Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Munição desperdiçada

DIÁRIO OFICIAL

Carlos H. Knapp

Diário Oficial também é imprensa e merece observação. Sua leitura é tarefa penosa, cumprida só por dever. Mas às vezes as suas colunas escondem verdadeiras pérolas como esta, pescada por um observador paciente no Diário Oficial do Distrito Federal, de 13 de junho de 2001:


CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

LEI N? 2723, DE 11 DE JUNHO DE 2001 (Autor do Projeto: PODER EXECUTIVO)

Dispõe sobre medidas de segurança e apoio pessoal em favor de ex-Governador do Distrito Federal

O VICE- GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL NO EXERCÍCIO DO CARGO DE GOVERNADOR, FAÇO SABER QUE A CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL DECRETA E EU SANCIONO A SEGUINTE LEI:

Art. 1? O Governador do Distrito Federal, terminado seu mandato, tem direito a utilizar os serviços de quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal, bem como um veículo oficial de serviço, com motorista, durante o período de dois mandatos subseqüentes ao seu.

Art. 2? Para atendimento do disposto no artigo anterior, ficam criados no quadro de Pessoal do Distrito Federal, na Casa Militar do Gabinete do Governador do Distrito Federal, os seguintes cargos:

I – dois Cargos de Natureza Especial, CNE 05, de Assessor Especial de Segurança e Apoio do ex-governador;

II – seis Cargos do Grupo Assessoramento, símbolo DFA-11, de Assessores de Segurança.

Parágrafo único – Metade dos cargos e que se referem os incisos I e II deste artigo serão preenchidos a partir da vigência desta Lei, e os demais a partir de 1? de janeiro de 2003, sefor o caso.

Art. 3? Os servidores a que se refere esta Lei serão de livre indicação dos ex-governadores do Distrito Federal.

Art. 4? Os Cargos de que trata o art. 2?, incisos I e II, são considerados, para todos os efeitos legais, de natureza policial militar ou bombeiro militar, caso os indicados pertençam ao serviço ativo dessas corporações.

Art. 5? Correrão à conta das dotações orçamentárias da Secretaria de Governo do Distrito Federal as despesas decorrentes do atendimento a ex-governador, nos termos desta Lei.

Art. 6? Fica revogada a Lei n.? 2.481 de 18 de novembro de 1999.

Art. 7? Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8? Revogam-se as disposições em contrário.


Note-se, antes de mais nada, o cuidado ético. Para que não se possa acusar o governador de legislar em causa própria, quem sanciona a lei é o vice-governador, na ausência momentânea de sua excelência. Note-se, também, o comedimento: a honraria é limitada aos dois mandatos subseqüentes, isto é, oito anos. Ela seria por certo vitalícia, não estivessem os deputados distritais conscientes da tremenda desigualdade social que perdura no país e, portanto, da necessidade de certa discrição na aplicação do dinheiro público.

Ao privilegiar os ex-governadores com a proteção de quatro servidores públicos de sua confiança, mais carro oficial e motorista, os legisladores do Distrito Federal souberam recompensar a abnegação e a extensa folha de serviços que o atual chefe do Executivo irá completar, sem dúvida, até o fim do seu mandato. Ele e os que o sucederem.

Os partidos da oposição tratarão de criticar, como sempre, essa sincera homenagem. Alegarão que se trata de uma "mordomia", de "máquina oficial" que o contemplado poderá colocar a serviço de sua candidatura aos próximos cargos eletivos. Evidentemente, usar ou não usar automóvel, motorista e agentes de segurança pessoais pagos pelo governo durante as campanhas eleitorais vindouras é uma questão de foro íntimo. Como será também de foro íntimo a decisão do ex-governador de se apresentar ou não a novas eleições. Essas questões pertencem ao futuro e não desmerecem o preito de gratidão oferecido pela sociedade no presente.

Acreditamos que a iniciativa do Distrito Federal também tenha a intenção de servir de exemplo aos 27 estados da Federação.Todos os governadores poderão gozar de recompensa igual ? basta copiar o decreto-lei do GDF e enviá-lo às respectivas Assembléias Legislativas. Com cinco nomeações para cada ex-governador, teremos 135 postos de trabalho novos criados de quatro em quatro anos, uma significativa contribuição para reduzir os níveis de desemprego. Entretanto, esse número poderia se multiplicar ? revelando assim todo o sentido social oculto no aparente privilégio ? caso o benefício possa ser estendido aos ocupantes de outros cargos igualmente importantes, como os presidentes de Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas, os presidentes de tribunais superiores, os reitores das universidades; os presidentes de fundações, de empresas estatais, de fundos de pensão, das agências reguladoras e dos institutos. Enfim, são numerosos aqueles que, ao deixarem de governar órgãos públicos nos âmbitos federal, estadual e municipal, não deveriam ser abandonados à sorte de suas aposentadorias integrais e nada mais.

Na guerra santa que movem contra Joaquim Roriz, os redatores do Correio Braziliense desperdiçaram essa preciosa munição, candidamente fabricada no gabinete do próprio governador. Não a descobriram, não se aplicam na leitura do Diário Oficial do GDF.

    
    
              

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