Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mundanidade e perversidade

ESTADÃO IRRECONHECÍVEL

O refinado Alfredo Mesquita, anos 40 e 50, fazia uma crônica social, racé, com o imperioso toque de classe sobre aqueles que por força do nascimento, recursos e cultura pretendem tê-lo. Quem escreve hoje a crônica mundana no Estado de S.Paulo jamais leu Alfredo Mesquita, se leu não entendeu e, se entendeu, não mostra gabarito para manter a tradição.

A nota que escreveu na terça-feira, 21/5, sobre uma pretensa “psicanalista argentina” da prefeita Marta Suplicy é um depósito de ressentimentos, vulgaridade e desinformação.

É possível criticar o desempenho da prefeita de São Paulo com comentários e informações objetivas ? o Estadão e a Folha o fazem quase diariamente ?, mas o coquetel de venenos destilado naquele entrefilet (como o designaria o próprio Alfredo Mesquita) é deplorável.

Leitora indignada protestou, o respeitável jornal não acolheu a reclamação e, como muitos o fazem e em número crescente, recorreu a este Observatório.

A carta conta tudo:


“Fiquei chocada com a nota da coluna ?Persona? intitulada ?Jeitinho argentino? do dia 21/5/2002 na qual o colunista afirma que uma rua de São Paulo foi asfaltada, em detrimento de muitas outras, porque nela mora a terapeuta argentina da prefeita.

Embora não seja moradora da rua em questão, passo por lá quase diariamente e comprovo não ser verdadeira a informação de que a rua tenha sido asfaltada recentemente. Houve, sim, um enorme buraco aberto pela companhia de gás para atender a reforma de uma das casas e a própria companhia de gás fechou o buraco num serviço, como sempre, incompleto.

Minha indignação nada tem a ver com afiliações partidária ou aflição eleitoral. Não voto no PT. Também não sou argentina, embora tenha morado em Buenos Aires durante os anos da ditadura no Brasil, assim como muitos brasileiros se exilaram em outros países que aprenderam amar e respeitar.

Minha indignação tem a ver, em primeiro lugar, com o horror a toda e qualquer manifestação de xenofobia. Sou brasileira e muito me orgulho de descender de imigrantes italianos que ajudaram a construir o país, além dos africanos, japoneses, árabes, judeus e tantos outros, incluindo os argentinos. Os imigrantes contribuíram para a formação de uma identidade nacional, rica e plural que (ainda na escola primária) aprendi ser contrária a qualquer traço de xenofobia. Este pluralismo formou, segundo Darcy Ribeiro, uma raça brasileira, da qual quero continuar me orgulhando.

Entre os muitos argentinos que procuraram o Brasil fugindo da repressão e da morte nos anos da sangrenta ditadura em seu país, vieram muitos médicos, psicólogos e psicanalistas que trabalharam e muito contribuíram para o desenvolvimento da psicanálise em nosso país. Como tantos outros psicanalistas brasileiros, sou muito grata a eles.

Por isto, protesto contra a irresponsabilidade do colunista que, talvez por ignorância dos princípios éticos da nossa profissão, ou ignorância dos princípios éticos de qualquer profissão, inclusive da sua, acusa sem provas a prefeita de favorecer argentinos em detrimento de cidadãos brasileiros. Violou o direito de privacidade do tratamento médico e, não contente, acusa profissionais idôneos de violação da ética profissional (usando do poder de transferência em qualquer relação médico-paciente) para obter favores pessoais e, não, em benefício da cura.

Os profissionais em questão, argentinos ou não, não têm como defender-se publicamente sem se identificar porque violariam outro preceito médico ? o sigilo profissional .

Mais do que identificar no Brasil um ?jeitinho argentino? , vejo nesta gracinha inconseqüente um jeitinho nada brasileiro ? e muito assustador: o preocupante jeitão xenófobo que começa com ?inocentes piadas? e termina onde sabemos.

Se o colunista fosse um jornalista bem informado, talvez soubesse que, neste momento, o mundo assiste preocupado ao ressurgimento dos grupos de extrema direita dominados pelo racismo e a intolerância, o que não é nada engraçado.

Neste momento, os argentinos vivem uma tragédia e, por isso mesmo, merecem nossa total solidariedade e apoio que, aliás, vêm recebendo do nosso presidente.

Recomendo ao colunista a leitura do livro que Freud escreveu há quase um século: O chiste e suas relações com o inconsciente. Vale a pena.” Maria Cecília Galli (RG.3.203.879-3)


[Pela transcrição, A.D.]

 

PICADEIRO

A revelação é do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro: o bispo Edir Macedo, controlador da Rede Record, agora é jornalista. O registro foi concedido pela Delegacia Regional do Trabalho do Rio em 21 de dezembro de 2001 e, por enquanto, ainda é provisório. O mercado está cada vez mais concorrido. (L.E.)