura existe oferta. É simples. Para a grande MPB existia procura, por isso existia oferta. Obras como Cálice e Pra não dizer que não falei de flores tinham como compositores uma sociedade inquieta, com sede de justiça e louca pra falar. Nem que fosse alguma coisa.

Hoje não. Nada disso acontece. Até mesmo nas rádios ditas menos populares raramente encontramos alguma coisa elaborada. Em geral, falam de beijar na boca, de eu vou fazer do jeito que ela não vai esquecer, de fumar folha de bananeira, de grama verde etc.

O risco que corro nesse tipo de posicionamento é o de sempre: generalizar. Espero ter me feito entender. A diversidade do povo brasileiro, em especial do gaúcho (que tem teor cultural maior) não permite que eu faça exageros. Tem muita coisa boa por aí, sim. O que falo é que tem muita coisa pior também.

Democraticamente, nossa sociedade pode até ter amadurecido. Mas em questão de musicalidade e de expressão social nessa grande arte, maturidade é algo que nem imagino como medir. Popularizar o amor, desprezar o encontro, ridicularizar o sentimento. Tanto quanto nos bons tempos de nossa música, hoje a nossa produção musical voltou a ser o grande indicar de sanidade mental. Façam seus diagnósticos que eu fico com o meu.

(*) Estudante de Jornalismo da Unisinos, RS