Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

"Sem limite", copyright Folha de S. Paulo, 25/01/02

"A prefeita petista Marta Suplicy foi cercada por jornalistas, que não se continham diante de seus três seguranças. Ela aumentou sua escolta? Foi ameaçada?

Mais irritada do que de costume, a prefeita saiu chamando a mídia de ?paranóica?, na Jovem Pan. Talvez paranóica não seja a expressão adequada.

As especulações, os desmentidos, as contradições -a mídia está fascinada pelo crime.

Um exemplo é o homem preso em Minas, embriagado, e que falou uma coisa, depois outra, depois voltou atrás.

Desde o início da noite de anteontem, quando a prisão foi anunciada, seu vaivém é seguido em detalhe pelos telejornais. Ontem à noite, ele ainda falava longamente à Globo, horas depois de um delegado ter afirmado que ele só estava mesmo atrás dos R$ 50 mil da recompensa por informações.

Parte da sofreguidão em torno da morte de Celso Daniel deve ser creditada à proliferação de programas policiais e assemelhados, no último ano.

O telespectador mais mórbido pode ver sangue da manhã à noite, nos canais abertos. Foi o que aconteceu com um empresário encontrado ontem no porta-malas de seu carro.

O Brasil Urgente, de Roberto Cabrini, apresentou o corpo ensanguentado, aproveitando para novo desabafo -com a frase ?a gente fica escandalizado com esse tipo de imagem?.

Fica escandalizado, mas explora a imagem.

Em meio ao fascínio, ao sensacionalismo, era de esperar que se chegasse ao sexo cedo ou tarde, no crime de Celso Daniel. Foi o que aconteceu ontem.

E foi ao vivo, durante a entrevista coletiva do empresário que estava com o prefeito petista no momento do sequestro. Depois de todo gênero de especulação, ouviu-se a pergunta:

– Comenta-se que o senhor teria uma relação homossexual com o prefeito?

O empresário, boquiaberto, só conseguiu dizer:

– As coisas têm limite. Isso ultrapassa qualquer limite.

Não há limite, para a mídia. De fato, pode-se conjeturar que isso é só o começo.

Para quem acha que o fascínio com o assassinato de Celso Daniel vai parar por aí, é só pegar o que aconteceu com a morte de Cássia Eller.

Depois de toda sorte de insinuação e afirmação, Globo e demais emissoras registravam ontem que não foram encontradas drogas em seu corpo.

Mas agora já é tarde e quem tinha algo a tirar de Cássia Eller, para suas agendas morais e políticas, já tirou."

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"O suspeito", copyright Folha de S. Paulo, 24/01/02

"O que já vinha se insinuando desde os primeiros dias, na TV, foi escancarado. O empresário amigo de Celso Daniel, que estava com ele no momento do sequestro, virou ?suspeito?.

?As contradições são muitas?, dizia um apresentador, na Bandeirantes, sublinhando -e talvez exagerando- as diferenças entre o que o empresário disse em seu depoimento e o que os peritos teriam encontrado.

Do Jornal Nacional ao Jornal da Band, passando pelos demais desde o início da tarde, foi o enunciado mais repisado.

O efeito da bateria de ?contradições?, repetidas na TV, é que os governos tucanos deixam de ser o foco imediato -que vai para eventuais divisões dentro do Partido dos Trabalhadores.

Como o monopólio da informação, nas investigações do sequestro, é dos mesmos governos tucanos, todo cuidado é pouco. Até para não engolir o que já foi servido pela TV num sequestro anterior, de Abilio Diniz, usado à farta -com fins políticos.

De um perito do Instituto de Criminalística, ouvido na Jovem Pan, ao governador Geraldo Alckmin, ao vivo no Cidade Alerta, passando pelo porta-voz de Fernando Henrique e até mesmo por novos comerciais do PSDB, só deu um lado, ontem na televisão.

E ninguém se saiu melhor do que o novo secretário de Segurança Pública. Ele falou ao vivo, direto do estúdios paulistas, em dois telejornais da Globo. E no fim da tarde saiu com a ?bomba? da prisão, pela polícia de Minas Gerais, de um ?suspeito? de participação direta no sequestro e assassinato de Celso Daniel.

Mais importante, talvez, o dia todo a televisão registrou ?perseguições? de sequestradores, a ponto de a Globo sublinhar que o esforço das polícias paulistas já está resultou em ?pelo menos seis? prisões.

É quase uma declaração de apoio à ?guerra? declarada por Fernando Henrique e pelo presidenciável José Serra.

Quem os tucanos poderiam cogitar tirar da televisão, por uns tempos, é o governador Geraldo Alckmin.

Por melhores que possam ser as novas medidas contra a violência que ele anunciou ontem, já é a terceira vez em que ele anuncia medidas contra a violência.

Não é hora de fazer exploração política em cima da dor e da brutalidade.

Não vou transformar essa tragédia numa discussão política."

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"FHC e o crime", copyright Folha de S. Paulo, 23/01/02

"?Photo-op? é uma expressão que se usa para descrever a cena armada para ser reproduzida como imagem. De campanha política ou de algum evento de celebridades, é o que alimenta a televisão, os telejornais, diariamente.

A ?photo-op? de ontem era de Fernando Henrique com Lula. Dos velhos companheiros do final dos anos 70, tornados hoje os adversários maiores na política do país.

Por mais que as declarações dos últimos dias justificassem assim o encontro de ambos, não foi uma reunião executiva, para tratar da estratégia de enfrentamento da violência.

Para FHC, diante da tragédia do assassinato de Celso Daniel, foi uma maneira de dizer ao mundo que ele está solidário com os petistas.

Que os tucanos podem não ter reagido quando das primeiras denúncias, mas partilham a dor dos adversários. Que não estão do lado oposto.

Assim como não foi o bastante ele ter surgido no domingo, falando do crime na televisão, também agora a imagem ao lado de Lula não bastou.

Como também não bastou a outra ?photo-op? do dia. O desastrado encontro de Raul Jungmann com o líder sem-terra José Rainha Jr. terminou com o ministro reclamando do desrespeito à sua ?autoridade?.

Imagens sobre imagens não bastaram -e o presidente da República precisou aparecer num segundo e raro pronunciamento, a tempo de ter suas declarações editadas no Jornal Nacional.

Ao vivo nos canais de notícias e, em parte, no Jornal da Record, Fernando Henrique já não se perdeu na retórica, como no domingo. Estava sério, quase abatido -e sublinhou mais do que o esperado a possibilidade de crime político.

Por mais que as imagens de Fernando Henrique com Lula e do pronunciamento tenham sido exibidas sem economia pelos telejornais, uma outra ganhou primazia.

Foi transmitida ao vivo pelo Cidade Alerta e pelo Brasil Urgente, programas policiais, e voltou depois nos telejornais. Era a chegada da Blazer incendiada, supostamente aquela usada pelos sequestradores de Celso Daniel.

Mais do que as especulações, as decisões, mais do que o jogo de cena de Fernando Henrique, foi ela a ?photo-op?.

O Jornal Nacional e as Globos bem que se esforçam para destacar mais o blecaute do que a cobertura do assassinato do prefeito, mas desde anteontem já estavam sozinhos."