Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nelson Hoinnef

DURVAL DISCOS

"O acaso não vai nos proteger", copyright Jornal do Brasil, 20/08/02

"Uma criança é abandonada numa casa em que vivem uma velha senhora e seu filho, já rapaz. Ambos passam vários dias levando a menina para a sorveteria e apresentando-a aos vizinhos como uma parente distante. Até que uma noite, vendo o noticiário de televisão, mãe e filho deparam-se com a foto da criança. Ela havia sido seqüestrada uma semana antes e a seqüestradora acabara de ser morta. A polícia estava agora à procura do cativeiro e dos cúmplices.

A velha senhora vê tudo aquilo com a menina ao lado. Não demora um segundo para decidir o que fazer:

– Vou desligar essa televisão. Só mostra desgraça!

A cena é ficcional e está em Durval Discos, um admirável filme paulista que acaba de ganhar os prêmios principais no Festival de Gramado, que terminou neste fim-de-semana. Induz ao riso, mas não deixa de remeter às inquietações de cada um de nós.

Estamos todos desligando a TV, como a personagem de Durval Discos. Não somos participantes, mas espectadores, do cotidiano que nos afeta. Assistimos a tudo – e ainda que a tragédia tenha chegado à nossa casa, não é este, mas o noticiário das oito o seu espaço natural.

O acaso vai me proteger enquanto eu estiver distraído, garante a música dos Titãs. É uma boa postura – mas não custa nada dar uma mãozinha ao acaso. Ligando a televisão, por exemplo. E um expressivo programa de televisão começa hoje. Não deixa de ser divertido, como a atitude da velhinha do filme. Mas o divertimento que emana do patético tem o seu lado trágico e também revelador. Pode-se absorver melhor esse espetáculo procurando no programa eleitoral que está entrando no ar não apenas o que os candidatos dizem, mas sobretudo o que eles não o fazem.

O que vão dizer, já sabemos. São todos contra a fome, contra a miséria, a favor de um país forte e desenvolvido. Não é por isso que devemos procurar, mas pela forma como isso é feito, pelos vícios e virtudes que se escondem por trás do discurso.

A televisão é pródiga em revelá-los. Truques, empulhações, tudo ganha visibilidade na TV. Mas o espectador deve estar atento para o fato de que ele é cúmplice de todos esses códigos. A sintaxe do veículo já lhe ensinou isso. Quando o galã diz que ama a mocinha, o espectador sabe que tudo é só encenação; mas concorda tacitamente em aceitar como verdade. Ele sabe que a mansão elegante não passa de um monte de madeira pintada no estúdio; mas admite olhar para uma coisa e enxergar outra. A única coisa mais fácil do que lograr em televisão é se deixar ser logrado.

Só que a cumplicidade com o ficcional termina nos créditos de encerramento da novela. A partir daí, o que o espectador está vendo não é mais ficção, é realidade. Quando se transporta para um os códigos do outro, o resultado costuma ser desastroso. A má notícia é que todos os candidatos sabem disso. Buscar a cumplicidade pelos métodos de uma narrativa ficcional é parte comum de suas estratégias. Cabe ao espectador, então, decidir se aceita ou não os códigos da ficção no show da realidade. A única certeza é que o acaso não vai o proteger enquanto ele estiver distraído."

 

TV DIGITAL

"Brasil desconsidera tecnologia própria para TV Digital", copyright AcessoCom (www.acessocom.com.br), 21/8/02

"Começa a ser rompida a cortina de fumaça que tem cercado no Brasil o padrão chinês de tecnologia para a TV digital. Ignorada pela mídia de massa e mesmo por parte da imprensa especializada, em maio de 2002 uma delegação chinesa esteve no Brasil oferecendo parceria no desenvolvimento da tecnologia que o país, até agora, se dispõe a comprar, por um alto preço, dos Estados Unidos, da Europa ou do Japão. O negócio envolve um mercado estimado em R$ 100 bilhões ao longo de dez anos.

No início de agosto a revista ?CartaCapital? apresentou, pela primeira vez com destaque na mídia nacional, o padrão chinês Digital Multimedia Broadcast (DMB). Até então, esta alternativa era ignorada pelo Brasil, que deveria se decidir entre os padrões norte-americano (ATSC), europeu (DVB) e japonês (ISDB). Conforme noticiou ?AcessoCom?, o ministro das Comunicações, Juarez Quadros, declarou que nunca havia ?ouvido falar do padrão chinês?, mesmo depois da visita da delegação daquele país.

Devedor a credor

O desconhecimento do ministro das Comunicações é particularmente desconcertante face às preocupações, formalmente manifestadas tanto pelo governo federal, como pelos grupos privados, quanto às condições de transferência de tecnologia, diminuição de ?royalties? e produção local de aparelhos e componentes que deveriam ser possibilitadas pela tecnologia de TV digital que o Brasil adotar. Apesar de todos estes cuidados, o governo e as empresas brasileiras parecem estar desprezando uma proposta para o país ser desenvolvedor de tecnologia e, portanto, passar de devedor a credor de ?royalties?.

Quem concorda com esta avaliação é o professor do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Marcelo Zuffo. Em entrevista ao site ?Agência USP de Notícias?, em junho, ele declarou que o Brasil tem total condições tecnológicas para, ?no prazo médio de um ano, propor um padrão de TV Digital exclusivamente nacional. ?Tecnicamente falando, somos capazes de ingressar neste mercado utilizando tecnologia brasileira?, afirmou. Para ele, a escolha de um padrão de TV Digital poderia ser ?adiada e melhor discutida?. ?Trata-se de uma escolha que terá impacto nos próximos 30 anos, além disso, será uma decisão geopolítica?, afirmou Zuffo. ?É perfeitamente viável um país que possui 54 milhões de aparelhos de TV como o Brasil propor um padrão com tecnologia própria. Nosso sistema poderia ser uma boa mistura dos três em questão?, considerou o professor do LSI.

Decodificador brasileiro

Prova de que o Brasil tem condições de desenvolver tecnologia nacional para a TV Digital foi a divulgação de um projeto do próprio LSI da USP. Até o final do ano, os pesquisadores do laboratório pretendem concluir ?um protótipo de receptor de TV Digital Universal, que poderá operar de maneira independente da modulação do sinal?, conforme noticiou o site ?Agência USP de Notícias?. Segundo o professor Zuffo, o decodidicador (?Set-Top-Box Digital?) ?terá condições de ser adaptado em qualquer sistema de TV Digital que venha a ser implantado no Brasil. ?Desenvolvemos este receptor a um custo muito baixo, que deverá custar algo em torno de R$ 30?, explicou Zuffo. Atualmente, decodificadores similares custam de US$ 150 a US$ 800 no exterior. De acordo com Zuffo, o protótipo já será montado com condições de acessar a internet e possibilitará ?convergência de sistemas, ou seja, poderá ser conectado a um telefone fixo ou celular?.

Cooperação estratégica

A presença dos chineses no Brasil, omitida pela grande imprensa, foi revelada em artigo, publicado na edição maio-junho da revista ?Engenharia de Televisão?, da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET). O texto é assinado pelo engenheiro Miguel Cipolla Júnior, suplente no Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional. O artigo informa que em 22/5, uma delegação chinesa, ?que veio ao Brasil a convite da Câmara de Comércio Brasil-China?, visitou a SET, no Rio de Janeiro (RJ). Os visitantes foram recebidos, além de Cipolla, pelos engenheiros ?Carlos Brito, Carlos Capelão, Marcelo Martins e Valderez de Almeida Donzelli?, para ?trocar informações a respeito do processo da TV digital terrestre naquele País?.

Durante a visita à SET, ?o chefe da delegação, Zhou Daí Qun, manifestou interesse em estabelecer uma cooperação entre China e Brasil no desenvolvimento de um padrão de televisão digital terrestre que possa atender às necessidades e interesses dos dois países, estabelecendo uma aliança com um país do ocidente?. Qun fez também ?o convite para que um grupo de trabalho visitasse a China para verificar o que lá está sendo desenvolvido?. Conforme ?comentários do professor Zhixing Yang, da Tsinghua University, o grupo de desenvolvimento teve grande apoio do Governo e das Universidades da China?. Concordando com Yang, o engenheiro Cipolla ressalta que ?isso demonstra que um grande projeto, como o da migração da tecnologia de TV Digital, demanda investimentos não apenas de empresas privadas, mas também o próprio governo, aliados à capacidade intelectual de seus especialistas técnicos?.

Modelo próprio

A delegação chinesa, na reunião com os engenheiros da SET, lembrou que ?a televisão Chinesa, através de 70.100 transmissores e retransmissores, possui cobertura de 92,5% entre a população, e 100 milhões de assinantes no serviço de cabo. Desde 1996 há grupos de pesquisas sobre a TV digital na China. A primeira transmissão em circuito fechado de HDTV (TV de alta definição) aconteceu em setembro de 1998 e o primeiro teste em ?broadcast? HDTV teve lugar em outubro de 1999?.

?No ano 2000, zonas de teste foram preparadas pelo Governo para transmissões nas três maiores cidades da China: Beijing, Shangai e Shenzhen. Durante a análise dos sistemas existentes – ATSC, DVB-T e ISDB – os chineses perceberam que poderiam desenvolver um sistema próprio, melhor do que qualquer outro e que contemplasse transmissão de multimídia, HDTV, SDTV, Internet, Datacast, etc; para recepção fixas, móveis e portáteis, integração com celulares de última geração GSM e que tivesse algum canal de retorno, tendo em vista o tamanho do mercado e o domínio da tecnologia?, destaca o texto de Cipolla.

Testes em andamento

?Assim, em março de 2001, a China submeteu à ITU (International Telecommunication Union) sua proposta para o desenvolvimento de um padrão próprio. Desta forma, foram apresentados cinco sistemas, três baseados em transmissão com múltiplas portadoras (COFDM) e dois com portadora única. Os testes foram realizados entre outubro de 2001 e abril de 2002. Os resultados serão analisados pelo Governo até o fim deste ano. Posteriormente deverá ser formada um espécie de Grande Aliança que no transcorrer de 2003 determinará o padrão de TV Digital Terrestre para a China?, informou a revista da SET. Segundo Cipolla, os chineses ?ainda não possuem um cronograma para o início comercial de suas transmissões após a definição do padrão em 2003, mas já afirmaram que os Jogos Olímpicos de 2008 serão transmitidos em HDTV. Em 10 anos, a China deve introduzir no mercado 350 milhões de aparelhos para recepção digital?.

Política anunciada

Ignorando as manifestações que surgem na comunidade científica brasileira e de um potencial parceiro comercial do porte da China, o governo federal está tocando seu calendário. Conforme o jornal ?O Globo? de 20/8, a política da TV Digital brasileira deverá ser anunciada no início de setembro. ?A política de implantação da TV Digital não diz qual é o padrão tecnológico que será usado, mas traz orientações estratégicas?, esclareceu o ministro das Comunicações, Juarez Quadros. Segundo ele, a implantação começará pelos grande mercados, como Rio de Janeiro e São Paulo, e ?caberá a cada emissora de TV decidir que tipo de aplicação do sistema digital será utilizado e que serviços serão oferecidos às diversas regiões do País?, informa o jornal carioca.

Em entrevista ao ?Correio Braziliense?, o secretário-executivo do Minicom, Maurício Abreu, explicou como o ministério está pensando as etapas da implantação. Segundo ele, a regulamentação precisará ser feita ?tão logo concluídas as análises sobre o modelo de negócios e o de transição. No processo também deverá ser garantida a continuidade de atendimento ao telespectador, nas atuais áreas de cobertura da televisão analógica e em condições de recepção iguais ou melhores?. Conforme o jornal, que mantém a cobertura tradicional da grande imprensa sobre o tema, o Minicom espera que o novo sistema de comunicação contemple o cidadão ?como elo mais importante da cadeia e para o qual tudo deve ser feito no sentido de que a TV Digital seja aberta, livre e gratuita; contribua para garantir a universalidade do idioma e a integração nacional?."

Veja também http://www.acessocom.com.br

 

AUDIÊNCIA

"Adolescentes preferem ver TV a sair de casa", copyright AcessoCom (www.acessocom.com.br), 21/8/02

"Um adolescente brasileiro na faixa dos 12 aos 17 anos passa uma média de 3h55min por dia na frente da televisão. A informação faz parte de uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que revelou ainda que a televisão é a segunda principal opção de lazer (48,69%) do jovem, perdendo apenas para uma visita à casa dos amigos. Para o jornalista e crítico de TV Eugênio Bucci trata-se de um ?problema da cultura?. Conforme a ?Folha de São Paulo?, as crianças são expostas à televisão antes mesmo de aprender a falar, e as conseqüências disso extrapolam o alcance da vida. ?A TV está presente na vida desses jovens desde a infância, para niná-los, para que não façam bagunça ou para que fiquem em casa, longe dos riscos da rua?, acrescenta o jornalista e autor de ?A Vida com a TV? (Editora Senac), Luiz Costa Pereira Junior. Segundo a psicanalista Maria Rita Khel, aquele jovem, que passa pela fase mais ?rueira?, está sofrendo de um problema da cultura contemporânea que é a privatização da vida?. Segundo ela, a publicidade e o consumo criam no adolescente a fantasia de que o melhor lugar para viver é o conforto do próprio quarto. ?Como esse espaço privado é besta, o jovem usa a TV como forma de contato com o mundo?, diz Maria Rita.

Ao mesmo tempo que existe conteúdo educativo e informação útil em alguns programas da rede aberta há uma vasta oferta de besteirol, do mais ingênuo ao mais grosseiro. ?A TV comercial funciona de acordo com os princípios do prazer, como uma viagem de droga. É um desfile contínuo de imagens de desejos e promessas de realizá-los. É um vício e uma frustração ao mesmo tempo?, explica Maria Rita. Satanizar a televisão não é a intenção de uma das fundadoras da organização não-governamental TVer, a psicanalista Ana Cristina Olmos. A TV, diz ela, pode ser maravilhosa e desempenhar funções importantes na educação formal, podendo ainda propor debates sobre questões sociais e políticas e agregar valores. ?A TV forma uma influência tão significativa quanto a família, a escola, a igreja e os amigos. Ela é uma criadora de referenciais?, acrescenta Pereira Junior. ?Mas tudo depende do uso que se faz dela?, completa Ana Cristina.

Hábito ou vício?

Passar muito tempo na frente da televisão é considerado hábito ou vício? Para o chefe do setor de Neurologia do Comportamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Paulo Henrique Bertolucci, pode-se falar em ?vício em televisão?. Um estudo publicado em março pela revista ?Scientific American? corrobora sua tese. Desenvolvida pelo diretor do Departamento de Estudos da Mídia da Universidade de Rutgers (EUA), o psicólogo Robert Kubey, a pesquisa concluiu que a dependência da televisão funciona como a dependência química. Como noticiou ?AcessoCom?, a TV, na opinião do psicanalista e especialista em leitura da mídia, Paulo Roberto Ceccarelli, ?serve como uma droga no sentido de que faz quem assiste se alienar do mundo, como a maconha ou o álcool?. Entre os principais sintomas dos ?Tviciados? estão ligar o aparelho ao acordar ou logo que chegar em casa, dormir com o televisor ligado, não desligá-lo enquanto faz outras atividades e não conseguir conversar enquanto a tevê está ligada. Segundo Kubey, ?pessoas que não se sentem bem psicologicamente quando não têm nada para fazer estão mais dispostas a desenvolver esse hábito?, pois a televisão faz o indivíduo deixar de pensar nas preocupações.

Malefícios da TV

Conforme a ?Folha de São Paulo?, são vários os malefícios físicos de assistir televisão demasiadamente. A curto prazo, explica o neurologista da Unifesp, é detectado um aumento de atividade cerebral quando alguém é exposto à TV. Com o tempo, o estímulo repetitivo da televisão diminui o interesse. ?O telespectador deixa de prestar atenção. Fica na frente da TV, mas absorve cada vez menos informação?, acrescenta. A linguagem de videoclipe, rápida e cheia de cortes, adotada pelas emissoras, deixa o telespectador superestimulado, afetando as funções cognitivas. ?A quantidade de estímulos prejudica a concentração e, quando não há atenção, não há aprendizado?, alerta a psicanalista Ana Cristina Olmos."

Veja também http://www.acessocom.com.br

 

JORNALISMO CULTURAL

"Público fragmentado provoca impasse no jornalismo cultural", copyright Folha de S. Paulo, 21/08/02

"O jornalismo cultural está em crise. Um dos sintomas é a fragmentação da cobertura, cada vez mais voltada a grupinhos e ?tribos? que não dialogam entre si.

O diagnóstico, consensual, foi apresentado anteontem à noite no Centro Universitário Alcântara Machado por Marcelo Coelho, colunista da Folha, Matinas Suzuki Jr., presidente do Grupo Ig, e Daniel Piza, editor-executivo de ?O Estado de S.Paulo?.

O debate faz parte das atividades da Cátedra Octavio Frias de Oliveira, criada em homenagem ao publisher da Folha.

Coelho, também membro do Conselho Editoral da Folha, defendeu que o jornalismo cultural, na ânsia de atender as demandas de mercado, acabou por incorporar métodos da publicidade.

O texto de publicidade não visa a fruição do leitor -sua função é induzir ao consumo. As críticas, segundo Coelho, incorporaram esse viés: ?É como se o texto do jornalismo cultural me estivesse expulsando para fora dele?.

Na avaliação de Piza, ?o mal do jornalismo cultural brasileiro é o mal a cultura brasileira: a polarização?. De um lado, disse, há os suplementos mais eruditos, editados aos domingos; de outro, cadernos feitos diariamente, voltados para o mundo pop e as variedades. ?Esse é o ponto a combater?, disse Piza.

Para Suzuki Jr., ex-editor-executivo da Folha e editor da Ilustrada nos anos 80, a fragmentação não é um problema do jornalismo cultural, nem é exclusivo do Brasil. ?É um problema do jornal de papel. Não sei se ele vai conseguir dar conta dessa variedade?, diagnosticou.

A internet, por ser mais ?tribal?, talvez seja a mídia dessa produção fragmentada, segundo ele."