Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Neonazismo: falta reflexão


Marco Antônio Marcondes Pereira (*)

 

A

lgumas reportagens, veiculadas na imprensa paulista no final de agosto último, trataram da questão do preconceito racial e de origem, entre as quais estão as publicadas sob os títulos: “Estudante da USP defende organização que fundou inspirada em Adolf Hitler” (OESP), “Estudante se retrata por termo racista”, “Pai de aluno é petista” e “Pastoral de SP discorda de divulgação de idéias” (Folha de São Paulo).

Sintetizo as abordagens para aqueles que não tiveram a oportunidade de ler sobre o assunto. Um estudante do 5? ano do curso de Lingüística da USP, já habilitado em muitos outros idiomas inclusive, criou uma associação (União Nacional Socialista de São Paulo – UNSSP) e veiculou por panfletos e na Internet a necessidade de expulsar os nordestinos de São Paulo, atribuindo a estes a responsabilidade pela “destruição” da capital e outras cidades paulistas. O divulgador da idéia diz ser admirador de Hitler e, pelo que consta das matérias jornalísticas, não pode ser considerado abastado apesar de ter cursado muitos outros idiomas, estar ainda estudando na USP, ter acesso fácil à leitura e possuir um computador, pois sua morada é descrita como modesta.

Evidentemente, por força da ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, o “neonazista” está sendo alvo de investigação criminal pela prática de crime de racismo e de fundadas críticas de entidades protetoras dos direitos humanos, da Igreja Católica e até do próprio pai, um professor de inglês. Não obstante tenha esboçado sua retratação, o estudante (também tradutor) escuda-se no direito de manifestar-se livremente ou no direito de opinião.

Posta à margem a análise do fato criminoso em si, que creio esteja configurado, o objeto das reportagens reproduz, enfim, o confronto entre valores desenhados na Carta Constitucional. Ou seja, a vedação à prática de racismo (fundada na igualdade) e o direito de livre expressão das idéias. Não creio, todavia, que a polêmica, desenterrada pela imprensa de tempos em tempos, seja algo que não mereça algumas considerações sob ótica diversa.

Geralmente esperamos tais posicionamentos de pessoas pertencentes às classes mais privilegiadas, dotadas de muitos recursos e com uma vida estável, e nisso surpreende o perfil do divulgador das idéias. Sendo uma pessoa de meios reduzidos, mas que galgou um certo patamar cultural (concordemos ou não com a sua qualidade), o ponto passa a ser relevante porque traduz um descontentamento com suas condições materiais de vida. Em outras palavras, dotado de informações e distinguindo-se de seus infelizes pares que não possuem acesso ao ensino, esta pessoa, permita-nos dizer, está no meio da via, largado no caminho.

Estabelecendo provavelmente um juízo crítico de sua existência, pessoas assim buscam, de forma insana, melhorar suas condições de vida e, quiçá, a de todos os demais componentes de sua comunidade, sobreviventes da guerra social do dia-a-dia, e escolhem uma minoria étnica ou cultural como causadora dos males gerados pela desorganização do desenvolvimento territorial.

Contaminados pela desesperança e sem anteverem uma saída mais democrática ou razoável, os veiculadores de propostas de extermínio ou de segregação racial não refletem com os olhos voltados para uma integração nacional, racional e equilibrada. De modo geral, propagam soluções irrealizáveis no campo prático, não bastasse a agressão à condição da pessoa e a outros direitos e garantias fundamentais do homem, como, por exemplo, a expulsão dos nordestinos de São Paulo. Em sã consciência, quem se atreveria a tentar materializar o tamanho absurdo de remover a população nordestina de São Paulo, de uma só vez, ainda que todos estes quisessem retornar ao seu estado natal?

O movimento que deve ser iniciado em nome da cidadania para erradicar a pobreza, diminuir as diferenças sociais e promover o desenvolvimento nacional igualitário acaba, incrivelmente, por ceder ao pessimismo de pessoas que estão largadas na via, sem perspectiva de melhora de vida apesar de terem tido acesso à instrução, ou a atuações oportunistas contra a unidade territorial brasileira.

O racismo e todas as demais formas de discriminação são conseqüências da calamidade criada pela ausência da percepção da necessidade – urgente – de desenvolvimento de outras regiões do nosso Brasil, do estabelecimento de um plano governamental de assentamento e fixação das pessoas nas suas regiões de origem, estimulando a permanência pela outorga das condições de vida dignas que, como num sonho, buscam nas grandes cidades.

O desenvolvimento nacional, nos moldes da Constituição Federal, navega lado a lado com o pleno exercício da cidadania. Desenvolvimento é, assim, a capacidade de persuasão de todos para que, a princípio, exijam uma vida melhor na sua região de origem, é fixar as pessoas no seu habitat natural pelas melhores condições auferidas do próprio exercício da real cidadania. Com certeza, não se concebe a idéia de proibições às pessoas, mas a oferta de mecanismos voltados para uma vida melhor e condições razoáveis e realizáveis de um adequado crescimento e controle demográfico.

A tarefa compete ao Estado, em especial à União, que deve editar normas de diretrizes básicas para o desenvolvimento nacional, regional e urbano, as quais espelham, em nossa modesta opinião, um princípio constitucional urbanístico implícito: o adequado controle do crescimento demográfico.

Na história o tempo é sempre curto e o descaso no enfrentamento da questão por parte do Estado é uma semente cujos frutos podem não ficar na singela discussão entre a ideologia do direito da livre manifestação e o repúdio ao racismo, porque as angústias dos “largados no meio da via”, infelizmente, não levantam tão somente a bandeira da fome, da ausência de um teto, da falta de ensino básico, dos reclamos justos dos direitos da cidadania. E esses “largados no meio via” tremulam cientes ou não, isto sim, a bandeira da vingança social porque apenas sentem – ou percebem – que só o ensino básico, ou universitário, é ainda muito pouco para torná-los verdadeiros cidadãos, e esquecem-se de estar a serviço da paz e da integração social, objetivos enraizados n?alma do povo brasileiro.

(*) Promotor de Justiça em São Paulo

 

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