Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Nelson Hoineff

MANGUEIRA & JAMELÃO

“Dia das Mães e de Jamelão”, copyright Jornal do Brasil, 12/05/03

“Parabéns Jamelão, pelos seus 90 anos, hoje, no Scala. 17 vezes mais bela, o samba coberto de glória, Mangueira, Estação Primeira, tem Zica, Neuma, Nelson, Cachaça e Cartola. O que Jamelão canta não é normal, é pinto no lixo, tem que engolir, é festa na quadra e na Visconde de Niterói. Canta samba canção em Nova York, Lupicínio, Tom, Chico e o Nordeste. Canta a Sapucaí. O cenário é uma beleza! Parabéns Mangueira, 75.

Quem nasce no morro nasce em Mangueira. Quem desfila, desfila na Mangueira. São as preposições afetivas. Natural de Cachoeiro de Itapemirim. Ele é de Mato Grosso. Quem diz do Mato Grosso ofende o ouvido nativo. Talvez a exceção nacional seja Recife. Os naturais dizem ?no Ricife?. Mas o Rio, com a mídia, ensinou o Brasil a cantar: em Recife. As duas formas são legais.

Por que não existe ônibus-leito Rio-Belém? Porque são dois dias. Com tanto afeto que se encerra na viagem, o leito pode virar cama. Paixões seriam propiciadas. Fora expressões típicas, égua, o sotaque de Belém lembra o do Rio. Sérgio Sampaio homenageou Torquato Neto, lembrando o poeta no Hospício de Engenho de Dentro. Diz a letra da canção na bela voz de Luiz Melodia: ?Fui internado ontem na cabine 103, só comigo tinham dez? E mais à frente: ?A minha cama já virou leito, disseram que eu perdi a razão?. Como entender que um colchão seja a nova estrela do Domingão do Faustão, e curioso, como este colchão, de nome Castor, pode ter um logotipo tão semelhante ao da Coca-Cola impunemente? Bebo Castor e acordo Coca Cola. Ou amo na Coca Cola e arroto Castor.

Fora o dia de ontem, ser mãe é padecer no paraíso. Padece no lençol quando o bebê nasce, quando cresce – haja médico, quando vira adolescente, ai! Padece quando desaparece, toda nora é um horror. Genro, pior ainda. E padece se tem a desventura de ver um filho morrer. E se for totalmente feliz, padece porque a felicidade é como a pluma.

Um motorista de táxi, cândido ou otimista, diz: ?Rodei muito, fui a Jacarepaguá, Ilha do governador, e só vi carro. Mas o Rio está violento. Leio no jornal. Vejo na TV.? O motorista completa: ?Tenho um cunhado em Vitória, é policia, graduado. Mas ele e minha irmã morrem de medo de vir ao Rio.?

A novidade são os atentados. As vias expressas são fechadas a tiros, mas logo a polícia as reabre. Já tivemos engarrafamentos mais demorados, sem bandidos, só caos. Mas as bombas malvinas triscam hotéis. As balas marcam palácios e pontos turísticos. Quantos inocentes morreram nessa onda de atentados? Umas poucas dezenas se tanto. Estatisticamente, há 30 anos o Rio registra, por mês, número de homicídios semelhante ao do Japão e da Inglaterra, somados, ao longo de um ano. O Rio do terror já é caso para Donald Rumsfeld? E Mariana, a menina morta de manhã no Andaraí? Quem se lembra? E o pai que foi, à tarde, levar uma criança à escola Dínamis e foi morto na porta do colégio em Botafogo? E o delegado que veio de Brasília, anos 70, para uma festa no Sheraton e, no estacionamento, à noite, foi morto por um policial ladrão que ?cumpria pena? no Ponto Zero? E a capa da revista Veja, com cadáveres empilhados, indagando, há mais de 20 anos, se o Rio vivia uma guerra civil?

Nós, jornalistas, costumamos dizer que somos especialistas em generalidades, que não sabemos nada sobre uma infinidade de assuntos, assistimos a tragédias terríveis e, minutos depois, a preocupação é exclusivamente com o horário do fechamento da edição. A atividade de relatar fatos enquanto se luta contra o relógio propicia sofrimento e prazer, tendo algo de sublime na ação de cada repórter. Nesse trabalho diário de apurar e depurar notícias, ou de escrever com base também na própria experiência, a tranqüilidade profissional, quando tanta gente está em pânico com a criminalidade ou atrás da sobrevivência, e quando é hora de fechar o jornal e está tudo meio atrasado, enfim, nada dessa capacidade de resolver com simplicidade as tramas do cotidiano, entre perigos diversos, pode ser mais importante do que trazer de volta o otimismo em 2003.”

 

TV RECORD MULTADA

“Record e Raul Gil são multados por propaganda eleitoral na TV”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 15/05/03

“Em sessão plenária o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo multou, por votação unânime, a Rede Record e o apresentador Raul Gil em R$ 53.000, cada um, por realização de propaganda irregular nas eleições de 2002.

No programa Raul Gil Tamanho Família, veiculado em 6 de maio de 2002, no quadro denominado ?Para quem você tira o chapéu?, o convidado e jurado José Messias realizou propaganda eleitoral em favor de Paulo Maluf, pré-candidato ao governo de São Paulo e que tinha o seu nome figurado em um dos chapéus. Cabe recurso ao TSE.”

 

TELEJORNALISMO

“Cursinhos milagrosos”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 14/05/03

“?Esquece tudo que ensinaram na faculdade. Telejornalismo só se aprende fazendo? – Relato de um estagiário de TV.

Acho que fazer cursinho de telejornalismo virou moda ou a crise no mercado de trabalho deve estar pior do que imaginávamos. Profissionais conhecidos do nosso jornalismo de TV estão cada vez mais vinculando seus nomes a cursinhos ministrados em algumas produtoras de vídeo. Em tempos de pouca produção e grande ociosidade, parece que alguns desses jornalistas aliados a pequenas produtoras descobriram um filão bastante lucrativo para sobreviver no mercado.

Diversos estudantes de comunicação, ansiosos por dicas ou atalhos para um mercado de trabalho tão competitivo, costumam me perguntar se vale a pena investir tempo e dinheiro em mais um curso profissionalizante de jornalismo. Aqui entre nós, sempre tive muitas dúvidas em relação à seriedade da maioria desses cursinhos milagrosos e confesso minha surpresa e preocupação com a profusão de ofertas. Quase todas as semanas somos inundados com novas e inúmeras promessas que buscam seduzir jovens que acreditam que seus cursos de telejornalismo na faculdade eram muito teóricos, foram deficientes em termos de prática profissional e que os cursinhos de TJ poderiam resolver todos os seus problemas. Os anúncios dos cursinhos prometem ensinar, em poucas horas de muita prática, o que as nossas universidades não conseguem em vários semestres. O custo, no entanto, costuma ser alto mas, pelo jeito, e com muito sacrifício, os estudantes fazem outro tipo de milagre para pagar pelo privilégio. O objetivo final de alcançar o tão almejado ?televidão? vale qualquer sacrifício.

Alguns desses cursinhos estão sempre inovando e agora chegam mesmo a prometer ?recomendações? para o mercado. Tem gente que acredita. Mas, o meu interesse e curiosidade sobre o assunto me levaram a tentar investigar um pouco mais sobre o tema. Outro dia, solicitei aos responsáveis por um desses cursinhos de telejornalismo que me enviassem uma cópia do manual oferecido aos alunos como programa e material didático, para que pudesse fazer uma avaliação da proposta e do conteúdo do ?cursinho?. Fiz questão de dizer que era professor de TJ e coordenador de Laboratório de TV de uma universidade pública e que pagaria pelos custos do manual. Para minha surpresa, minha solicitação foi negada com o argumento de que o ?material? era restrito somente aos alunos do curso, que o curso era essencialmente prático, e que o manual era um trabalho simples. Resumo da história: achei melhor não insistir. Obviamente fiquei com a pulga atrás da orelha. Trata-se de uma atitude no mínimo ingênua, facilmente contornável, mas emblemático das sutilezas e dos segredos que envolvem o ensino de telejornalismo. Cheguei a comentar com alguns colegas sobre as razões que poderiam justificar a atitude e a ?restrição?. Talvez o material didático realmente não fosse muito bom, mas quase todos confirmaram que existe uma preocupação por parte de alguns professores em não revelar aos possíveis ?competidores? os preciosos e arduamente adquiridos ?macetes? de como ensinar jornalismo de TV. Pobres estudantes.

Por outro lado, a falta de material didático específico para o ensino de uma disciplina é problema recorrente em todo o ensino brasileiro, mas no caso do telejornalismo esse problema é ainda mais significativo. Afinal, podemos sempre assistir ao Jornal Nacional em sala com os alunos e instruí-los sobre as suas peculiaridades específicas, ou seja, ilustrando os manuais. Mas nunca podemos mostrar os bastidores da produção de um telejornal pela total falta de acesso aos seus segredos. Algo parecido com ensinar medicina, mostrar o cadáver aos alunos mas não poder ver o seu interior ou dissecá-lo. É claro que existem as famosas ?visitas guiadas? que, infelizmente, muitas vezes, se assemelham às visitas aos parques temáticos do gênero Simbah Safari, onde podemos ter uma visão superficial da vida selvagem de um ser desconhecido em seu habitat ?quase? original. No caso das visitas às televisões, podemos sempre ver, de longe, o desconhecido jornalista numa verdadeira redação, porém em horários alternativos, ou seja, preferencialmente quando nada esteja acontecendo. Como se diria em telejornalismo, muito esforço de produção e pouco resultado em informação!

E é neste caso emblemático que podemos analisar a relação das universidades e o ensino de telejornalismo com as grandes redes de televisão do país. Conceder visitas aos estudantes não parece o suficiente para melhorar a qualidade do ensino de telejornalismo. Ao contrário de outras grandes empresas – como a Petrobras, por exemplo – que investem maciçamente na formação de seus futuros profissionais já nos primeiros anos das universidades, que possuem centros de pesquisa em conjunto com estas mesmas instituições, o que encontramos na área telejornalística é essencialmente o ?contrário? desta relação escola e empresa. Ou seja, não só não existem parcerias de ensino na forma de estágios supervisionados por professores ou estímulo ao acesso aos mesmos equipamentos profissionais utilizados pelas emissoras de televisão, reciclagem dos professores ou participação no processo seletivo de estagiários, mas o que existe é uma verdadeira cultura de desvalorização do ensino universitário, especificamente na área da comunicação social. A universidade e especificamente seus professores de telejornalismo são, em geral, sistematicamente criticados pelos primeiros responsáveis pela avaliação e treinamento in house dos futuros profissionais por inúmeros motivos, a destacar: a falta de laboratórios modernos com tecnologia de ponta e a defasagem dos professores quanto à realidade dinâmica predominante no mercado.

Os alunos de jornalismo que ingressam neste mercado de trabalho passam a confirmar, por indução e experiência in loco, uma realidade que simplesmente suspeitavam. Estes mesmos alunos são regularmente avaliados e selecionados para ingresso em estágio muitas vezes não regulamentados por lei, por firmas especializadas em recursos humanos contratadas pelas grandes emissoras sem qualquer intervenção das universidades. Os alunos são selecionados por critérios particulares, mas baseados essencialmente em conhecimentos de cultura geral e pela capacidade de executarem tarefas em grupo, as onipresentes e muitas vezes curiosas ?dinâmicas de grupo?. As questões predominantes de cultura geral costumam sem semelhantes aos conhecimentos já super avaliados quando do ingresso dos alunos nas próprias universidades, por ocasião do vestibular. Dessa maneira, o conhecimento adquirido e acumulado nos quatro longos anos de ensino humanístico e jornalístico são muitas vezes ignorados e a prática adquirida é considerada ?insuficiente? para ser sequer avaliada. Tanto esforço para produzir pequenos ensaios telejornalísticos durante semestres inteiros para serem totalmente desconsiderados em sua contribuição na formação do aluno e na transposição deste verdadeiro ?rito de passagem? para o ingresso do futuro jornalista numa grande emissora de televisão. Trata-se, pois, no caso do Telejornalismo, de um completo distanciamento entre a prática acadêmica e a realidade do mercado. Uma total falta de participação de inúmeros professores qualificados e experientes no processo de avaliação e seleção dos estagiários para o universo do mercado telejornalístico. O professor dentro da universidade fica completamente alienado dos critérios que formalizam estas verdadeiras maratonas seletivas ou ?provas de obstáculos? para milhares de ansiosos postulantes a um lugar ao sol no tão limitado mercado profissional televisivo. Ou, simplesmente para tantos, seduzidos pelos ?encantos? do meio.

Até mesmo as universidades e suas televisões insistem em ensinar e repetir as fórmulas já desgastadas de produzir e transmitir programas e notícias. Neste ponto cabe ainda uma ressalva, segundo o Prof. Luís Carlos Bittencourt: ?…a universidade deve testar, experimentar, mas tem que preparar o aluno para o mercado também. Nem oito nem oitenta. Mais uma vez, é o que o mercado pede. Não podemos só experimentar, ou o aluno não vai entrar no mercado?.

Os cursinhos de telejornalismo não apostam na experimentação. Procuram as certezas mais lucrativas das regras comprovadas do meio e do mercado. Dentro desse quadro, a experiência também tem demonstrado que nem todo jornalista que aparece no vídeo todos os dias, famoso, conhecido de todos, com anos de profissão, inúmeros cargos de chefia em diversas redações e tantas outras qualificações seja necessariamente um bom professor. O sucesso na prática diária da profissão e a didática voltada para o ensino de telejornalismo são coisas bem diferentes. Restringir a proposta dos ?cursinhos milagrosos? a colocar a mão na massa, aparecer bem na telinha sem o necessário conteúdo ético e humanístico não só pode condenar o meio televisivo a maiores baixarias. Pode, igualmente, condenar toda uma geração de jovens a acreditar que não vale a pena estudar e que num jornalismo onde os fins e os índices de audiência justificam os meios, também os diplomas podem ser inúteis e dispensáveis. Afinal, todo mundo diz e muitos acreditam que TV só se aprende fazendo!”