Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ninguém fura ninguém

Sidney Garambone

 

O trabalho direto e cotidiano com o jornalismo cultural, no Brasil, traz uma certeza. Ninguém fura ninguém, e pensa que está furando todo mundo. Há poucos dias, a assessoria de imprensa de uma grande gravadora tomou um susto ao ver um de seus discos já analisado por um jornal. Até a foto da capa do CD estava publicada. A estupefação era compreensível. Ninguém da gravadora tinha divulgado o trabalho e a grande suposição foi que o repórter teria visto o CD já numa loja, pois ultimamente estava havendo descompasso entre o setor comercial e o de mídia.

Celebrado como um furo, já que nenhum jornal mais deu a crítica do disco no mesmo dia, a glória efêmera do jornalista foi um equívoco. Que ele mostrou perspicácia e atenção redobrada ao perceber, possivelmente, o disco nas prateleiras de uma loja qualquer, não há dúvida. Daí isso ser um furo é como dizer que Ronaldinho marcou um golaço antológico. De pênalti.

Confunde-se diariamente nas redações o significado real do furo cultural. Dar na frente do concorrente, decididamente, não é furo. E pior, muitas vezes acontece por causa de uma negociação nefasta entre jornalista e assessoria de imprensa. Uma capa de suplemento cultural dedicada ao lançamento de um livro concorrido pode significar, por vil permuta, três matérias menores de livros fajutos. A ingenuidade dos editores é potencializada quando se trata de shows. Por exemplo: Marina estará no Canecão, no Rio, daqui a duas semanas. A estréia, hipotética, é numa sexta-feira. Entretanto, um jornal esperto decide dar a entrevista com a cantora na quinta-feira. E acha que foi um furo. O mesmo ocorre com exposições, festivais, livros, discos e outros acontecimentos que a torcida do Flamengo inteira já conhece. Entretanto, o fato de dar antes deixa muito jornalista de ego duro, na vã ilusão de estar dando furo.

O pior é que a cúpula dos jornais costuma descer a lenha quando é “furada”, se esquecendo a etimologia correta da palavra. Furar é publicar algo que ninguém sabia. Uma novidade ou mesmo um aspecto de determinada notícia em comum que ninguém percebeu. Algo que surpreenda leitor e concorrência. “Ué, você sabia disso?”, pergunta ao colega do lado quem acaba de ler um furo. Ed Motta vai fazer lipoaspiração. Furo. Rubem Fonseca falará de formigas amarelas no próximo livro. Furo. Descoberto um Van Gogh na Rocinha. Furo. Chico Buarque fala do novo disco. Não é furo! A notícia de que ele está em estúdio finalizando o trabalho é velha. Entrevista dada antes é mera negociação com o divulgador. Não se trata de questionar aqui a agilidade de algum veículo ou do jornalista, apenas chamar a atenção que boi não é bode.

Vamos dar nome certo aos bois. Boi bem batizado evita que a preguiça tome conta do jornalista e a busca pela novidade esbarre na mera antecipação de uma agenda conhecida.