Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

"NO AR", copyright Folha de S. Paulo

"1/03/02 – Nova realidade

"O Bom Dia Brasil abriu a quinta-feira anunciando que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado votaria a emenda derrubando a decisão da Justiça Eleitoral.

Passaram-se algumas horas e a Globo News avisou:

– Não houve quórum para votar a emenda.

Faltaram os pefelistas e os tucanos, pelo que se registrou. Sinal de que gostavam da decisão, afinal.

Mais algumas horas e os petistas diziam que, já que os governistas estavam resistindo, era preciso aceitar a ?nova realidade? e trabalhar com ela -sinal de que não desgostavam tanto da decisão.

?Nova realidade? foi a expressão do Jornal da Record para descrever o vaivém de discursos e ações, passado o momento de ?fechar a avaliação de perdas e danos?.

Na nova realidade, José Serra finalmente deu sua opinião. Para ele, o beneficiado seria Lula, que não tem aliança e poderá negociar com as forças de esquerda prejudicadas, como o PPS de Ciro Gomes.

Mas, para Ciro, na nova realidade a sua candidatura não foi prejudicada, e sim beneficiada, por já ter alianças.

De seu lado, os pefelistas soltaram nota dizendo que devem manter a candidatura Roseana até o fim e que apóiam medidas que suspendam a decisão -embora não tenham aparecido na comissão do Senado.

E mais: para os pefelistas, beneficiado mesmo seria o PMDB, que não apoiaria mais ninguém, nacionalmente, e seria então disputado nos Estados -o que, na verdade, prejudicaria o PSDB e favoreceria o PFL.

Essa tresloucada ?avaliação de perdas e danos? não parou por aí.

O PMDB, segundo a Jovem Pan, só decidirá o que fazer na semana que vem, depois das visitas às ?bases?. Segundo um senador peemedebista, ?é lá que o problema vai aflorar?.

A barafunda, portanto, continua. Com uma diferença, ontem: a sensação de que, apesar das declarações, das notas, muitos fecharam contas de ?perdas e danos? bem baixas. Alguns até de lucros.

O que ninguém questiona é que Garotinho perdeu. Sem coligações apesar da mise-en-scène cotidiana, ontem com Michel Temer, ele se agarra aos micropartidos na TV.

Foi o que fez anteontem, num programa do PT do B, e ontem, num do PST, ambos de produção luxuosa.

A estratégia é idêntica -uma sequência, pode-se dizer- àquela que levou Collor à vitória, em 1989.

28/02/02 – Interesses diversos

"O ?golpe?, como qualificou Garotinho no Jornal Nacional, causou menos revolta do que barafunda.

A reação, no mais das vezes, foi de vozes pouco determinadas. É como se as contas de prejuízo ou lucro eleitoral não tivessem sido fechadas a tempo.

?É muito estranho? foi o que conseguiu dizer o petista José Dirceu. É um ?casuísmo?, afirmou a pefelista Roseana Sarney, ao mesmo tempo em que o PFL dizia à Globo que, por enquanto, não vai reagir.

?Está causando polêmica?, repetia a Globo News durante o dia, sem convicção -e apresentava como grandes opositores da ?verticalização? governistas como o ministro da Justiça e o presidente do Senado.

FHC, da Europa, não escondia sua satisfação com a ?reforma política? enfim iniciada. Itamar Franco, de Minas, disse coisa muito parecida.

Nas manchetes dos telejornais, outros assuntos ganhavam prioridade sobre o ?golpe?, como o avanço da dengue no Recife. O próprio Lula deu mais atenção ao seu ?sistema único de segurança?, que também foi para as manchetes.

Até Ciro Gomes ficou distante da violência retórica costumeira. No Jornal da Band, disse que a decisão foi ?temerária?.

O pedetista Miro Teixeira, que fez a consulta à Justiça Eleitoral, comentou, diante da ameaça no Congresso de passar por cima da decisão, mudando a Constituição:

– Mas isso (a verticalização) não prejudica nem beneficia quem quer que seja.

Pelo sim, pelo não, questionou-se a decisão, mas sem excessos. Em meio à confusão, o âncora Boris Casoy surgiu sorrindo no Jornal da Record:

– A medida é corretíssima. Mas ela contraria interesses diversos…

Quando José Serra criticou seu trabalho no Palmeiras, o treinador Luiz Felipe Scolari esteve próximo da grosseria, na resposta ao agora presidenciável.

Chegou a vez de FHC. O presidente pediu Romário, não conseguiu e ainda ouviu o desdém de Scolari -com um guaraná Antarctica na mão:

– Tem 170 milhões de técnicos. Ele (FHC) está entre os 170 milhões.

O apresentador da Jovem Pan e da Record, Milton Neves, ligou pedindo para registrar que, no programa em que declarou que ?a democracia está cheia de ladrão?, ele também disse que o ex-presidente Médici ?foi um torturador e está ardendo no fundo dos infernos?.

27/02/02 – Futebol e democracia

– A democracia está cheia de ladrão.

A observação, ouvida ontem na Jovem Pan, é do comentarista de futebol Milton Neves, também da Record.

Saiu do nada, ou ainda, saiu em meio a uma comparação de Fernando Henrique com o general e ex-presidente Emílio Médici, por conta da defesa da convocação de Romário.

Médici, garantiu o comentarista, jamais convocou o centroavante Dadá Maravilha, como se costuma dizer sobre a Copa do Mundo de 70.

Veio daí o comentário. Que pode ter havido tortura, perseguição, mas Médici não convocou Dadá. E ?a democracia está cheia de ladrão?.

Para registro, não foi a primeira vez que o comentarista falou coisa do gênero.

Semana antes, já havia defendido a contratação do treinador Carlos Alberto Parreira para diretor de seleções ou coisa assim, por ser militar -e avesso à corrupção da democracia.

O papa falou do risco para a democracia na Argentina. Agora foi a vez do FMI, que segundo a Globo reconheceu que a democracia está em risco, mas manteve a decisão de não liberar dinheiro.

E ontem a Band News noticiou, de Buenos Aires:

– Balas de borracha, gás lacrimogêneo… 300 pessoas estavam pedindo comida diante de dois supermercados… Mulheres, crianças, idosos… Sinal de que uma nova explosão social está prestes a ocorrer.

Também ontem, a CNN noticiou laconicamente:

– Um quarto militar venezuelano exige a renúncia de Hugo Chávez.

É como se existisse uma vontade, um desejo de destruição da democracia.

Fidel Castro, o ditador, foi anteontem à televisão cubana e falou durante duas horas sobre a epidemia de dengue.

Excedeu-se na paranóia, ao insinuar que a doença teria retornado ao seu país por ação dos Estados Unidos:

– Digo ao nosso povo, digo aqui, que nós sofremos dezenas de ataques biológicos.

Seja o que for que use, como retórica, para se sustentar no poder, as agências de notícias registram que por lá a dengue vai regredindo, com o combate maciço ao mosquito.

Castro permitiu-se até dizer que em Cuba o combate vai bem melhor do que em outros países, como El Salvador e o Brasil.

Morreram duas pessoas de dengue em Cuba. Por aqui, anunciou-se ontem a vigésima morte, só no Rio."