Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

“O retorno de Serra”, copyright Folha de S. Paulo, 10/11/03

“José Serra está de volta a Brasília. Foi almoçar com Tasso Jereissati, seu desafeto histórico, e fechar a escolha para presidente do PSDB.

Nada falou -ou, melhor, só confirmou que não concorre a prefeito de São Paulo. Ouviu perguntas sobre o acordo com o FMI e as verbas para a saúde, mas não respondeu.

Garante que só fala no dia 20, já como presidente dos tucanos. Mas não é bem assim.

Falou por ele o próprio Tasso Jereissati, anunciando uma ?oposição qualificada? do PSDB presidido por Serra.

E falaram por ele empresários que baixaram também ontem em Brasília, para dialogar com o governo petista.

Ecoando um questionamento levantado por Serra anteontem, no Rio, os empresários fizeram ?pressão para o dólar não cair?, segundo a Globo News.

Na expressão de Pedro Piva, empresário que ocupou boa parte do mandato de Serra no Senado, ?um câmbio palatável seria R$ 3, R$ 3,05?.

Segundo a cobertura, ?para Antonio Ermírio de Moraes o dólar devia valer R$ 3?.

O tema, que anteontem soou extemporâneo, não era. Serra não perdeu a sensibilidade.

A visita de Serra coincide com uma radicalização do PSDB. O mesmo Jereissati dizia ontem, na Globo, sobre novas votações no Congresso:

– O governo quer apenas que façamos número para rejeitar ou dar uma legitimidade ao seu totalitarismo fisiológico.

No dizer da Globo:

– A partir de agora, o jeito de atuar da oposição não será o mesmo. Os líderes avisaram que o governo terá problemas com as reformas e até para aprovar o Orçamento da União.

E o PT segue às voltas com seu acordo com o FMI, anunciado pelo sorriso largo do ministro Antonio Palocci.

Lula, lá na África, preferiu não falar do contraste entre as suas palavras e as decisões de Palocci. O ministro, de seu lado, deu entrevista interminável ao Bom Dia Brasil.

Achou por bem dizer que vai ?detalhar e discutir o acordo com o presidente Lula, que é sempre quem comanda?.

Duas imagens expressivas dos telejornais de ontem.

Na reunião com empresários, a cabeceira ficou dividida entre Palocci e o ministro José Dirceu, com este último um pouco mais ao centro, pouca coisa.

E, neste momento difícil para os profissionais da Justiça, um advogado achou que podia dar de dedo na presidente da CPI da Exploração Sexual. Foi preso.”

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“?Não é possível?”, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/03

“Foi constrangedor. O presidente falou -e a Globo reproduziu à tarde:

– Se tiver acordo, será apenas em dezembro. Não é agora. Até porque eu preciso chegar para ver quais são as propostas técnicas. Não é possível ter acordo com o presidente da República em Moçambique.

Vem o início da noite e a tão manjada entrevista coletiva da equipe econômica, definitivamente acrescida da equipe do FMI, anuncia o acordo.

A primeira pergunta que o ministro da Fazenda ouviu foi uma transcrição da declaração de Lula. E aí?

Não, respondeu Antonio Palocci ao vivo nos canais de notícias, o acordo está apenas sendo proposto, o Fundo ainda vai decidir se aceita depois.

Mas foi proposto, para seguir com Lula, sem o presidente ?ver quais são as propostas técnicas?. Com ?o presidente da República em Moçambique?.

Palocci acrescentou que falou com Lula. A enviada do FMI acrescentou que falou com o vice-presidente José Alencar, com o ministro José Dirceu, com Henrique Meirelles, presidente do Banco Central.

Provavelmente até enviaram um e-mail ou fax para Lula, lá em Moçambique, com as ?propostas técnicas?.

Mas não ficou nada bem. Foi como se estivessem decidindo sem Lula saber direito. Como se alguns não-eleitos estivessem no poder, não o eleito.

O constrangimento não se restringiu à frase de Lula. Palocci achou por bem sublinhar o respeito do FMI ?à autonomia da equipe econômica?.

Meirelles achou por bem sublinhar que o acordo permite alongar o pagamento dos juros, para que o Brasil ?possa sair dos acordos com o Fundo de uma forma confortável?.

Definitivamente, o acordo com o FMI não é ?confortável? para o governo Lula.

Frase do tucano Arthur Virgílio, porta-voz da oposição, reclamando da ?ditadura? que Lula deixou para trás, ao sair em turnê pela África:

– Lula viaja, Dirceu governa e Palocci manda.

É a sensação.

Virgílio é a oposição porque FHC fala pouco e é genérico, Geraldo Alckmin tem problemas em São Paulo e Aécio Neves só quer saber de Minas – e porque José Serra sumiu.

Ontem o ex-presidenciável até falou, segundo a CBN. Mas, enquanto o país estava às voltas com o FMI, Serra apontou para a necessidade de elevar a cotação do dólar. É como se estivesse em Moçambique.”

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“Guerra declarada”, copyright Folha de S. Paulo, 5/11/03

“Depois de posar com uma equipe angolana que usa uniforme do Corinthians e antes de dançar em Moçambique, Lula falou do Brasil.

Falou à sua maneira. Em reação aos ataques a policiais, afirmou que ?os bandidos têm ficado desaforados?.

E seguiu com suas obsessões. Afirmou que o crime é resistente assim porque ?tem seu braço político, seu braço judiciário? etc. E exortou: ?O Estado tem que ser duro?.

Petistas de toda ordem entraram na história. Marta Suplicy, cuja Guarda Civil foi atacada, cobrou ?ação mais rápida? do governo tucano.

O ministro Márcio Thomaz Bastos, que continua sem um secretário nacional de Segurança, ofereceu a Polícia Federal a Geraldo Alckmin.

O governador tucano demorou, demorou, mas surgiu afinal para falar dos ataques. Disse que são ?reação de desespero? motivada pelo encarceramento dos líderes em presídio de segurança máxima.

E, mais comedido do que Lula, mas não menos ameaçador, afirmou que não aceita a chantagem dos criminosos e que não vai retroceder.

Começou então, finalmente, o que o apresentador José Luiz Datena chamou de ?guerra declarada? contra o PCC. Com certo atraso, mas pelo menos com a frente unida da ordem tucano-petista.

Mais ordem tucano-petista. O líder Arthur Virgílio atacou o ?caso de amor entre governo Lula e FMI? e o ?jogo de cena? que o precedeu: a possibilidade levantada por petistas de não fechar novo acordo.

É cômico um tucano criticar o que foi feito tantas vezes pelo ex-presidente tucano, mas a ironia com o ?jogo de cena? é mais do que adequada.

Ele continua. O que se diz agora é que pode não haver novo acordo, apenas a prorrogação do atual, selado em 2002 por FHC. Mas o chefe da missão do FMI abriu o jogo:

– Não há muita diferença entre as duas coisas.

Entre um acordo e outro. Ou entre um governo do PT e um governo do PSDB.

A guerra no Iraque é um diário de más notícias para George W. Bush, mas o avanço neoconservador prossegue no front interno americano.

Agora foi a CBS que cedeu ao lobby e vetou uma minissérie sobre o ídolo neoconservador Ronald Reagan.

Foram semanas de pressão contra patrocinadores etc. E assim a minissérie vai para o cabo, para ninguém falar em censura, embora o seja.”