Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

"No Ar", copyright Folha de S. Paulo

12/04/02

O pretexto

Inocêncio Oliveira deu a deixa, falando ao Jornal Nacional:

– Nós deixamos a seu critério saber o momento próprio de dizer ao partido se quer ou não manter a candidatura.

No registro mais direto da Jovem Pan, ?Inocêncio dá um basta e diz que espera a renúncia de Roseana?.

A ficção de que Roseana Sarney ainda é candidata, pelo que a Globo indica, será mantida só até a decisão do Supremo sobre a ?verticalização?.

Na avaliação de Franklin Martins, que agora dirige a rede em Brasília:

– O PFL vai esperar a decisão do Supremo na semana que vem, confirmando ou derrubando a chamada verticalização. Seja qual for a decisão, ela dará o pretexto para o partido arquivar a candidatura de Roseana.

Até lá o PFL não tem como saber o que fazer, ele que se tornou ?a noiva mais cobiçada?, segundo Inocêncio. Depois, poderá unir-se a José Serra, Ciro Gomes ou ninguém.

Até lá, de outro lado, não sai o vice peemedebista de Serra nem o vice de Lula. Até lá Garotinho não desiste. Até lá Ciro pode contar com o PTB.

Câmeras e esperanças estão todas voltadas para o relutante, lento Supremo.

Enquanto a decisão não vem, os tucanos saem falando que os abraços dos pefelistas são definitivos -e pefelistas avisam que não é bem assim.

Para Geraldo Alckmin, recém-chegado de encontro com FHC, a crise acabou e seu partido ?espera a volta do PFL?.

O presidente e seus líderes já falam em aprovação rápida da CPMF na Câmara. O líder do PSDB no Senado vai na mesma linha.

Não tão depressa, avisou o líder do PFL no Senado. Ele prometeu as mesmas emendas e a mesma tramitação lenta do início da retaliação.

FHC, depois de conseguir da Polícia Federal que adiasse o depoimento de Roseana, saiu dizendo ao JN:

– O governo nunca procurou nem apontar o dedo nem proteger quem quer que fosse. Quem quer que fosse!

A exclamação é significativa.

A quem interessar possa.

A edição das entrevistas de Serra, Ciro e Lula, no JN, ocupou exatamente o mesmo tempo nos últimos três dias: dois minutos e 52 segundos.

A diferença é que Ciro foi questionado diretamente pela entrevistadora, por três vezes. Serra e Lula, não.

11/04/02

Conversa franca

Bem que Jorge Bornhausen e Cesar Maia, ainda descritos como cúpula da campanha de Roseana, se esforçaram em dizer que a lista de Jorge Murad encerrou o assunto.

Bornhausen chegou a falar, com ironia fora de lugar, que também contribuiria para uma campanha de seu filho. E voltou a ameaçar represália, no Jornal Nacional.

Maia se disse satisfeito com os parentes e amigos dados por supostos doadores -a expressão ?supostos? esteve em toda parte. Foi além e garantiu, na Jovem Pan, que Roseana caiu tudo o que tinha que cair, nas pesquisas, e só tem a crescer.

Mas era palpável o desencanto do PFL. Por exemplo, na nota da Executiva aos parlamentares e filiados, prometendo uma ?conversa franca e esclarecedora sobre as eleições?, via satélite, para daqui a duas semanas.

Até lá, vão buscar o que dizer.

O JN começou o serviço anteontem, dizendo coisas como ?o ato que concedeu a pensão vitalícia foi assinado no último dia do mandato de Garotinho?, mas ontem foi pior.

?Nem todos aceitam?, relatou William Bonner, mostrando que Pedro Simon recusou a pensão de ex-governador.

Para piorar, na entrevista em que anunciou que desistia dos R$ 9.600, Garotinho acusou o JN de não noticiar quando ele autorizou a quebra de seu sigilo. Foi desmentido na hora, com imagens.

Fechando o dia difícil, seus comerciais voltaram com promessas de um tal ?cheque-cidadão? -que não foi um bom contraste aos R$ 9.600.

Os bispos católicos, como destacou a Globo, iniciaram mais uma reunião para ?debater a participação nas eleições?. E mais uma vez dizendo que os presidenciáveis têm que ?ter um compromisso muito forte com o social?.

De público, a Igreja Católica age como se Lula, primeiro nas pesquisas, não estivesse atrás de acordo com a Igreja Universal. E como se Garotinho, terceiro, não sustentasse sua campanha no fervor evangélico.

Colin Powell mostrou na CNN que não foi só procrastinação o seu interminável caminho para Jerusalém.

A ?photo-op? ao lado do secretário-geral do ONU e dos representantes da União Européia e da Rússia não poderia ser mais expressiva.

Ato contínuo, uma ?fonte? ligada a Ariel Sharon disse à CNN que foi dada ?luz verde? para Powell encontrar Arafat e que as tropas deixam o local antes de sua chegada.

10/04/02

Grande acordão

Roseana Sarney seguiu o pai e foi para o confronto com o ?presidente eleito?. Não com José Serra ou Aloysio Nunes Ferreira. Com FHC.

Num novo comercial, nem de longe com a luxuosa produção de Nizan Guanaes, uma animação amadora apresentou o monte de dinheiro dela comparado a um monte bem maior, do ?presidente eleito?.

Dizendo ser ?hipocrisia? negar que uma campanha envolve dinheiro, a ainda pré-candidata do PFL apelava:

– Eu mereço continuar nesta luta, eu nada fiz de ilícito.

Num outro novo comercial, o olhar inchado, a ausência de sorriso, a voz fraca foram ainda mais flagrantes -enquanto ela dizia que é mais ?importante? escolher quem vai cuidar do país do que uma mãe cuidar da vida do filho.

Guanaes jamais cometeria tantos erros numa única inserção.

Enquanto isso, o advogado de Roseana surgia dizendo que o R$ 1,34 milhão veio de ?oito pessoas físicas?.

Com ironia, Boris Casoy comentou que os oito ?podem até? ter contribuído.

Nem Bornhausen parece mais ter paciência com as ações do marido de Roseana. Questionado, disse que ?o PFL não considera Jorge Murad problema seu?. É problema dela.

Se Roseana partiu para o confronto, o PFL abraçou o PSDB. Foi uma das cenas na TV, do líder Inocêncio Oliveira abraçado ao líder Arthur Virgílio.

Pefelistas como José Carlos Aleluia diziam que hoje a legenda deve voltar a votar. E o negociador de FHC elogiava a ?boa vontade? do PFL.

Sobrou para Lula reclamar do ?grande acordão?, expressão dele, temeroso de um ajuste de bastidores feito ?para esquecer a imagem do dinheiro?.

Sobrou para Lula reclamar, mas também para Miguel Reale Jr., o ministro da Justiça. Ele deu entrevista à CBN de manhã, dizendo lamentar que ?tomaram a questão como política e o prejudicado foi o país?.

Disse mais, talvez sob o choque da intervenção política que fez a Polícia Federal adiar o depoimento de Roseana: que a busca de foro privilegiado pela pré-candidata e por seu marido é admissão de culpa.

Foi o bastante para o presidente do PSDB sair dizendo que ficasse quieto, que não se metesse. O mesmo fez, do outro lado, o presidente do PFL.

E todos chegaram ao fim do dia acordes.

09/04/02

Clientes de Duda

Lula, a certa altura do programa do PT:

– Você, que tem a sua terra e produz, saiba que um governo do PT não vai tolerar desrespeito à sua propriedade.

Lula, na sequência:

– Vamos louvar todos os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

É o Lula de Duda Mendonça, entenda-se logo.

Ele surgiu sorridente e engravatado, ao lado do sorridente e engravatado José Genoino, candidato a governador.

Era o Genoino de Duda. Sem um fio de barba fora do lugar, ele entrou num carro e, na trucagem, recebeu bala. Foi protegido pela blindagem.

É o PT dos clientes de Duda -que não toleram desrespeito à propriedade, que defendem o pagamento da dívida externa e que, como Paulo Maluf, fazem o discurso do medo para oferecer segurança.

Nos comerciais, nos clipes, o talento de sempre de Duda para a emoção -e a despolitização. Um verso:

– É só você querer que amanhã assim será.

Nem precisa participar, lutar. É só votar no Lula.

A Polícia Federal intimou Roseana Sarney, finalmente, para depor na investigação do escândalo Sudam.

Ato contínuo, na Band News, ?Jorge Murad é de novo secretário e tem foro privilegiado?. Ato contínuo, Jorge Bornhausen ordenou que o PFL não deixe passar votação nenhuma no Congresso.

Qualquer hora alguém vai confundir obstrução de votação com obstrução de Justiça.

– Você não acha que seria mais importante ir primeiro para Jerusalém?

Era o rei de Marrocos, com irritação, mas também com ironia, para o secretário de Estado americano, que resolveu dar uma esticada em seu país na viagem sem fim que faz até Jerusalém.

É tão desabrida a encenação de George W. Bush que ele próprio precisou vir a público ontem, na CNN, e dizer:

– Eu quis dizer o que eu disse a Sharon.

Quer dizer, que Sharon ordene a retirada das tropas ?sem demora?. Ou melhor, segundo Powell, na NBC:

– Sem demora quer dizer agora.

Sem demora ou agora, o que a encenação de Bush exige é que ?comece? a retirada.

Foi o que fez Sharon. Encenou um início de retirada, com um assessor seu dizendo à CNN que ?uma ou duas? cidades seriam abandonadas."