Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

"No Ar", copyright Folha de S. Paulo

"3/5/02 Efeito Lula

Duda Mendonça pode embrulhar Lula como quiser, para presente, que não adianta. Primeira manchete do Jornal Nacional:

– Mais um banco estrangeiro recomenda redução de investimentos no Brasil por causa da liderança de Lula nas pesquisas. O dólar sobe. A Bolsa cai. E o risco Brasil aumenta.

É o ?efeito Lula?, segundo a Jovem Pan -que citou também ?rumores no Nordeste? de que Ciro Gomes está para desistir e se candidatar a governador, favorecendo o petista.

Mas não é só em relação a Lula que vêm más notícias do exterior. O governo americano pressiona o brasileiro, do FHC tão questionado pelos nacionalistas em campanha, de modo obstinado. Ontem mesmo, aprovou no congresso novos subsídios que lesam o Brasil.

A Rede Globo está preocupada. Depois de produzir uma campanha sufocante contra os produtos ?piratas?, a emissora reagiu surpresa à ameaça de retaliação dos EUA, caso o Brasil não se esforce na repressão aos mesmos ?piratas?.

Deu destaque à resposta do secretário da Receita, Everardo Maciel, no JN.

Deu destaque, por outro lado, do Jornal da Globo até o JN de ontem, ao editorial do ?Financial Times? -de crítica aos bancos estrangeiros que rebaixaram a recomendação da dívida brasileira.

Deu destaque às ?dezenas de brasileiros que todos os dias são impedidos de entrar nos Estados Unidos?.

Deu destaque atrasado até ao golpe na Venezuela -que ?deixou muita gente preocupada, depois que o ?New York Times? levantou a possibilidade de o governo americano ter apoiado e talvez orquestrado o golpe contra o presidente democraticamente eleito?.

No sumário de um professor da PUC do Rio ouvido pela Globo, sobre o tema:

– A questão central passou a ser o recurso crescente à força para reafirmar os interesses americanos em qualquer região do mundo.

Sobretudo aqui, no quintal.

Na semana em que Lula é mais questionado por bancos estrangeiros, Ciro viajou a Washington para falar a ?uma platéia de 200 executivos, parlamentares e autoridades do governo americano?.

Lá, segundo o Jornal da Record, ?criticou Lula? por não ter apoiado o Plano Real.

Já Anthony Garotinho, no Rio, recebeu correspondentes estrangeiros para dizer que o Brasil pode enfrentar uma crise similar à da Argentina -e para dizer, segundo a CNN, que ?o Brasil deve assumir e respeitar? a dívida externa.

2/5/02 – Atos-shows

Lula não tinha o milhão ou mais reunido pela Força Sindical, então tratou de ir para todo canto, no feriado em que trabalhou como nunca. Do Jornal da Record:

– Para cumprir o horário, foi até de helicóptero.

Começou na Igreja Matriz de São Bernardo do Campo, como cobriu a CBN.

Seguiu para o Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, onde foi saudado como ?o homem que já é o presidente? e tentou conter o ?salto alto?, na expressão de FHC. De Lula:

– Não tem nada ganho ainda.

Mas ele mesmo tratou de criticar Celso Lafer, segundo a Jovem Pan, dizendo que o ministro tem que parar de ?dizer bobagens? -a bobagem é dizer que Lula não vai vencer.

Não parou aí a peregrinação pelos ?atos-shows?, como designou a Globo News.

Da zona sul, voou para a zona leste, para São Miguel Paulista, seguindo por fim, à noite, para o Paço Municipal de Santo André, de volta ao ABC.

E não ficaria lá. Seus compromissos terminavam na zona sul do Rio. Para fechar o dia de trabalho de Lula, um jantar na casa de Gilberto Gil.

Nos ?atos-shows? da CUT havia ?rock, samba, pagode?. Na ?festa? de Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical, para Ciro Gomes, havia muito mais. Das Globos:

– A festa não se limitou às atrações musicais. Houve sorteio de carros, apartamentos. E as pessoas puderam usar vários serviços: tirar identidade, receber consultas, cortar o cabelo. Até dentista de graça.

Isso tudo para Ciro falar uns poucos minutos, correndo para não ser vaiado pelo público que só queria era o show.

Show que não veio sem antes Paulo Pereira da Silva, que quer mais do que Antonio Rogério Magri, ?pedir votos para Ciro?. Mais um que trabalhou muito no Dia do Trabalho.

Sem Força e CUT, Garotinho apelou aos evangélicos.

Os telejornais mostraram o socialista num palanque, falando a centenas de pessoas em outra ?festa?, não do Dia do Trabalho, mas ?gospel?.

Quanto a José Serra, só o Jornal Nacional para achar uma cena dele em meio a trabalhadores, em Duque de Caxias, no Rio.

30/4/02 Duas ou mais versões

Era um evento da Força Sindical, relacionado supostamente ao Primeiro de Maio.

Seu presidente, Paulo Pereira da Silva, que se quer o Antonio Rogério Magri de Ciro Gomes, anunciou o primeiro candidato do dia -Ciro Gomes- como ?presidente?.

Mas quem roubou a cena foi Lula, que num tempo distante foi metalúrgico.

Ele ficou de pé como se estivesse comandando uma assembléia sindical, cada vez mais à vontade nos ternos de Duda Mendonça. E falou com a segurança de quem comanda, pesquisa após pesquisa, a corrida presidencial.

?Foi o mais aplaudido?, como disseram as rádios e comprovou o Jornal da Record.

Falou daquele jeito, atacou os juros altos, criticou até os programas de TV que ?ensinam a matar?. Enfim, fez da festa da Força Sindical uma manifestação do PT.

Do outro lado, José Serra ?chegou a ser vaiado? ou quase, quando disse que existe remédio grátis no Brasil, só que ele não chega aos doentes -e ainda insistiu, como se quisesse convencer os presentes.

Anthony Garotinho, num populismo mais desenfreado, prometeu de tudo um pouco, de aumento no salário mínimo a uma secretaria de segurança pública federal.

Ciro, em dia de mais uma pesquisa desfavorável, apelou de vez ao posar ao lado da atriz Patrícia Pillar -e atacou Lula. Declarou acintosamente que a eleição do petista seria ?uma temeridade?.

Lula, que falou depois, deu de ombros. Fez ironia.

Na edição do Jornal Nacional, que é a versão que importa, Serra falou primeiro e foi incisivo sobre segurança.

Ciro foi mais vago, mas foi enquadrado longamente pela Globo ao lado da atriz, que é do elenco da emissora.

Lula aparentou, nas cenas escolhidas, a tensão e a dissimulação de um comício.

O JN não reproduziu os aplausos ao petista nem as quase vaias ao tucano.

O pefelista presidente da Confederação Nacional dos Transportes, Clésio Andrade, nem fez questão de explicar direito o que Silvio Santos estava fazendo na pesquisa da entidade, divulgada ontem.

Foi logo afirmando que o empresário e animador de auditório é a ?salvação do partido?. Do pefelista pesquisador, na Jovem Pan:

– É a única opção para alavancar o partido novamente. Sem ele, fica difícil."