Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nelson de Sá

TERROR & HORROR

"TV transmite, consciente, o espetáculo", copyright Folha de S. Paulo, 12/09/01

"- É incrível. Eu pensei que estava assistindo a um filme de Hollywood.

Era Doris Tang, uma mulher comum de Hong Kong, falando à Fox News, canal de notícias concorrente da CNN.

Como ela e como Fátima Bernardes, que abriu e fechou o ?Jornal Nacional? com a mesma comparação, a TV do mundo retratou o espetáculo de ontem com a consciência de tratar-se de um espetáculo.

A idéia de que o entretenimento se mesclou à realidade, apresentada em livros como ?A Sociedade do Espetáculo? (67), ganhou ares hoje de consciência universal -dos terroristas que encenam o show de horror aos telespectadores que o assistem.

Mais até, tornou-se lugar-comum a consumir até os melhores críticos da ?sociedade do espetáculo?, como o americano Howard Kurz, do ?Washington Post?, que afirmava ontem:

– Era um filme de guerra se desenvolvendo na TV.

Era, mas já era assim na Guerra do Golfo, há dez anos.

A diferença agora é que até a mulher de Hong Kong acha que é. E ainda assim ela se entorpece e perde a capacidade de reagir diante do horror, pois tal horror, visto na televisão, tem o poder de entreter.

O ?filme de guerra? durou uma hora e meia, nas cronologias da CNN e da BBC, entre as cenas da primeira torre em chamas e a queda da segunda.

Na locução de tal espetáculo, Carlos Nascimento, da Globo, a exemplo dos âncoras da CNN, não poderia ter sido menos espetacular. Seu único instante de exaltação:

– A torre está caindo. Está no chão o World Trade Center, um dos maiores símbolos do poder econômico dos Estados Unidos. O mundo está perplexo, parado diante da TV, vendo aquilo que ninguém podia imaginar.

De certo modo, no instante em que a consciência do espetáculo se estendeu ao ponto do clichê, a televisão dá sinais de não querer ir além da realidade.

Entretenimento por entretenimento, nesse gênero que se confunde com realidade, o sequestro do animador Silvio Santos venceu o terror hollywoodiano junto à audiência brasileira (leia texto nesta página).

Talvez por isso a Globo tenha saído logo da cobertura, enquanto redes como Bandeirantes e Rede TV! apelavam:

– Astrologia explica atentado terrorista… Nostradamus coloca tragédia como estopim da Terceira Guerra Mundial.

É o entretenimento que leva ao torpor, diante do horror.

Não faltaram cenários de Apocalipse nas análises da TV, para além de Nostradamus.

Mas ontem mesmo, encerrando o dia, um calmo George W. Bush entrou ao vivo, até no Brasil, para anunciar a abertura dos mercados e dos prédios públicos, para hoje, normalmente.

E vieram as telenovelas, o esporte, os vários programas -e todo o entretenimento de ficção que faz um dia depois do outro."

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"?Você tem sido um grande líder?", copyright Folha de S. Paulo, 14/09/01

"George W. Bush chorou diante do mundo, ao vivo -ou pelo menos ficou com olhos molhados e voz embargada, diante das câmeras que ele mesmo havia chamado.

Lutando com as lágrimas, afirmava, ao mesmo tempo, que iria ?liderar o mundo à vitória?.

A expressão que ele e a TV americana (CNN pelo cabo, as outras pela internet) mais transmitiram, sem esconder a tensão, foi ?liderança?. Não há maior sinal de falta dela.

Como não faltaram críticas, desde anteontem, precisamente à falta de liderança -a começar do sumiço na terça.

Diziam alguns comentaristas, sobretudo em jornais, que o verdadeiro ?líder? na reação era Rudolph Giuliani, o prefeito, não o presidente.

Bush armou então uma cena esdrúxula, telefonando ao próprio Giuliani, sempre diante das câmeras. E o prefeito fez seu papel, dizendo sem parar:

– Naquele dia terrível em que nossa cidade estava sendo atacada, você esteve em comunicação imediata conosco, senhor presidente, e ajudou a dar segurança à cidade. Pelo trabalho que você fez para nós, seremos eternamente gratos. Você tem sido um grande líder. E nós temos recebido ordens de você e nós estamos seguindo o seu exemplo. Você tem feito um grande trabalho, senhor presidente.

O governador de Nova York, republicano como o prefeito, foi exatamente na mesma linha, no mesmo telefonema.

E não parou aí. O líder democrata, Richard Gephardt, apareceu na ABC, também de manhã, dizendo que os parlamentares ?ficarão ao lado do presidente para tomar qualquer ação que ele determinar que seja a melhor coisa a fazer?.

Mas ainda havia a mancha do primeiro dia, quando Bush sumiu de Washington -e das câmeras. Não foi bastante o anúncio de que a Casa Branca e o avião presidencial eram supostos alvos. Era preciso mais.

E então assessores da Casa Branca saíram dizendo que Bush havia expresso sua irritação com o Serviço Secreto, por tirá-lo de cena em tal hora. Ele teria declarado:

– Eu não vou deixar um terrorista manter o presidente dos Estados Unidos fora da capital. O povo americano quer ver o seu presidente e quer vê-lo agora.

Só foi ver muito tarde, na terça, depois da viagem por Flórida, Louisiana e Nebraska. Daí a sofreguidão das aparições, agora, do ?grande líder?.

De um ex-secretário de Estado, comentando na CNN:

– Só há um jeito de começar a lidar com essa gente. Você tem que matar alguns deles, mesmo que não estejam imediatamente envolvidos na coisa.

Diante de declarações assim, Ken Auletta (de ?Three Blind Mice?, um dos melhores livros já escritos sobre a TV americana) comentou com Howard Kurtz, crítico de mídia como ele:

– Suas opiniões (dos comentaristas de TV) são independentes dos fatos. Eles fazem discursos, ?nós temos que fazer alguma coisa?, e obviamente refletem uma população que está frustrada e quer fazer alguma coisa. Mas nós não sabemos quem fez isso. Nós não sabemos o que faríamos, se soubéssemos. Mas a cultura da TV é nunca mostrar complexidade.

A cultura da TV ainda é capaz de inventar uma guerra."

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"USA! USA! USA!", copyright Folha de S. Paulo, 15/09/01

"A CNN saltou na frente das outras redes e anuncia sem parar, na cobertura, a Nova Guerra da América -e não mais América sob Ataque, seu slogan anterior.

É uma forma de estimular a guerra. Guerra que, para a CNN mais do que para outras, pode ser um bom negócio.

Na terça, quando dos ataques, a CNN atingiu seu segundo dia de maior audiência nos EUA, com 5,5 pontos, menor só do que 17 de janeiro de 1991, na Guerra do Golfo, com 9,2.

A guerra seria boa notícia, por outro lado, para o canal que já divulga que os seus jornalistas são ?os únicos que continuam no Afeganistão?. Eles e os seus videofones estão ativos como nunca, preparando corações e mentes do mundo.

Ontem falavam da mensagem do líder espiritual do Taleban, aos afegãos, para não temerem uma invasão americana. Do correspondente da CNN:

– Ele afirmou que não tem medo de morrer.

É uma cobertura parecida com a que fez a fama mundial da CNN na Guerra do Golfo, com os jornalistas expostos ao perigo. Os heróis da audiência, pode-se dizer.

De todo modo, essa cobertura permite saber que a maioria dos afegãos não está fugindo pelo simples fato de ser miserável, sem dinheiro ou carro.

Essa cobertura permite saber que a mensagem do líder não foi além do rádio, porque não há televisão no país.

E é esse país medieval, feudal, o alvo da superpotência.

A histeria da TV americana, que a brasileira acompanha por inércia, bateu recorde: em seu quinto dia, está há mais tempo cobrindo ininterruptamente um único acontecimento.

O recorde era do assassinato de John Kennedy.

Em cena mostrada ao vivo até por redes brasileiras, com Bush e ex-presidentes numa catedral, o tele-reverendo Billy Graham abençoou as armas dos EUA ao usar a palavra guerra em plena cerimônia religiosa.

No estúdio da CNN, o filho de Graham chegou a dizer que, quando recomenda dar a outra face, a Bíblia fala de indivíduos, não nações.

Na outra grande cena armada do dia, trabalhadores gritavam para George W. Bush, entre os destroços telegênicos do World Trade Center:

– USA! USA! USA!

Populista, megafone na mão, Bush respondeu:

– Eu os ouço! O resto do mundo os ouve! E aqueles que derrubaram estes prédios vão ouvir de nós logo!"

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"Guerra de palavras", copyright Folha de S. Paulo, 13/09/01

"- Foram atos de guerra.

Era George W. Bush, ontem cedo, cedendo afinal às conclamações insistentes, nas redes americanas, para trocar ?terrorismo? por ?guerra? em sua retórica de TV.

É o primeiro passo. Ontem mesmo um ex-diretor da CIA queria, ao vivo na CNN, que as investigações avaliassem agora o envolvimento do Iraque.

É a sede por um ?inimigo?, que não foi saciada com as especulações sobre um grupo terrorista. Era preciso uma ?guerra?, contra um país -e não o Afeganistão, em guerra civil.

Bush já entregou a palavra ?guerra?. Falta o país.

Que ninguém pense que uma guerra serviria apenas à indústria de armamentos.

Ontem foi dia de pesquisa nas redes americanas. Na da CNN, nove em cada dez diziam que os atentados eram -exatamente- ?atos de guerra?.

No levantamento da CBS, pergunta e resposta:

– Os ataques vão levar os EUA à guerra? Sim, 57%.

Outra, arrepiante:

– Os EUA devem retaliar mesmo se forem mortas pessoas inocentes? Sim, 66%.

Repetidas por toda parte, como foram ontem, pesquisas assim têm o estranho poder de se tornar realidade.

Foram atingidos o World Trade Center e o Pentágono -e agora a Casa Branca diz que ela própria, a casa, e o Air Force One, o avião presidencial, também eram alvos.

Os terroristas não saíam do cinema, na última década. Cinema que, por sua vez, esteve obcecado pela venda dos símbolos norte-americanos.

De todo modo, o símbolo maior atingido pelos atentados, as torres gêmeas do WTC, não foram criação só de Hollywood, pelo menos no imaginário dos americanos pesquisados pela CBS: 27% disseram que haviam visitado o WTC.

Um ?símbolo financeiro? e turístico de tal monta acabou levando Hillary Clinton e o prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, a brigar pela idéia da reconstrução, ontem na CNN: primeiro ela sugeriu, minutos depois ele anunciou.

Dez anos atrás, a Guerra do Golfo apresentou, como a nova arma da televisão, a transmissão por satélite a partir de qualquer lugar do mundo -ou melhor, de Bagdá, com pouco mais do que uma parabólica.

Nesta cobertura da ?América sob Ataque?, como apelidaram a CNN e outras grandes redes, o novo armamento da televisão é o videofone.

Na verdade, ele apareceu pela primeira vez em abril, na cobertura da CNN para o choque de aviões na China.

Mas agora ele está em toda parte, do sul de Manhattan ao Afeganistão. O canal está usando todos os oito videofones que comprou. A imagem é pobre, mas o custo é baixo."

 

"?New York Times? critica presidente", copyright Folha de S. Paulo, 14/09/01

"Leia a seguir trechos do editorial de ontem do ?The New York Times? sobre ação do presidente George W. Bush:

?George W. Bush está enfrentando múltiplos desafios, mas seu trabalho mais importante é uma simples questão de liderança. O país (…) quer ver o presidente no controle, pronto para tomar decisões duras por motivos corretos.

Expressar a determinação de punir as pessoas que organizaram os ataques contra o World Trade Center e o Pentágono é importante, mas nem de longe suficiente.

O governo passou boa parte do dia de ontem tentando superar a impressão de que Bush demonstrou fraqueza por não voltar logo a Washington depois do ataque terrorista. Essa não é a questão que mais preocupa o povo (…). O que importa agora é o que Bush pretende fazer. A parte perturbadora do desempenho do governo na terça-feira foi seu gabinete ter se recusado a responder perguntas sobre os acontecimentos (…).

Bush pediu por um novo tom em Washington, comparável àquele que um país em guerra adotaria. O presidente já prometeu muitas vezes que adotaria uma abordagem bipartidária de governo, e agora é hora de honrar essas promessas (…). Bush tem de se aproximar da oposição democrata no Congresso em busca de idéias, não só de apoio (…).

Ele precisa convencer a nação de que suas decisões são inteligentes e regidas por princípios (…). Raiva é um luxo do público, que espera que o presidente exerça um julgamento ponderado.

Bush precisa demonstrar, além disso, que sabe o que está fazendo. Ele chegou à Casa Branca com o mínimo de preparo em assuntos internacionais. Isso (…) indica que o país o estará observando com certo nervosismo e esperando uma reafirmação de que as decisões presidenciais são sábias(…).

Na frente econômica, os ataques surgiram em um momento frágil. Nenhum presidente pode alterar as tendências básicas da economia usando palavras. Mas tanto Bill Clinton quanto Ronald Reagan entendiam que um presidente pode ajudar a gerar confiança (…). Bush deveria convocar empresários e especialistas para mostrar que fará o que for preciso para ajudar o centro financeiro do país a se reerguer.

Bush continua a ser uma figura incerta aos olhos de muitos norte-americanos. Suas palavras demonstraram que ele compreende bem as dimensões do desafio que ora enfrenta. Ele encontrará sua voz e assumirá a liderança quando se envolver de forma ativa e visível e deixar que, no futuro, o povo compartilhe mais de sua confiança e de seus pensamentos. Os norte-americanos estão mais do que prontos a lhe dar apoio.?"

    
    
                     
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