Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Músico não se mobiliza

LOBBY DO CINEMA

Cláudio Jorge (*)

Estive viajando pelo norte do Brasil, semanas atrás, quando pude acompanhar pelo noticiário e pela internet todo o papo que rolou a partir de uma contestação do cineasta Cacá Diegues à linha que o governo federal estava querendo adotar com relação a patrocínios de empresas estatais à cultura brasileira.

Pelo que eu pude entender, a Secretaria de Comunicação Social, dirigida pelo Sr. Luiz Gushiken, estava meio que passando por cima do Ministério da Cultura, a rapaziada chiou e o governo voltou atrás, dirigindo a discussão para o âmbito do ministério comandado pelo nosso Gilberto Gil.

Tudo isso serviu pra me chamar atenção para um ponto interessante: é incrível a capacidade de mobilização do cinema na hora da defesa dos interesses dessa classe. Uma mobilização que quase sempre dá resultados. Por que não acontece isso com a música? Na minha opinião, por conta de um detalhe de que a gente quase não se toca. Quando se fala de cinema tratamos da "Indústria Nacional de Cinema", "O Cinema Nacional", "Instituto Nacional de Cinema" e por aí vai. No Brasil não existe uma "Indústria Nacional da Música". A grande indústria e o mercado de música no Brasil estão nas mãos dos estrangeiros, são as empresas multinacionais, inglesas, americanas, japonesas etc.

Por isso é que quando a nossa classe se organiza, aos trancos e barrancos internos, para fazer vingar uma lei que nos proteja, como a da numeração de discos, por exemplo, ela não nos satisfaz plenamente, pois o poder da indústria internacional do disco é maior e nós músicos não contamos com a cobertura do governo federal nessa hora. Ainda falando desse assunto da numeração de CDs, havia outra lei, melhor, aprovada no Congresso, sancionada pelo ex-presidente Fernando Henrique e embarreirada na Justiça pelas gravadoras. Jogaram essa lei no lixo e trocaram por outra que, no mínimo, tira da esfera da Receita Federal o controle desse assunto.

Até agora, quando falamos em leis de incentivo estamos falando de uma papelada enorme que vai ser preenchida e carimbada pelo governo. "Teu trabalho pode ser patrocinado por uma empresa que receberá benefícios fiscais." Aí a gente sai com aquele papel, bate nas portas das empresas, possíveis patrocinadoras, e fica esperando uma resposta. Só que quando eu mando os projetos para o patrocínio do meu CD com os meus sambas lá também está o projeto daquele artista superfamoso, querido por todos nós, que vende discos de montão há um montão de tempo e que quer um patrocínio para sua excursão nacional ou mundial.

Que artista vocês acham que a empresa vai patrocinar? Isso sem falar nas relações pessoais, em que muita gente fina, amiga dos empresários, tem muito mais acesso às empresas do que outros. É o caminho inverso. O cara já tem o patrocínio e barateia tudo com a lei de incentivos.

Aproveito este momento, que eu acho maravilhoso, que é o de discussão de políticas culturais, para dizer que essa relação precisa mudar. O governo precisa transformar essas políticas, criando, talvez, um fundo de cultura, no qual as empresas colocariam recursos á disposição, seriam beneficiadas pelos incentivos fiscais, mas o governo decidiria em que projetos aplicar este dinheiro. Acho, inclusive, que se as empresas já se beneficiam no abatimento de impostos com essas leis, o nome delas não tem que aparecer nos projetos, a não ser que elas façam questão ? e aí pagariam mais por isso.

Para terminar, precisamos acabar com o mito de que a classe musical é desunida. Não é verdade, ela é impotente, pois não detém os meios de produção, como o cinema. Seguindo neste raciocínio, o governo está atrasado por não ter ainda apresentado um plano de incentivos para a produção musical alternativa, essa sim, a verdadeira "Indústria Nacional da Música", que vem carregando há anos o ônus de produzir, com dificuldades para distribuir e divulgar, um acervo responsável pela sustentação cultural musical dos que estão agora começando e de muitos que já foram descartados pela indústria multinacional.

(*) Músico