Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No vermelho

BALANÇO… 2002

Cláudio Weber Abramo (*)

Recente circular aos colaboradores deste Observatório sugeria alguns dias atrás que se procurasse realizar um balanço de 2001 para a última edição do ano. A periodicidade quinzenal de minhas maltraçadas deixou a última edição no meio do caminho, de forma que perdi o bonde.

Não fiz muitos balanços na imprensa. Na verdade, creio que só participei de um, nos primórdios da IstoÉ. Funcionava assim: a redação era composta por Mino Carta, Tão Gomes Pinto, Silvio Lancellotti, Nirlando Beirão, José Roberto Serrano, Moacyr Japiassu e este que escreve. Em São Paulo havia três repórteres e dois fotógrafos, um deles Helio Campos Melo, hoje diretor da revista. A revista era feita de três cadernos, que por motivos industriais fechavam na segunda (Cultura, o caderno mais interno, com o resultado de que, inevitavelmente, a cobertura cultural parecia sempre requentada, dado que era feita com uma semana de antecedência), na quinta e na sexta-feira. Sentávamo-nos todos em torno de uma mesa comprida, e ficávamos copidescando uns os textos dos outros. (Lembro-me de uma ocasião em que descobri que o então presidente egípcio Anuar Sadat comparecera a uma conferência com o premiê israelense adornado com uma gravata cujo padrão eram suásticas. Na certa era moiré, mas publicamos.)

A carência de mão de obra tornava os fechamentos uma maratona que começava em meia-trava aí pelas oito da noite e seguia até a manhã do dia seguinte. Freqüentes explosões emocionais pontilhavam esses exercícios. Não apenas de Mino Carta, apresso-me a esclarecer. Numa ocasião, lancei uma máquina de escrever daquelas grandonas na direção de um colega (felizmente errei o alvo).

No tal balanço (não me recordo o ano), o processo consistia em escrever textos-legenda geralmente irônicos, umas poucas vezes maldosos, em geral sobre personalidades. Buscava-se o ridículo com certa sofreguidão. Alguém se lembrava de algum fato, talvez consultava os números passados e lascava o texto no espaço que Mino e Hélio de Almeida (o diretor de arte) haviam acertado numas conferências que mantinham em isolamento e para as quais apenas ocasionalmente Mino chamava alguém mais.

A edição de fim de ano pretendia ser engraçada, o que se conseguia ao menos em alguns casos. No geral, contudo, cansava. Mas isso não tinha grande importância, uma vez que tais edições de retrospectiva, comuns a todas as revistas semanais, só servem para justificar perante os anunciantes o fato de haver uma edição apesar da absoluta ausência de noticiário.

Tudo igual

Tendo perdido o balanço de 2001, e tendo gasto uma lauda com reminiscências que nada têm a ver com a encomenda, ainda assim sinto-me obrigado a fazer um balanço. Mas não de 2001, pois gente muito mais competente já fez isso.

Que fazer, ó deuses? Já sei: adiantarei o serviço e farei o balanço de 2002. Dessa forma, em dezembro de 2002, sempre poderei dizer ao redator-chefe deste OI que, ao menos uma vez, o atraso terá sido dele, e não meu.

Eis o que acontecerá na imprensa brasileira em 2002:

  • Dez por cento do noticiário político serão dedicados a opiniões de marqueteiros sobre outros marqueteiros.
  • Doze por cento serão dedicados a opiniões de colunistas sobre a proficiência dos marqueteiros.
  • Setenta por cento cobrirão o marketing dos candidatos.
  • O caderno Mais!, da Folha, publicará 78% de artigos que interessarão a exatamente 14 pessoas.
  • Não faltará pescado na Semana Santa.
  • Serão escritas duas centenas de laudas em artigos e colunas malhando as pesquisas de intenção de voto.
  • As revistas semanais publicarão em seu conjunto um total de 19 matérias de capa tratando de assuntos de saúde, malhação e auto-ajuda.
  • Suplementos fim-de-semanais das revistas idem dedicarão um total de 1 bilhão de caracteres a coristas, cafetões, agenciadores de menores, personal trainers, cabeleireiros de cães e arquitetos.

De forma geral, poderá o consumidor de notícias tranqüilizar-se: o ano de 2002 será igualzinho ao de 2001. Não será preciso sequer comprar jornais e revistas ou ligar a televisão. Até lá.

(*) Secretário-geral da Transparência Brasil <http://www.transparencia.org.br>. E-mail: <cwabramo@uol.com.br>