Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Na banguela com a língua

PORTUGUÊS DE MENAS

Paschoal Motta (*)

Já se tornou corriqueiro ler ou escutar, nos meios de comunicação, enunciados com graves impropriedades na língua portuguesa. Uma balbúrdia: se correto gramaticalmente, vem disparatado, com significação truncada, duvidosa, insossa, e/ou mal articulado verbalmente; se coloquial, ridículo e fora de ambiente. A incompetência generalizada está pegando firme na língua de Camões aqui no Brasil. Nada justifica tanta agressão ao ainda bonito português.

Não falemos aqui das inserções vocabulares e frasais alienígenas, no geral inoportunas e humilhantes. E já afetam a sintaxe, onde reside o maior desacerto. Nada de xenofobismos, mas até quando carregar esse fardo secular de colonialismo cultural subserviente?

Um idioma, ser pulsante, se transforma, naturalmente, na sociedade que o pratica. Mas, esse fator pode não ser bem compreendido e realizado por muitos que têm no vernáculo sua ferramenta principal de ofício. É ler, escutar e se arrepiar. Modo geral, confirma-se que esse profissional nem terminou o primário, e se arvora em comunicador, com uma salada mista, e intragável, de pronomes de tratamento, concordâncias estranhas, pronúncias esdrúxulas, ritmos dissonantes e o mais. E o vocabulário ortográfico legalizado? Esse é confuso, um mal necessário. E quem o conhece e pratica sem grande dificuldade?

Ditadura gramatical, nem pensar, mas compreender que o testemunho de cidadania duma sociedade começa no respeito de cada utente à Língua Nacional, com amor e prática sensata no aproveitamento consciente de suas modalidades, potencialidades e possibilidades em diferentes tempos, ocasiões e lugares. Não é isso o constatado: em áreas profissionais de manifestação falada e escrita, um descalabro se desenvolve, como jamais, desde o governo federal a estabelecimentos de ensino, professores, publicitários, jornalistas, editores, tradutores, escritores, executivos, advogados, até reitores de universidade. Atropelam e desfiguram a indefesa e última Flor do Lácio! Estressam os mais vividos! Desiludem os esperançosos renitentes! Prejudicam seriamente a mocidade em formação!

Viagem morro abaixo

O português é herança e patrimônio cultural; representa nossos modos de ser, estar, agir e sentir; e nos distingue no concerto das nações. Mais ainda: exige-nos rigorosa e serena consciência crítica, respeito e responsabilidade para com as gerações passadas, atuais e futuras.

Com veiculação quase instantânea de novidades, e insistentemente deterioradas, esses profissionais degradam a língua de modo rápido e irreversível. Testemunhamos inusitada transição das linguagens para o banal, para o pobre, para o chão, para o grosseiro, para o palavroso inexpressivo, por displicência e ignorância de quem devia ser responsável por melhor utilização da língua com que se apresenta.

Corrompendo nossa consciência brasileira no trato diário com a língua mãe, perdemos a liberdade pessoal e coletiva, além da emoção, que nos caracteriza e transfigura nas expressões artísticas populares e eruditas.

Nenhum sistema lingüístico vivo é imune a influências externas e transformações internas, mas vamos viajando com a língua portuguesa em velocidade muito acima do permitido pelo código, morro abaixo, na contramão e na banguela.

(*) Professor, jornalista, editor, tradutor, ficcionista e poeta em Belo Horizonte