Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ninguém ousa discutir o papelão do cartel

O texto “Bundas na Hebe”, de Paulo Polzonoff Jr., publicado no Observatório da Imprensa nº 70, de 5 de junho de 1999, é um espanto de tão equivocado. Então ele censura o Ziraldo por ter ido ao programa da Hebe. Que pretensão! Quem é ele para julgar quem quer que seja desse modo? A Hebe é alguma leprosa? Em quais programas o Sr. Paulo admitiria a ida do Ziraldo (e de qualquer outra pessoa, é evidente)? Em qual canal?

Se formos nos pautar pela coerência educativa dos programas ou dos canais, Ziraldo e qualquer um de nós só poderíamos ir à TVE, que mesmo assim tem uns programas estranhos. Por exemplo, lá não passa anúncio, mas tem um programa onde são exibidos anúncios como se fossem peças culturais e educativas de grande interesse para a sociedade… E tem um programa de clipes para a juventude tão imbecilizante quantos os similares da MTV, com um apresentador igualmente idiotizante que em três minutos falou “galera” mais de 10 vezes, que eu contei. Como a juventude pode ter uma auto-imagem mais positiva se os apresentadores de TV insistem em chamar os jovens dessa forma coletiva e depreciativa de “galera”?

O Jô Soares trabalha no canal do Sílvio Santos, do Gugu e talvez, não sei, da Hebe. E logo irá para a Globo, das novelas, do Faustão, da Xuxa e da Angélica. Em tal canal, nem Ziraldo nem nenhum adversário de nosso status quo deveria pôr os pés.

O programa da Hebe é assistido por alguns milhões de pessoas, e foi para se comunicar com essas pessoas que o Ziraldo foi lá. Ou essas pessoas não merecem conhecer as idéias do Ziraldo só porque elas gostam de assistir ao programa da Hebe? Aliás, seria interessante saber que outros programas passavam nos outros canais. Em muitos casos, assistir ao Ziraldo na Hebe pode muito bem ter sido a melhor opção… E se a Hebe me chamasse para falar o que penso dos alimentos transgênicos e da ração com carne que hoje se dá a frangos e vacas? Está claro que eu iria, e acharia realmente incrível que um Sr. Paulo Polzonoff Jr. se julgasse no direito de patrulhar minha atitude. Ziraldo é um comunicador muito bem sucedido, Sr. Paulo, e sabe bem melhor do que o senhor o que deve fazer para divulgar seu trabalho e suas idéias.

A revista Bundas tem muitos pontos positivos, é claro, mas tem muitos aspectos a serem criticados, muito mais importantes que a ida do Ziraldo a um programa típico de nossa TV. O mais importante deles é o uso da pornografia e da chulice para atrair leitores. Parece que o Ziraldo, o Jaguar e sua turma esqueceram que foi essa estratégia que acabou de afundar com o Pasquim. Além disso, explorar o erotismo é apenas dar ao povo “mais do mesmo” que ele já tem, e que já vem prejudicando seu desenvolvimento cultural e social há algumas décadas. Os inimigos da turma do Pasquim, que são também os meus, é que usam o sexo e a violência para distrair a população de seus problemas. Bundas, ao fazer o mesmo, confunde seus público e o reduz brutalmente, pois para muitíssimos leitores e leitoras muitas daquelas fotos e desenhos são considerados de mau gosto e deseducativos. No nº 2, por exemplo, há um homem de quatro com um chicote enfiado no ânus, e uma entrevista com um grupo “Grelo Falante” totalmente imbecilizada. Haveria muito a perguntar àquelas meninas, sobre seu mundo, sua cultura, mas os entrevistadores se ativeram a piadinhas tipo “é verdade que o Grelo chupou o Caceta?”

Se Bundas continuar apostando nessa linha, resumirá seu público a quem está acostumado a essa cultura da esculhambação e do palavrão, e deixará de atingir os milhões de brasileiros que buscam orientação cultural mas não querem – com toda razão – a glamourização da vulgaridade nem a banalização da pornografia, que a cultura comercial, Bundas incluída, promove, eu sei muito bem com que fito.

Joaquim Moura

xxx

Resposta de P.P. Jr.: A dúvida a respeito do lançamento de Bundas na Hebe está centrada no conceito de coerência. Critiquei a atitude do diretor da revista por considerá-la incoerente. Uma revista que se preza a criticar a mediocridade da elite que vive em vôos para Miami e se esquece do país de que usufrui não poderia ser lançada no programa de TV que mais exalta este tipo de atitude. Ziraldo, no entanto, deu-me subsídios para entender sua estranha atitude no último número da revista República. Perguntado se considera a coerência uma virtude ou um defeito, o virtuoso das Minas Gerais responde: “É uma característica. Conheço pessoas maravilhosas que são inteiramente incoerentes.”

Então tá.

Paulo Polzonoff Jr.

 

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