Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá

CRÍTICA INTERNA

“No Ar”, copyright Folha de S. Paulo

16/08/02 – Temperatura baixa

Ciro Gomes e José Serra passaram os últimos dias se preparando para o grande embate de ambos na televisão, segundo a Globo:

– Gravam programas para o horário eleitoral.

Não é só gravar, acrescenta Franklin Martins. É preciso calibrar o discurso.

É o que estariam fazendo, em reuniões -algumas fechadas- com seus gurus e marqueteiros. Daí que, agora, ?a temperatura baixou um pouco na campanha eleitoral?.

Entre estúdios e externas, sob a direção de Nizan Guanaes, o tucano avisa que atacará menos -ou menos violentamente- Ciro.

Mas ainda solta suas farpas, como na bolsa de mercadorias, ao dizer que a economia exige ?equilíbrio emocional?.

Do outro lado, Ciro estaria mostrando o tal desequilíbrio a portas fechadas. Ele até se deixa gravar para os telejornais, mas só imagens, não declarações ou opiniões. Estas saem por notas, assessores ou políticos do PPS -nada de ACM.

De resto, ele grava sem parar para a propaganda ao lado de Patrícia Pillar. Ela ?será uma presença constante?, segundo Boris Casoy -será a garota-propaganda dos pesadelos de Serra.

Ciro está sob controle, Serra está quase lá. Estão ambos em concentração para o ?jogo? da propaganda, a partir de terça. Serra, na CBN:

– Treino é treino. O jogo vai começar semana que vem.

No Ibope, pelo que destacou a Jovem Pan, os cenários para o horário eleitoral são projetados na mesma linha.

Segundo a diretora do Ibope Opinião, FHC é um bom cabo eleitoral e Serra, apesar dos 12% na pesquisa, apresenta chances de crescer com a propaganda. Quarenta e dois por cento dos eleitores ainda não sabem em quem votar.

Mais otimista do que o Ibope Opinião, só Cristiana Lôbo, da Globo News, no site das Globos. Ela e FHC, que voltou ao Jornal Nacional para questionar os ?pessimistas? e falar, sorrindo, da crise econômica:

– Não tenho dúvidas de que, a despeito de tudo o que seja turbulência, nós superaremos as dificuldades.

Cenário mais róseo que isso, só o oráculo revelado pelo site, de que ?as próximas pesquisas já devem apontar uma queda de Ciro?. E mais:

– Serra ganha eleitores com a queda de Ciro.

E Ciro ainda ?perde pontos na simulação de segundo turno? contra Lula.

Acredite quem quiser. As tais pesquisas, três delas, devem sair no domingo.

15/08/02 – Rebeldes

Não é só Ciro Gomes que traz o eco de Fernando Collor de Mello -do passado- à televisão.

Se o presidenciável cearense ainda deixa desconcertados os que gostariam de gostar dele, o próprio, o original Collor vai reavivando o temor coletivo nos telejornais.

Começou talvez com a inesperada passeata de milhares de ?caras-pintadas? em Alagoas, no fim de semana, contra o Collor original.

Levavam cartazes com expressões antigas como ?não melle o seu voto?.

Anteontem foi a vez de Ratinho, ex-parlamentar collorido, prometer de seu palco eletrônico que vai enviar um caminhão de capim a Alagoas se Collor for eleito -ele que é o líder nas pesquisas alagoanas.

Ato contínuo, Collor disse que vai pedir direito de resposta e conclamou os seus eleitores a deixar de ver o Programa do Ratinho.

O conflito subiu mais alguns degraus com uma reportagem da Globo, ontem, buscando uma vez mais tomar a si o crédito pelo impeachment do ex-presidente.

Foi buscar o presidente da UNE na época da eleição de Collor (não do impeachment), um certo Orlando Silva, que disse que a série ?Anos Rebeldes? mostrou ?para a galera nova? que era possível lutar.

Segundo a Globo, ?os caras-pintadas mostraram que era possível, os jovens foram às ruas pedir a saída do presidente, contagiaram o país e o Congresso votou e aprovou?.

E a mesma Globo conclama agora:

– Nas próximas eleições, os estudantes estarão de novo mobilizados para cobrar… É hora de assumir a responsabilidade que a juventude nunca deixou de assumir.

Collor, Ratinho, Globo: o problema de escrever sobre campanhas eleitorais na televisão há mais de dez anos é que a farsa se repete e se repete.

Ainda sobre 89 e seus personagens, Alexandre Garcia, ele mesmo, estava dizendo ontem, depois de uma outra reportagem da Globo que mostrava que o brasileiro sabe votar;

– A análise das eleições, de 88 (sic) para cá, mostram um rumo coerente do eleitor. Numa vontade coletiva, ele pressiona por mudanças para melhor. O eleitor pode ter cometido enganos, mas busca corrigi-los.

E conclama Alexandre Garcia, o eterno:

– Quem nomeia, pelo voto, tem que fiscalizar e votar.

Como ia dizendo, assistir há mais de dez anos aos mesmos personagens é um problema.

14/08/02 – Jogo de cena

Fernando Henrique, que em Brasília dizem ser um sedutor de políticos, vai levar conversa com Lula, Ciro Gomes, José Serra e Garotinho, todos quase de uma vez.

Convidou, eles relutaram, mas aceitaram -e lá estava o sedutor, ontem, cobrando deles, no morde-e-assopra. Intimou, no Jornal Nacional e nos demais telejornais, canais e rádios de notícias:

– Os candidatos têm as suas responsabilidades. Gostaria de vê-los assumindo -alguns já o fizeram- as responsabilidades perante o país.

Pedro Malan, que deve estar na reunião ao lado de Armínio Fraga e Pedro Parente, também cobrou:

– É preciso que eles mostrem claramente o seu compromisso com o país.

Os candidatos se esforçaram por representar alguma reação. Lula, como quase sempre, pediu um dia para responder. Depois falou que aceitava, mas só com ?pauta concreta?.

O petista José Dirceu apareceu para ajudar. Disse que Lula vai, mas não quer tomar parte em ?jogo de cena?.

Estão todos no jogo de cena. FHC, acuado pela crise cambial, quer fazer cena para ?acalmar o mercado?, na expressão gasta pelos telejornais.

E conversar não só com os candidatos, mas também com Míriam Leitão.

Os candidatos de oposição, de seu lado, encenam resistência não para o mercado, mas para seus eleitores.

Além de Lula, também Ciro levanta empecilhos aqui e ali. Segundo a Globo, os candidatos nem puderam fechar a reunião com o presidente da República para esta semana:

– Alegam problemas de agenda.

Ciro chegou a reclamar, algo comicamente, que ele ainda não tinha o convite oficial.

Garotinho aceitou a conversa, como todos, mas foi mais direto quanto ao seu esforço de não aparentar apoio:

– Eu não quero passar que estou em concordância com uma situação que eu sei que vai estourar.

Fernando Henrique precisa de muita conversa, mais do que em oito anos, para seduzir tantos homens.

Para Franklin Martins:

– As conversas podem ser boas para ajudar o governo a enfrentar uma transição muito delicada. Mas é evidente que não ajudam ao candidato do governo. Serra perde o discurso de que é o único preparado para pilotar o país em crise.

Serra, no JN, nem tinha o que dizer sobre as conversas. Falou que apóia. De novo.