Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

“No ar”, copyright Folha de S. Paulo

09/08/02 ? Do rouco ao brejo

– Ciro Gomes disse que seria o último a atrapalhar o esforço dos negociadores brasileiros.

Era o Jornal Nacional, anteontem, no esforço de retratar a aceitação pelos candidatos do acordo fechado com o FMI. Mas não foi bem assim. Quem mostrou melhor o quadro foi a rádio Bandeirantes:

– Ciro, que de manhã havia acenado com apoio às negociações com o FMI, à noite alegou rouquidão para não falar do desfecho.

Ontem, dia seguinte, Ciro continuou ?rouco? para o assunto. Não queria de maneira nenhuma aparecer na televisão dando apoio ao acordo.

Lula, que anteontem evitou comentar, ontem saiu em apoio ao acordo quase com o entusiasmo de José Serra. Chegou a ecoar Míriam Leitão. Disse ela, na Globo:

– Com menos tensão econômica, o eleitor poderá votar sem espada na cabeça.

Disse Lula, na CBN:

– Agora faremos campanha sem espada na cabeça.

Serra, candidato do governo, apoiava o acordo antes mesmo de conhecer seu teor e tirou o dia para frases de efeito. À Jovem Pan, disse que ?a vaca teria sido empurrada na direção do brejo? sem o acordo.

Quanto à ?opinião pública?, vale dizer, o consenso das Globos, seguem outros dois registros de ontem.

Para Franklin Martins, ?o acordo com o FMI livra os presidenciáveis de incertezas econômicas na transição?.

Para o lendário Alexandre Garcia:

– Se os US$ 30 bilhões beneficiam o candidato do governo, há dúvidas, mas não há de que beneficiam o próximo governo. Quem não se manifestou a favor até agora ou é por desconhecimento ou é por estar em dúvida sobre a quem o acordo poderia beneficiar.

Ele errou de Collor, desta vez.

A Jovem Pan noticiou que o tucano FHC se reuniu ontem durante cerca de duas horas com o candidato peemedebista ao governo do Ceará, Sérgio Machado.

No mesmo dia, no interior do Ceará, o tucano Tasso Jereissati inaugurou comitê conjunto com Ciro -com Ciro e mais um monte de candidato do PPS de sobrenome Gomes.

O JN foi frio no anúncio, mas o gráfico da pesquisa Ibope em que a foto de Ciro apareceu com 27% e a de Serra com 11% foi uma explosão.

Já Ciro, em cenas de palanque, lembrou mais do que nunca Collor em campanha.

8/08/02 – O maduro

Lula tomou de Ciro Gomes a posição de entrevistado do dia, saltando da Rede Globo à rádio Bandeirantes e de volta depois à Globo.

A cada nova entrevista, ?Lula reforça o tom pragmático?, no dizer da rádio. Nas palavras do próprio petista, ?o PT é um partido maduro?.

Falando aos âncoras ultraconservadores das manhãs na Bandeirantes, Salomão Ésper e José Paulo de Andrade, Lula chegou a comentar:

– O Maluf diz que amadureci e que pode votar em mim. Antigamente eu recusaria, hoje não. Ele entendeu que votar em mim é a atitude sensata.

E Orestes Quércia? Lula respondeu a Ana Paula Padrão e Franklin Martins, no Jornal da Globo:

– O Quércia o tempo inteiro fez oposição ao governo.

No Globo Rural, o petista foi além e prometeu ?investimentos pesados? para a ?agricultura empresarial?.

Mais algumas entrevistas e ele ainda elogia a UDR.

Ciro vai na direção oposta. Quer mostrar que é de esquerda, ele que acredita -afirmou no debate- que ACM é um político de centro-esquerda.

Foi-se então o candidato a uma universidade em Brasília. Mas chegou e já foi vaiado, como relatou a CBN.

Questionado se apóia cotas para negros, foi contra. Afirmou que ?ninguém pode tirar o caráter meritocrático, de entrar quem tem mérito?. Um jovem negro tentou fazer uma pergunta. Ciro não permitiu:

– Dar o microfone só porque é negro, isso é demagogia. Só porque é negro, fica com peninha… Vamos seguir as regras. Discuto com você depois.

Não queria o diálogo diante das câmeras. O estudante não gostou nada do tom de Ciro, da ?peninha?, e foi embora.

José Serra demorou semanas para anunciar seu programa de governo. E errou não só o dia, mas até o horário.

No exato momento em que ele divulgou as propostas, o governo fechou o acordo com o FMI e praticamente não se falou mais de outra coisa, nos telejornais noturnos. Ou melhor, falou-se, no Jornal Nacional.

William Bonner, dizendo que ?até agora só Serra e Lula apresentaram programa?, iniciou uma longa cobertura do projeto -com atenção especial para a segurança pública e os milhões de empregos.

Mais tarde, avisou-se, haveria uma coincidente entrevista ao Jornal da Globo.

Bonner, vale registrar, fechou o JN com editorial furioso contra ?o investigador? do caso de Tim Lopes, questionando de quebra toda a polícia do Rio. É o poder em ação.

07/08/02 – O estigma

Ciro Gomes está em toda parte, do Jornal da Globo à rádio Bandeirantes, gravando até para o Globo Rural.

Na rádio, ontem, abriu o dia tentando se livrar da marca de Collor. Até Alexandre Garcia ironizou:

– Era tudo o que Ciro não queria ouvir. Collor, em pessoa, dizer na TV que ?Ciro vai bem porque se parece comigo?.

E assim Ciro, na rádio:

– Não sou parecido com Collor. As pessoas querem me agredir e me atacar.

A comparação vai tirando o candidato do sério. Para mostrar que não é um Collor 2, Ciro foi até buscar no passado distante a ligação com os que são, hoje, adversários:

– Eu era muito amigo do Serra. Já saímos juntos.

Ou então:

– Em 89 eu votei no Lula.

Mas Ciro não estava sozinho na defesa contra o ?estigma?, como ele chama.

Jorge Bornhausen, pefelista que articula sua campanha, saiu dizendo que Collor ?só quer aparecer?. Foi muito ingrato o ex-ministro de Collor.

O que levou FHC e Serra aos braços do PMDB, tirando o PFL da relação preferencial com o PSDB, foi a dificuldade no trato de temas não ?liberais? com os pefelistas no Congresso.

Ciro, agora, defende a sua aproximação com ACM e Jorge Bornhausen com o argumento anterior de FHC -de precisar de votos no Congresso para as suas reformas.

Pois bem, no Jornal da Globo e na rádio, Ciro defendeu como o primeiro de seus quatro passos num eventual governo a reforma tributária. Garante que vai ?cobrar menos do setor produtivo e arrecadar mais junto ao grande capital?.

Mas ontem Aécio Neves, presidente da Câmara e candidato ao governo de Minas, tentou iniciar um esforço para uma ?mini-reforma tributária?. Quer acabar com a cumulatividade de impostos e desonerar exportações.

E Inocêncio Oliveira, do PFL de Ciro, vetou, afirmando que o esforço de Aécio visa somente ?fazer média com as empresas do Sudeste?.

E havia mais Ciro e suas reformas, ontem.

Ele promete reforma agrária, mas disse na rádio que a ação do MST, o Movimento dos Sem-Terra, é ?política?. Para o Globo Rural, disse que ?não podemos tolerar qualquer tipo de invasão de terras?.

Está aí o estigma.

Nem bem Ciro responde ao primeiro estigma e outro já ecoa pelos telejornais,
o de mentir.”