Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson de Sá

ELEIÇÕES 2002

"No Ar", copyright Folha de S. Paulo

"24/09/02 – Café-com-leite

O início da nova rodada dos candidatos no Jornal Nacional com Ciro Gomes foi anticlimático, depois de sua grande queda.

Ele procurou encenar, como era esperado, calma e preparo -e os próprios apresentadores, a começar de Fátima Bernardes, pareciam bem pouco dispostos a jogá-lo nas cordas.

Ela perguntou se ele não havia estimulado, com suas palavras, os ataques que recebeu. Ele admitiu e só faltou pedir desculpas mais uma vez, agora também aos negros.

Mais nada de conflituoso: uma pergunta sobre segurança, outra sobre o voto obrigatório, sobre aprovação automática nas escolas etc.

A abertura para as questões levantadas pelos internautas esfriou de vez a entrevista, que deixou a sensação de passar rápido demais.

William Bonner e Fátima Bernardes sorriam, brincavam, faziam com que Ciro se sentisse à vontade -como se ele já fosse ?café-com-leite?.

Benedita da Silva, massacrada por seguidas edições do JN quando do assassinato de Tim Lopes, elogiou a cobertura da prisão de Elias Maluco, feita na última quinta.

Com a prisão, a Globo passou ao extremo oposto, distribuindo louvores não só à governadora candidata, mas aos policiais.

No Fantástico, anteontem, foram nomeados e entrevistados os ?principais responsáveis pela prisão?, Marina Magessi e Rodolfo Waldeck.

Em meio a gravações de Elias Maluco feitas pela polícia e que incriminam mais o traficante, os ?responsáveis? também elogiavam a cobertura:

– A união da imprensa com a população, com o Disque-Denúncia e com a ação de uma polícia que usa a inteligência, meu amigo, é tudo o que a gente precisa, entendeu?

Ativa em seu novo papel, a Globo cuidou de avisar durante todo o dia que o suposto assassino de Tim Lopes ?está em cela trancada por pequeno cadeado?, que ?parece frágil?. À noite, comemorou a prisão de mais um ?suspeito?.

Renascida por graça da Globo, a petista está com gana de José Serra na disputa com Rosinha Garotinho -a quem chamou de ?cara-de-pau? por mostrar como seus ou do marido idéias de origem petista.

Na propaganda eleitoral do Rio, Benedita deu números dos traficantes que teria prendido e disse que o ?ex-governador permitia a entrada de celulares?. Para completar:

– Que fique bem claro: tudo isso está acontecendo porque o nosso governo não faz pacto com o crime.

Os petistas querem os votos de Garotinho.

20/09/02 – O tempo passando

Benedita da Silva, ao vivo, à tarde na cobertura:

– O tempo passando, meios de comunicação cobrando, mas graças a Deus o Elias Maluco é preso.

O tempo passando, a Globo cobrando e a candidatura do PT desabando no Rio, mas agora tudo é diferente, após o show midiático da prisão.

A governadora diz que não tem essa:

– A segurança é importante, fundamental, mas não pode ser de uso eleitoreiro ou eleitoral, nem por mim.

Mas nem precisava mesmo ser de ?uso eleitoreiro? desabrido, por exemplo, na propaganda. Ontem, era só acompanhar os telejornais da Globo, a começar pela festa do JN para Benedita, para ver o efeito da ?derrota do poder paralelo?.

E não só Globo, ela que tanto cobrou ação contra o ?principal acusado de executar o jornalista Tim Lopes?, mas todas as redes e noticiários.

Rosinha, mulher de Garotinho que é favorita ao governo do Rio, reagiu bem mal, dizendo que a petista ?não fez mais do que a obrigação? e que o crédito é de seu marido.

A candidata petista pode até reagir nas pesquisas e passar ao segundo turno. Mas o efeito maior do que aconteceu ontem no Rio e nos telejornais talvez seja outro.

A prisão pode ser o empurrão com que Lula sonhava -e logo, quem poderia prever, para cima de Garotinho.

José Serra passou recibo de que exagerou no ataque a Lula. Nizan Guanaes nem esperou a suspensão, por ?injuriosa?, da propaganda que desqualificava o petista.

No programa tucano, não se cobrou mais diploma. A crítica se manteve, só que repetitiva -e errática, até aproximando Lula de Paulo Maluf, o que pode favorecer o petista.

O ataque ao ?despreparo? de Lula, no início da semana, deve ter apresentado a repercussão negativa para Serra tanto nas pesquisas qualitativas do PSDB quando do PT, porque o próprio petista recorreu a ele em sua propaganda.

No programa de rádio, para um público supostamente de menor escolaridade, um locutor petista dizia:

– Começou a baixaria contra o Lula. Logo Serra, que estudou e tem diplomas e que se diz tão preparado. Está merecendo um puxão de orelhas.

Mas Lula também baixou a guarda. À noite, na televisão, o programa de Duda Mendonça precisou defender o petista das acusações tucanas, sobretudo quanto aos milhões de empregos prometidos.

Sinal de que o ataque, afinal, obteve eco considerável junto ao eleitor lulista.

19/09/02 – O bruxo e o tucano

Antônio Lavareda, o bruxo das pesquisas eleitorais de FHC, entrou em cena outra vez para provar que José Serra ainda tem chance de chegar ao segundo turno.

Ao lado do próprio, ele foi o protagonista do encontro com os candidatos a senador e governador que apóiam ou dizem apoiar o tucano.

O bruxo dividiu os que votam em Lula em dois grandes grupos, um ?rígido?, outro ?soft?. É ao segundo grupo, de 6% a 10% do total de eleitores, que se dirige toda a carga antipetista da propaganda.

Não é nem caso de convencer o lulista ?soft? a votar em Serra. Basta que ele não vote em Lula -e não se transfira inteiramente para Garotinho, que hoje é visto como uma ameaça maior do que Ciro.

Apesar dos sorrisos e aplausos nos telejornais, falou a quem não parecia muito disposto a ouvir. De tucanos favoritos em campanhas para governador a peemedebistas, as declarações se repetiam, contra a antipropaganda tucana.

Os que menos questionavam eram eles, os fiéis pefelistas. Que agora retornam às ?photo-ops? de campanha, sorrateiramente -em outro lado.

Ciro está empatado em terceiro lugar, mas já sente o que é estar em quarto.

Ele vive o inferno que Garotinho enfrentou bem antes dele, para manter a candidatura diante do avanço do voto útil cantado pelos petistas. Em seu próprio site, lia-se em destaque a seguinte frase:

– Se você quer um candidato de oposição, sério, trabalhador e bem intencionado, tem duas opções: Ciro e Lula.

Era quase um aviso prévio aos ciristas, de que o voto útil em Lula vem aí.

Em seu estilo, Ciro logo sentiu o erro e fechou o dia com um ataque extremamente violento ao petista, chegando a insinuar que a eleição de Lula levaria ao ?desgoverno?.

Para quem falava em vencer no primeiro turno, o petista deve ter se surpreendido ontem com as inesperadas agressões feitas pelos ?colegas de oposição?, como descreve.

Garotinho, que se vê com chances, ele que não está longe de Serra, anunciou que vai perguntar a Lula no que, afinal, ele trabalha:

– Um presidente não pode chegar e dizer que há oito anos não trabalha.

Como observou Boris Casoy, sob fogo de três lados, é de esperar que não seja fácil para Lula seguir com quase metade do eleitorado.

José Eduardo Cardozo, na Jovem Pan, garantiu que não sai do PT -e perguntou quem anda espalhando.

18/09/02 – Ataque e contra-ataque

O experiente Alexandre Garcia notou que ?todos os partidos esperavam estagnação do petista, mas não é o que vem acontecendo?.

Lula está envolto em ?teflon?, para usar uma velha expressão que descreve o candidato alvo de várias denúncias que não ?colam?.

Depois do espetáculo todo que foi Bangu 1, o Jornal Nacional anunciou ontem que o petista ainda avançou dois pontos ?a 19 dias da eleição?.

José Serra, do lado contrário, parece envolto em chumbo. Ele ficou ?estável?.

Há incontáveis eleições que se buscava um papel para a web. Ele foi encontrado nos sites dos candidatos. É por eles que as ?salas de guerra? falam umas às outras -e aos jornalistas. E é assim que Nizan Guanaes saiu avisando, ontem:

– Agora me sinto à vontade para contra-atacar.

A campanha se declarou livre para atingir Lula, porque foi um procurador dito ?petista? quem começou.

Na propaganda tucana, José Dirceu já surgiu conclamando a ?bater neles nas ruas?. A cena foi usada antes para incriminar petistas em agressões a Mário Covas. Quase deu certo então; tentam de novo.

E não parou aí. Escancarou-se desde a falta de preparo de Lula até, num eco do esforço anterior contra Ciro Gomes, a suposta mentira do candidato petista ao dizer que não prometeu milhões de empregos.

Lula responde pelas beiradas, ele que não admite ter inspirado o procurador contra Serra, mas já defende, pelos telejornais, a investigação.

Deve ter ouvido em casa, pois Duda Mendonça não se cansa de dizer que, se ?bater?, Lula perde. O risco é cair no equívoco de Ciro, que reagiu ao tucano nos telejornais -acreditando que evitar confronto no horário eleitoral já era o bastante para parecer bom moço.

E na verdade a propaganda petista também vem arriscando escorregar para o conflito direto. No rádio, uma voz em off imita Silvio Santos:

– Vai começar o Show dos Oito Milhões… Onde já se viu? Oito milhões?

Como se não bastasse a carga tucana, o PT não consegue mais esconder um conflito interno. José Dirceu, ontem outra vez, monopolizou a propaganda de deputado federal.

Lula quer fazer dele, de todo jeito, o mais votado. Mas o PT tem ou tinha outro favorito na área, José Eduardo Cardozo. Ontem na Jovem Pan, ?petistas? espalhavam que Cardozo deve sair do partido.

É o mesmo processo por que passaram, antes dele, Suplicy, Cristovam Buarque e até Tarso Genro. O PT tem dono."