Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Não entendi

POLÊMICA NA BRAVO!

Não entendi por que esse texto foi colocado aqui. Para dar uma forcinha ao Alberto Dines na c… sobre o Olavo de Carvalho? Eu, como leitor dele há mais 20 anos, acho que ele não precisa disso. Se vocês colocam este texto, pelo menos por direito de resposta deveriam colocar, no mínimo, um link para as respostas de Olavo de Carvalho, publicadas na página dele na internet.

Fausto Lopes


Nota do OI:
O texto não foi "colocado" aqui. Trata-se de carta enviada à caixa postal do OI, que é pública, pelo jornalista Argemiro Ferreira.

Prezado Alberto Dines,

Noto que o Argemiro Ferreira se aproveitou da ocasião da minha troca de e-mails com você para dar uma divulgaçãozinha extra à polêmica que vem mantendo comigo na revista Bravo!. Só que, ao lhe remeter o artigo "A lista negra e o ?filósofo? Joe McCarthy", ele deveria, se fosse honesto, ter-lhe enviado também a minha resposta, que, embora incompleta (pois é escrita em série), consta da minha homepage <www.olavodecarvalho.org> há mais de um mês. Sem a resposta, o artigo fica parecendo o capítulo final da contenda, com o Argemiro no papel de vencedor. Puro teatro, evidentemente, como você verá em seguida.

Noto também que o Observatório reproduz a entrevista do prof. Carlos Nelson Coutinho ao jornal Valor Econômico de 24 de novembro de 2000, cuja menção à minha pessoa já foi respondida no meu artigo "Intelectuais orgânicos", publicado em O Globo de 26 de maio de 2001. Para a boa informação do público, convém que os dois lados sejam ouvidos, segundo o consagrado "direito de resposta".

Envio, pois, a seguir, minhas respostas a Argemiro e a Coutinho, com a ressalva de que a primeira continua a ser publicada em série na minha homepage. Agradeço a você a gentileza de publicá-las no Observatório. Um abraço e os melhores votos do

Olavo de Carvalho



Argemiro Ferreira: o estilo
e o homem ? I

(2/6/01)

Olavo de Carvalho

Em dezembro de 2000, o jornalista Argemiro Ferreira publicou
na revista Bravo! um necrológio do roteirista de cinema,
Ring Lardner Jr., que o apresentava como vítima inocente
da perseguição mccarthista. Na edição
de fevereiro da mesma revista, contestei essa versão
dos fatos. Agora, em junho, Argemiro respondeu à minha
contestação. Como não quero que nada nessa
disputa fique nebuloso, vago e sem conclusão, e como
a plena elucidação do caso requer um exame longo
e meticuloso, incompatível com as limitações
de espaço da revista, colocarei em Bravo! apenas um aviso,
chamando a atenção do leitor para as explicações
que, nesta página, passo a apresentar em capítulos,
que irei escrevendo à medida que me sobre tempo para
consagrar a esse episódio, de escassa importância
em si mesmo mas bastante oportuno pelo muito que revela da história
contemporânea.

1. Estilística argemírica

? 1. Argemiro, segundo ele mesmo

O estilo é o homem. Antes de entrar no mérito
da questão, analisemos, pois, o estilo do sr. Argemiro
Ferreira. Segundo ele, a contestação que ofereci
ao seu artigo foi ?uma diatribe?, ?um assalto?, repleto de ?ofensas?
e ?insultos? à sua pessoa ? tudo isso sic. Mas a única
menção que ali fiz a essa pessoa está na
epígrafe, extraída de Boileau: ?Un sot a toujours
un plus sot qui l?admire.? A palavra sot, como consta em qualquer
dicionário da língua francesa, significa simplesmente
?bobo?.

Um menino de cinco anos, chamado de ?bobo? por um colega de
escolinha maternal, pode ficar profundamente magoado e achar
que foi vítima de um insulto mortal, de uma ofensa intolerável,
de um assalto à sua honra e dignidade mirins. Diria até
que lhe desabou em cima ?uma diatribe?, se conhecesse o vocábulo.
Não conhecendo, pode substituí-la por um beicinho
e pela ameaça temível: ?Vô contá
pa pofessôla.?

Um homem adulto, se reage assim, é louco ou está
tramando alguma. Não insultei Argemiro nem vou insultá-lo
agora. Vou apenas observar que sua afetação puerilmente
espalhafatosa de brios ofendidos, se premeditada, depõe
contra sua honestidade; se espontânea, contra sua sanidade;
em ambos os casos, contra sua credibilidade. Mas nada se pode
concluir com certeza desse detalhe estilístico isolado.
É preciso verificar se, ampliando histrionicamente a
expressão de seus próprios sentimentos, o sujeito
não faz o mesmo com a dos alheios.

? 2. Eu, segundo Argemiro

Vejamos portanto como ele descreve os meus sentimentos. Do
senador Joe McCarthy fiz, no meu artigo, os seguintes julgamentos:
1) Inépcia: ?Longe de ter intimado gente demais, o senador
pode ser acusado de parar o serviço na metade… O mccarthismo…
foi uma investigação mal feita, que não
conseguiu provar a verdade.? Estas frases referem-se ao seguinte
fato: comparado à montanha de provas que investigações
posteriores nos Arquivos de Moscou encontraram contra os suspeitos
dos quais McCarthy, tendo as dicas certas, não conseguira
provar nada de substancial, o seu belo Comitê de Atividades
Anti- Americanas foi obviamente um fracasso.

2) Fraqueza moral: ?Quanto a McCarthy, bem, ele não
foi um herói. Sempre buscou mais brilho do que resultados.
Quando atacado em sua vida pessoal (coisa que só um idiota
não previria que os comunistas iriam fazer, sendo eles
o que são), começou a beber e morreu de depressão.
Também não foi homem de elevada moralidade: quando
não tinha provas, permitia que sua assessoria as inventasse,
(se bem que todos os incriminados fossem mesmo culpados, como
se revelou depois).?

3) Ausência de culpa: ?Mas não foi nenhum bandido,
não mentiu em nada de substancial e, ao contrário,
acertou em praticamente tudo.? Para qualquer pessoa que saiba
ler, esses parágrafos significam que McCarthy foi um
idiota, um incapaz, vaidoso, fraco de caráter, indulgente
com a mentira própria e alheia, o qual, querendo liderar
uma causa patriótica que estava acima da sua capacidade,
pôs tudo a perder embora tivesse, em geral, as informações
certas contra as pessoas certas. Tal era e é minha opinião
sobre Joe McCarthy. Traduzida para o argemirês, porém,
ela fica assim:

?A risível paixão do acusador [Olavo de Carvalho]
pela ?filosofia? de McCarthy, quase guindado a panteão
de herói e de grande pensador universal…?

?A obstinação absurda de encarar o mccarthismo
como escola de pensamento…?

?O guru do sr. Olavo de Carvalho…?

?O discípulo do ?filósofo? McCarthy…?

De vaidoso e fraco que comprou uma briga superior às
suas forças, McCarthy transformou-se em herói.
De idiota e inepto, em grande pensador universal e meu guru.
O estilo é, de fato, o Argemiro Ferreira. É o
estilo de um sujeito que não tem o menor senso das proporções
nem o menor respeito pela realidade. É o estilo da ênfase
forçada, do hiperbolismo fingido, o estilo artificiosamente
bufo dos farsantes, mentirosos e difamadores. Mas, por favor,
nada de conclusões apressadas. Nada de inferir, só
do estilo, o homem. Antes de dizer que Argemiro é farsante,
mentiroso e difamador, é preciso examinar a substância
do que ele escreve. Pois, quando eu disser que ele é
farsante, mentiroso e difamador, não quero dizê-lo
como insulto. Quero dizê-lo como tradução
exata da realidade, sem ênfases argemíricas.

Argemiro Ferreira, o estilo e o homem ? II (18/6/01)

Continuo aqui publicando, sem preocupação de
ordem, as notas que me ocorre tomar de vez em quando a propósito
da contestação que Argemiro Ferreira ofereceu
ao meu artigo sobre ?as duas listas negras?. Se essas notas
acabarem se prolongando além da dose de atenção
que esse miúdo palpiteiro parece merecer, isto será
devido somente àquele paradoxo tão precisamente
assinalado por Rivarol: ?Il ne faut souvent qu?un trait pour
peindre les grands hommes, il en faut une infinité pour
peindre les petits.?

1. O ?modus arguendi? de um charlatão

Passando do estilo ao conteúdo, noto que a técnica
argumentativa de Argemiro é perfeitamente coerente com
o seu uso da linguagem, ambos servindo ao mesmo propósito
de ludibriar o leitor. Contestar uma argumentação
é, simplesmente, transformar suas asserções
em perguntas e mostrar que as respostas negativas funcionam
melhor que as afirmativas. Convertidas em perguntas, as afirmativas
que fiz no meu artigo sobre a lista negra ficariam assim:

1. É ou não verdade que, enquanto em Washington
algumas centenas de pessoas eram interrogadas na Comissão
McCarthy e liberadas, na Rússia eram fuzilados três
milhões de dissidentes?

2. É ou não verdade que, nessas condições,
nivelar essa Comissão aos tribunais soviéticos
ou falar igualmente de ?atmosfera de terror? num caso e no outro
é, na melhor da hipóteses, uma hipérbole
de mau gosto?

3. É ou não verdade que, nessas condições,
qualquer abuso que McCarthy possa ter cometido contra os que
colaboravam com o regime soviético foi moralmente menos
grave do que essa colaboração mesma?

4. É ou não verdade que os únicos comunistas
condenados à morte nos EUA, Julius e Ethel Rosenberg,
jamais passaram pela Comissão McCarthy?

5. É ou não verdade que, na época, informações
sobre os massacres soviéticos eram abundantes na imprensa
norte-americana e que, desta forma, Ring Lardner Jr. não
podia tê-los ignorado?

6. É ou não verdade que o Partido Comunista Americano,
como aliás qualquer outro partido comunista no mundo,
colaborava ativamente com a espionagem soviética?

7. É ou não verdade que, para esse fim, a KGB
usava (além de seus agentes profissionais, é claro)
tanto os militantes do Partido quanto meros ?companheiros de
viagem?? É ou não verdade que a ambigüidade
mesma da condição de ?companheiro de viagem? foi
sempre usada pelos partidos comunistas como um instrumento de
ação subterrânea nos países não-comunistas?

8. É ou não verdade que, nessas condições,
muitos suspeitos interrogados pelo Comitê McCarthy se
prevaleceram de uma ambigüidade de linguagem, alegando
?não ser comunistas? (no sentido de membros do Partido)
sem deixar de ser por isso autênticos comunistas (no sentido
de colaboradores informais da espionagem soviética)?

9. É ou não verdade que ninguém da ?lista
negra de Hollywood? foi interrogado pela Comissão McCarthy?

10. É ou não verdade que a discriminação
dos não-comunistas em Hollywood antecedeu a repressão
aos comunistas?

Para contestar efetivamente meus argumentos, se quizesse fazê-lo
com honestidade, bastaria a Argemiro Ferreira responder ?Não?
a cada uma dessas perguntas e provar que esta resposta é
melhor do que aquelas que ofereci. Não podendo fazer
isso de maneira alguma, ele desliza para longe do assunto e,
para dar à sua escapada um ar de resistência heróica,
recorre aos seguintes expedientes.

1. Alterar grotescamente o que eu disse, recorrendo para isso
ao hiperbolismo bufo que é o equivalente comunista do
senso de humor. Uma vez assim maquiadas as minhas afirmações,
negá-las a priori ou desmoralizá-las, evidentemente
com a maior facilidade, já que foram preparadas para
esse fim.

2. Revestir a farsa com um verniz de seriedade, dando uma profusão
de detalhes sobre fatos marginais, irrelevantes para a essência
da discussão.

3. Mentir pura e simplesmente, falseando datas, nomes e situações.

2. Dois exemplos

Como o uso do expediente número 1 já foi bastante
denunciado no Capítulo I, e como o 2 requer explicações
mais demoradas, que deixarei para depois, dou logo de cara dois
exemplos do expediente número 3: mentir.

1. Afirmei que o Comitê McCarthy só interrogava
funcionários do Estado. Argemiro responde: ?Era assim
que devia ocorrer, pelas regras internas da casa [o Senado].
Mas, na prática, ninguém conseguia impor limites
ao senador.? Para prová-lo, cita o caso do escritor James
Wechsler, que, não sendo funcionário público,
teria sido intimado ?por vingança… pelas críticas
feitas a McCarthy no New York Post?. Argemiro mente. Wechsler
era funcionário público, sim. Era assessor do
governador de Illinois, Adlai Stevenson, e foi nessa condição
que foi intimado; pois o governador, jamais acusado de ser ele
próprio comunista (ao contrário do que diz Argemiro),
era declaradamente um protetor de comunistas e por isto McCarthy
o considerava ? com toda a razão, segundo o que hoje
se sabe ? suspeito de negligência em matéria de
segurança. Argemiro ? ou quem acredite nele ? pode averiguar:
a notícia, sem a mínima ambigüidade, está
no New York Times de 28 de outubro de 1952. [1]

2. Para provar que ?vítimas inocentes foram arruinadas?
pelo Comitê McCarthy, Argemiro apela à velha lenda
da mulher humilde (e ademais negra) que ?perdera o emprego ao
ser intimada a depor? e que McCarthy continuou a perseguir embora
soubesse da sua inocência. É um dos cartões-postais
clássicos que ilustram a lenda tenebrosa criada em torno
de Joe McCarthy pelas ações conjugadas de milhões
de Argemiros. Novamente, é tudo falso. A personagem dessa
historieta comovente chamava-se Annie Le Moss. Era uma funcionária
do Departamento de Sinalização do Exército,
uma área de risco onde o regulamento militar proibia
dar emprego a pessoas suspeitas de ligação com
o Partido Comunista, em razão da óbvia colaboração
deste com a espionagem chinesa e soviética. Na época,
a imprensa anti-McCarthy fez de Annie o protótipo da
vítima inocente, alegando que ela fora confundida com
outra Annie Le Moss, branca, esta sim militante do Partido Comunista
mas não funcionária do Exército. McCarthy,
mesmo sem ter provas cabais, e confiado tão somente no
testemunho de Mary Mackward, uma agente do FBI infiltrada no
Partido, insistiu até o fim que Annie era comunista,
o que foi explorado pela imprensa como prova de sua maldade,
sublinhada por insinuações de racismo. Argemiro
subscreve a acusação e a nuance. Só há
um problema: Annie era comunista mesmo. A prova, porém,
só veio tarde demais, quando McCarthy já estava
morto e a lenda da sua perseguição a uma pobre
mulher negra já havia se consolidado como artigo de fé
na seita multitudinária dos Argemiros. Em 1958, o Departamento
de Justiça divulgou os documentos do Partido Comunista,
jamais contestados pelo Partido mesmo, onde constava, acima
de qualquer possibilidade de dúvida, o registro da militante:
Annie Le Moss, 72 R Street SW, Washington DC. Duas Annie Le
Moss, uma negra e a outra branca, podiam coexistir no Partido.
Mas não no mesmo endereço, caramba. [2] [Continua]

Notas

[1] V. Richard J. H. Johnston, ?Senator Accuses Governor of
Sympathy With and Aid to Communist Cause?, N. Y. Times, Oct.
28th 1958.

[2] V. Reports of the Subversive Activists Control Board, Vol.
1, Washington DC, Government Printing Office, 1966, pp. 93-94."

***

Intelectuais orgânicos

Olavo de Carvalho [O Globo, 26/5/01]

"Só agora li uma entrevista que o prof. Carlos
Nelson Coutinho deu ao jornal ?Valor?, na qual, forçando
até onde é possível o sentido das palavras,
ele me incluiu entre os que teriam ?preconceito contra o marxismo?.
Apesar da data já um pouco longínqua, vale a pena
examinar o documento, que ilustra o peculiar ?modus pensandi?
de um ?intelectual orgânico?.

?Preconceito?, caso alguém ignore, é opinião
prévia a um exame racional. Na deterioração
geral da língua, no entanto, a palavra tornou-se um estereótipo
infamante que os mais preconceituosos usam para rotular qualquer
conclusão adversa a seus preconceitos, à qual
alguém tenha chegado após longo estudo e ponderação.

O prof. Coutinho aderiu ao marxismo militante na entrada da
juventude, antes de ter examinado senão um fragmento
infinitesimal da bibliografia marxista, e, passadas quatro décadas,
ainda é marxista sem ter mais que um conhecimento periférico
da argumentação antimarxista; ao passo que eu,
tendo feito idêntica escolha prematura, coloquei minha
opção entre parênteses uns anos depois e,
abstendo-me por duas décadas de emitir opiniões
políticas enquanto pesava criteriosamente os argumentos
pró e contra o marxismo, emergi enfim do silêncio
dizendo coisas que contrariam os sentimentos juvenis em que
se fossilizaram a pessoa, a vida e os neurônios do prof.
Coutinho.

Entre nós dois, obviamente, o preconceituoso é
ele, que nunca escreveu uma linha senão para dar retroativamente
ares de requinte intelectual às crenças a que
já tinha aderido de corpo, alma e carteirinha antes de
fazer qualquer uso revelante do intelecto.

Isso não quer dizer que hoje ele faça desse instrumento
um uso mais intenso do que na aurora da sua militância.
Pelo menos ele não o utiliza o bastante para perceber
que não tem sentido afirmar que entrei na mídia
?com grande respaldo? e logo em seguida referir- se a mim como
?uma voz isolada?, que ?não é representativa de
nada?… Ou bem eu, isolado, falo com a minha própria
voz, ou alguém que me respalda fala pela minha boca.
O prof. Coutinho que trate de decidir se quer me chamar de pau-mandado
ou de excêntrico solitário. Se ?entre les deux,
son coeur balance?, isto só prova que ele quer me rotular
de alguma coisa, qualquer coisa, não importa o que. Quando
digo que o marxismo imbeciliza, é a esse tipo de fenômeno
que me refiro. Nenhum esquerdista, até hoje, conseguiu
dizer contra mim algo de inteligente. Ante a ?voz isolada? que
os atemoriza, todos têm dado um show de inépcia,
de covardia e de maledicência sussurrante. Tempos atrás
desafiei para um debate sobre Gramsci, inclusive oferecendo
troca de links entre nossas respectivas páginas na internet,
o prof. Coutinho e seus oitenta fiéis escudeiros de um
site devotado à beatificação do fundador
do Partido Comunista Italiano. Fugiram, como de hábito,
afetando ares de dignidade ofendida, e, em pleno dia de Natal,
redigiram uma carta enfezada na qual denunciavam como imposição
ditatorial a oferta do intercâmbio de links. É
sempre aquela coisa do ?1984?: democracia é ditadura,
ditadura é democracia. Discussão é imposição,
imposição é discussão. Conceito
é preconceito, preconceito é conceito. O leitor
desacostumado ao trato com comunistas pode estranhar a desenvoltura,
a tranqüilidade de consciência com que posam de vencedores
após uma debandada tão ostensiva. Mas, creia-me,
o fenômeno não se explica pela simples cara de
pau.

Eles conservam na fuga um ar triunfante porque não são
intelectuais como os outros. São ? e gabam-se de ser
? ?intelectuais orgânicos?, células de um vasto
corpo combatente. Nunca agem sozinhos. Têm sempre o apoio
logístico de uma rede inumerável de militantes
obscuros, anônimos, que podem prosseguir o combate nos
?bas fonds? da intriga e da calúnia quando os porta-vozes
mais respeitáveis do ?coletivo? se saem mal nos confrontos
públicos.

Quando as vozes de cima se calam, as de baixo começam
o zunzum nos porões. Agora mesmo, enquanto meus detratores
mais notórios se recolhem para lamber as feridas das
últimas refregas, um jornalista de São Paulo,
mais comunista que a peste, deplorável farrapo humano
que busca no ódio político o alívio de
sua indescritível miséria de alma, está
espalhando na internet avisos segundo os quais eu, Olavo de
Carvalho, não trabalho há trinta anos e… vivo
da exploração de mulheres.

Dito em voz alta, numa tribuna acessível aos olhos do
público, isso exporia o fofoqueiro ao desprezo de todos.
Sussurrado no mundo virtual, pode até funcionar. A intriga
propaga-se por reflexo condicionado, não por adesão
consciente. Não é preciso acreditar nela para
passá-la adiante, repeti-la por automatismo e acabar
tomando-a como premissa implícita de julgamentos e decisões.

A manipulação de automatismos mentais torna-se
ainda mais fácil numa atmosfera infectada de ódios
e temores coletivos contra alvos mais ou menos distantes, só
conhecidos por ouvir-dizer. O ambiente de esquerda é
o caldo de cultura ideal para esse tipo de bactérias.
É por sempre contar com esse fundo de reserva que o ?intelectual
orgânico? pode se sentir vitorioso mesmo quando perde.
Ele perde, mas o Partido não perde nunca.

Não adianta nada você derrubar um desses sujeitos
no ringue. Enquanto você recebe sua medalha, eles já
fizeram a sua caveira entre os vizinhos. E quando você,
imbuído de seu prestígio de campeão, vai
pedir fiado um quilo de feijão no armazém da esquina,
o português, desviando os olhos, lhe explica que os negócios
vão mal e que você não tem mais crédito.

O mais pérfido em tudo isso é que o comunista
famoso pode sempre sair bonito, alegando que desaprova os métodos
imorais usados por seus companheiros anônimos. Mas, a
partir do momento em que aceita ser um ?intelectual orgânico?,
ele não pode mais deixar de beneficiar-se dos métodos
que desaprova. Não é uma questão de escolha.
O Partido trabalha para ele como ele trabalha para o Partido,
na unidade orgânica e indissolúvel da bela imagem
pública com a safadeza escondida.

A imoralidade da militância comunista é intrínseca
e independe de aprovação pessoal. E o máximo
da imoralidade consiste precisamente em que o sujeito pode permanecer
limpo no instante mesmo em que tira vantagem da sujeira praticada
por outros, da qual ele nem precisa saber. É a síntese
perfeita da boa consciência com a falta de consciência."

 




    
    
              
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