Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nem FHC nem Lula, nem fiscal nem fiscalizada

MÍDIA & ELEIÇÕES:

Alberto Dines

A irresponsabilidade do senador José Sarney ao propor a presença de observadores da ONU e da OEA para fiscalizar a próxima campanha eleitoral gerou duas contestações parcialmente convergentes da parte de dois políticos adversários.

Tanto o presidente da República Fernando Henrique Cardoso como o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, condenaram a hipótese de uma intromissão externa. Ambos repudiaram a provocação como antinacional e atentatória à soberania de nossas instituições.

A sintonia vai além da questão central: os dois políticos também consideram a mídia como crucial para a normalidade do pleito.

Aqui acabam as convergências.

No tocante à mídia, FHC e Lula voltam a ser antagonistas: enquanto o presidente da República diz que a mídia deve ser o fiscal das eleições, o presidente do PT diz que a mídia deve ser fiscalizada durante as eleições (Folha de S.Paulo, 22/3, manchete da página A10).

Percebendo a impropriedade da sua proposta, Lula amenizou-a em entrevista ao colunista Elio Gaspari (O Globo e Folha, domingo, 24/3), propondo que a fiscalização sobre a mídia deva ser exercida apenas no tocante à divulgação das pesquisas eleitorais.

Erraram os dois políticos:

FHC errou ao imaginar que a mídia é imparcial, isenta, independente e responsável. Pode ser até que haja exceções, mas no seu conjunto e nas suas reações mais instintivas e imediatas o sistema midiático age de forma inadequada, sensacionalista, partidária e irresponsável.

Lula errou ao imaginar que uma democracia pode admitir o controle da imprensa por algum dos poderes constituídos. Mesmo que esta fiscalização seja limitada à divulgação das pesquisas. A Lei Eleitoral está aí, ela é que deve regular o comportamento da imprensa durante a temporada eleitoral. No tocante à divulgação das pesquisas, sobretudo nos dias que antecedem os pleitos, a legislação é liberal (ou leniente). Na opinião deste observador deveria ser mais rigorosa. Pesquisas divulgadas nos momentos finais podem decidir os indecisos.

Se FHC e Lula estão errados na avaliação sobre o papel da mídia, o que seria correto?

Auto-regulamentação: esta pode ser a grande oportunidade para testar a disposição cívica e o grau da verdadeira responsabilidade social das empresas e profissionais de comunicação.

Mas quando se fala em auto-regulamentação é preciso afastar in limine a idéia de um código escrito para orientar o comportamento eleitoral da mídia. Nossa compulsão legisferante leva-nos sempre à promulgação de códigos que, em casos como este, na esfera da ética e da moral, acabam por eliminar o foro íntimo e o livre-arbítrio. O Manual de Redação da Folha é o exemplo de como as melhores intenções podem ser caricaturadas num documento obrigatoriamente reducionista e voluntarista.

Se a "pesquisite" converteu-se em vício generalizado é indispensável promover uma discussão sobre esta perigosa deformação do nosso jornalismo político.

Se o opinionismo tomou conta da cobertura política, de nada adianta proibir aos colunistas a manifestação de suas opiniões na véspera do pleito (como o faz a Folha).

Se a grande imprensa deseja aparecer junto a sociedade com a imagem de objetividade e de equilíbrio, é preciso que ela seja rigorosa em períodos eleitorais de modo a evitar que nas suas páginas militem candidatos a postos eletivos ou personalidades abertamente comprometidas com esta ou aquela postulação ou partido.

A mídia é crucial, FHC e Lula têm razão. Mas ela é crucial como espelho de uma sociedade que amadurece e se conscientiza para o exercício democrático. Neste processo, a imprensa precisa ter o seu desempenho permanentemente observado. Ela não foi concebida como fiscal nem o exercício do jornalismo pode ser fiscalizado.

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