Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Na gaveta da al-Jazira

BIN LADEN

A emissora árabe al-Jazira reconheceu que deixou de transmitir diversos vídeos de Osama bin Laden gravados antes e depois de 11 de setembro, por razões editoriais e técnicas. Ibrahim Helal, editor-chefe da emissora, disse que a coleção pode incluir uma entrevista citada em dossiê divulgado pelo gabinete do primeiro-ministro britânico, Tony Blair.

"Temos muitas gravações que não transmitimos do Afeganistão", disse, porque não falavam de "coisas importantes". De acordo com Ward Pincus [The Associated Press, 12/12/01], Helal disse que a al-Jazira recebeu quatro ou cinco vídeos de bin Laden desde 11 de setembro, mas se recusou a dizer se se tratavam de entrevistas de seus repórteres ou fitas entregues por representantes da al-Qaeda.

Para Helal, a reputação da emissora como voz independente na região pode ser maculada por não transmitir fitas com notícia. Os vídeos foram recebidos via satélite pela sucursal da al-Jazira em Cabul. Helal cogitou a possibilidade de serviços de inteligência monitorando as transmissões locais terem interceptado as fitas. "Usam tecnologia para capturar as fitas e sua influência sobre Washington para nos pressionar", disse Helal. "Querem destruir nossa imagem com o intuito de fechar esta janela livre na região."

A entrevista exclusiva foi obtida em outubro, mas a emissora nunca a levou ao ar, sob a alegação de que o vídeo mostra o quanto o repórter ficou intimidado por bin Laden e também pela recusa do líder terrorista em responder às perguntas, preferindo ditar declarações.

Segundo James Risen e Patrick E. Tyler [The New York Times, 12/12/01], Londres decidiu não revelar a origem da fita porque quer analisar seu conteúdo, e não o trabalho da al-Jazira. Desde 11 de setembro, a al-Jazira transmitiu cinco declarações da al-Qaeda. O último vídeo de bin Laden divulgado na emissora foi em 3 de novembro.

Críticos da Jazira consideram sua cobertura inflamatória e propagandística. A Casa Branca pediu que as emissoras americanas e do Catar editem esses vídeos para eliminar possíveis mensagens codificadas.

A revelação do governo britânico sobre a entrevista escondida não agradou à CNN, que soube do fato no dia 12. "Isso deve afetar nossa relação com a al-Jazira", disse uma fonte da CNN em 12 de dezembro. A confusão, no entanto, parece não ter posto em risco a relação da emissora árabe com a ABC, de acordo com Don Kaplan [New York Post, 13/12/01]. O porta-voz Jeffrey Schneider, da ABC ? que, como a CNN, tem um acordo de partilha de vídeos com a al-Jazira ?, afirmou que a emissora não se abalou com a revelação.

Apenas dois meses após jurar que não exibiriam mais imagens inéditas de Osama bin Laden, as quatro principais emissoras de TV aberta americanas ? ABC, CBS, NBC e Fox ? e todos os canais de notícias 24 horas a cabo esqueceram a promessa e transmitiram no dia 14 novo vídeo do terrorista, divulgado pelo Departamento de Defesa dos EUA.

No vídeo, bin Laden mostra conhecer detalhes do planejamento dos ataques terroristas de 11 de setembro. Segundo ele, os seqüestradores dos aviões souberam da missão na hora de embarcar.

Marcy McGinnis, vice-presidente sênior de notícias da CBS, disse que embora ninguém na emissora tenha assistido à fita de antemão, quase todos sabiam o que havia nela devido a informações da Casa Branca. Diferentemente das outras fitas, em que bin Laden proferia discursos prontos com retórica antiamericanista, este vídeo não parece ter sido ensaiado. Foi encontrado numa casa em Jalalabad, Afeganistão, após a fuga dos talibãs.

Na fita, segundo a Reuters (13/12/01), bin Laden mostra-se feliz porque os ataques causaram danos além das expectativas: ele disse não esperar que as torres gêmeas viessem abaixo. Durante a transmissão do vídeo, muitos comentaristas expressaram sua repugnância em relação às palavras e às expressões do terrorista.

Tom Brokaw, da NBC, falou sobre o "orgulho perverso e deformado" de bin Laden. Dan Rather, da CBS, comentou seu "sorriso nojento e cruel". Jim Stewart, da CBS, deduziu que o vídeo prova a culpabilidade de bin Laden. "É o sonho de qualquer procurador-geral tornando-se realidade", disse Stewart.

A qualidade do vídeo e a competitividade das emissoras provocaram diferentes atitudes na forma de lidar com o assunto. A ABC, por exemplo, recebeu a cópia completa antes das concorrentes, podendo assim adiantar a fita até seu ponto mais dramático e mostrando bem menos imagens que a CBS e a NBC. A fita inteira tem quase uma hora de duração, de acordo com David Bauder [AP, 13/12/01].

A al-Jazira competiu com todas as outras emissoras americanas pela transmissão das imagens assim que foram disponibilizadas para a ansiosa audiência árabe, de acordo com Charlene Gubash [NBC News, 14/12/01]. Não faz muito tempo, a emissora deixou os EUA furiosos ao transmitir discursos de Osama bin Laden exclusivos e sem cortes, nos quais o terrorista critica sarcasticamente o Ocidente e incita muçulmanos a lutar. Agora, pela primeira vez, transmitiu o mais recente vídeo de bin Laden com a benção dos EUA.

A emissora árabe fez algo que frustrou os que procuravam evidência concreta de que bin Laden é o culpado pelos ataques terroristas. Durante a transmissão, a al-Jazira exibiu entrevista com Hani Saba?i, radical islâmico do Egito procurado pela polícia do Cairo. Saba?i falava de Londres, onde dirige um centro de pesquisas. "Isso é prova manufaturada e forjada que não merece ser considerada evidência e não se sustenta no tribunal", disse Saba?i, pondo em dúvida se os dois árabes que conversavam no vídeo eram mesmo bin Laden e Ayman Al Zawahiri. "Osama bin Laden é diferente. Seu rosto é mais magro, seu cabelo mais grisalho. O rosto de Zawahiri era mais redondo, e agora está diferente."

Quando a fita chegou ao fim, a al-Jazira deu a Washington o mesmo espaço. Christopher Ross, ex-embaixador dos EUA na Síria e porta-voz da Casa Branca no mundo árabe desde 11 de setembro, deu a perspectiva americana, com a vantagem de ser fluente em árabe e não precisar de tradutor.

Uma programação especial da al-Jazira trata agora do futuro do Afeganistão e da região. No entanto, qualquer que seja o assunto, a discussão sempre acaba se direcionando à maior superpotência do mundo. Num debate no talk show The first war of the century, islâmicos, inclusive Saba?i, afirmaram que os EUA não aprenderam sua lição no Vietnã. Outros afirmaram que apenas pequena parte dos afegãos fiéis a bin Laden estava em Tora Bora. O resto, disseram, está em outros redutos nas montanhas ou fugiu do país. Todos os participantes concordaram em que bin Laden lutaria até morrer e outros o substituiriam.