Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Nossos jornalões fariam o mesmo?

JAYSON BLAIR E NÓS ? I

Alberto Dines

Estão presos os responsáveis pela fraude do Dossiê Cayman. Autoridades policiais e judiciais comprovaram que os documentos foram forjados, o próximo passo será a punição daqueles que tentaram a chantagem.

Impõe-se a pergunta: e os jornais e revistas que divulgaram grande parte das “denúncias” do dossiê como se fossem verdadeiras? E as reportagens ditas “investigativas” que usaram as falsidades como se fossem verdades ?

Algum repórter, editor ou publisher terá a hombridade de proclamar publicamente ? “erramos” ou “desculpe o inconveniente”?! Algum jornal ou revista abrirá suas páginas para mostrar as leviandades cometidas ou convidará uma comissão de inquérito para fazer a devassa da devassa?

Não adianta contratar ouvidores, não adianta assumir-se como dono da consciência crítica nacional, não adianta promover-se como “independente”, ostentar prêmios e berrar os próprios atributos. A prisão dos fraudadores desvenda um logro colossal, coletivo, da pessoa jurídica, muito mais grave do que os cometidos pela pessoa física de Jayson Blair.

O repórter Blair plagiou, inventou e manipulou mas, ao que consta, sua atuação está mais para a esfera da “cascata” do que da injúria. Pode ser visto como um obsessivo ou mesmo maníaco (a atividade jornalística abala aqueles que estão na border line, entre a sanidade e a insanidade). Blair serviu-se do talento e do sistema para confundir verdade com inverdade mas, aparentemente, não destruiu reputações, não fez acusações infundadas nem invadiu privacidades.

Inteligente e competente, respeitou as regras formais, jogou o jogo ? isso explica a durabilidade do esquema. Oferecia aos chefes quantidade e qualidade sem confrontar os preceitos elementares. Os eventuais reclamantes estranharam declarações que não fizeram ou situações que não aconteceram. Mas não se sentiram excessivamente afrontados a ponto de cobrar indenizações. Por isso a farsa estendeu-se por tanto tempo sem acionar os alarmes.

No caso do Dossiê Cayman ? ou no caso das transcrições de grampos clandestinos ao longo de cinco anos ? houve manifesta intenção de dolo. Os veiculadores das imposturas sabiam que as informações eram precárias, sabiam que estavam comprometendo a honorabilidade de políticos conhecidos (dois deles já falecidos, impedidos de defender-se), sabiam que estavam metidos numa jogada política de grandes proporções.

Os fins justificam os meios?

Pois é: comparado com os nossos, Blair é um gentleman.