Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Notas sobre a cobertura econômica recente

Victor Gentilli

 

O

Jornal Nacional aderiu à crítica de mídia. No meio do furacão do ataque especulativo, encerrou a edição do dia 14 de janeiro com uma contundente crítica à Agência Reuters, que divulgara para todo o mundo uma foto cuja legenda equivocadamente afirmava tratar-se de filas às portas de banco.

O jornal O Globo acompanhou o caso: na edição do dia 16 de janeiro, informa que o New York Times e outros jornais que publicaram a foto da Reuters prometem retificar a informação.
Pena que o Jornal Nacional não atenda à reportagem do OBSERVATÓRIO NA TV.

Manchete de O Estado de S. Paulo, 16 de janeiro:

BC deixa dólar flutuar e Bolsa dispara

Manchete de A Gazeta do ES, 16 de janeiro:

Câmbio fica livre e dólar dispara

Dos países que experimentaram ataques especulativos semelhantes e liberaram o câmbio, quem se deu melhor foi o Brasil. O real, surpreendendo a todos, desvalorizou-se menos de 20%. Se o verbo disparar está impreciso no Estado, está errado no jornal capixaba.

Todo o – bom, registre-se – noticiário do jornal A Gazeta conflita com a manchete do dia.

 


José Antonio Palhano

 

É hora de recordar um dos momentos de maior questionamento do nosso jornalismo desde o fim dos anos de chumbo. Na primeira campanha de Lula à Presidência instalou-se um grande constrangimento nacional – e posteriores discussões, reflexões e purgações – com o excessivo engajamento de profissionais da imprensa com sua candidatura. Somente a título de ilustração, foi emblemática a situação posta à frente do comando editorial do JB com a performance declaradamente panfletária do, à época, seu comentarista político Ricardo Noblat. Deu no que deu. Além da derrota de Lula, registrem-se mais duas perdas: o emprego de Noblat e o prejuízo dos leitores do jornal carioca que, acostumados com seus artigos, ficaram a ver navios.

Ao menos em respeito à versão final de como ficaram as coisas, difundida junto ao distinto público leitor, aquela que dizia que era hora de abandonar semelhante postura em favor de um jornalismo imparcial e imune a seduções ideológicas, pontuais e fugazes, como de resto campanhas políticas em geral, convém voltar ao assunto.

A pergunta que se coloca é: em crises econômicas como a atual, critica e dramaticamente agudizadas ao limite – nas quais as próprias instituições se expõem a riscos graves –, como deve se pautar o trabalho do profissional de imprensa escalado para cobri-las? Pressupondo-se que o cargo por si só já responda por suas competências e talentos, sobram duas opções: deverá se manter frio e comedido, sem prejuízo da densidade de suas informações ou, ao contrário, deverá permitir que seus nervos (o autocontrole, portanto) fiquem à mercê dos sobressaltos, ritmos e demandas que caracterizam, por exemplo, o recinto buliçoso onde evoluem os trepidantes operadores das Bolsas de Valores?

Tal dilema vive hoje a Folha de S. Paulo. Simultaneamente ao seu esforço em fornecer informação com o mesmo rigor com que um médico intensivista escreve a evolução clínica de um seu paciente, produz editoriais nos quais a justa e severa cobrança por atitudes e mudanças do governo convive às maravilhas com o necessário respeito ao equilíbrio, à sensatez e ao comedimento (de resto, quanto maior for a gravidade do momento vivido, mais e mais um comportamento indispensável).

Vá porém um leitor mais exigente comparar isto com o frenesi e o arrebatamento a que se entregam tão desbragada e espetacularmente alguns dos seus articulistas (de política, atente-se). O abismo que separa os dois lados é coisa digna de se comparar às nossas contas externas. É pouco, muito pouco, agarrar-se à desculpa de que editoriais não podem ser comparados a colunas assinadas. Há um certo ponto em que a separação, aqui, esgota-se, quando menos em favor da filosofia editorial adotada por qualquer redação que faça por merecer esse nome (hoje em dia coisa rara). No caso da Folha, tal esgotamento é catalisado até por fatores de proximidade entre uma modalidade de texto (editorial) e outra (coluna assinada). Se é procedimento adotado hoje pela maioria dos jornais, em seu caso isto se dá de forma mais dramática e contundente (é motivo de justo orgulho para seus proprietários e profissionais a constatação de que a página 2 é a mais “vendida” do país).

Não se perca tempo em comprovar a legitimidade do binômio competência/equilíbrio emocional na busca dos bem-vindos altos teores de qualidade. É novamente a própria Folha que corre a corroborar o raciocínio. Seu titular em questões econômicas, Celso Pinto, é a mais perfeita tradução (e encarnação) do que aqui se discute. Mais e mais as coisas se deterioram (ou mais a vaca afunda), maior é sua didática, sua impessoalidade, mais clara é a sensação de que conhece o que escreve como poucos. Expondo erros, alguns crassos, gravíssimos da equipe econômica, não se inibe (nem se apequena) ao sugerir saídas e estratégias outras.

Um pulinho a Brasília e eis aí uma diferença de comportamento profissional de doer nas vistas, como diriam os mais antigos. Supostamente escalado para cobrir a vida política da Corte, o jornalista Fernando Rodrigues comporta-se como se “montado” por um caboclo capaz de absorver toda a histeria financeira que ora sacode o planeta, produzida (assim queiram os deuses) pelos estertores finais do neoliberalismo.

Em O pavio está aceso (13/01), já no primeiro parágrafo o que ofusca mesmo é um erro antológico. Atribuir a Leonel Brizola a arrebatadora missão de acender o tal pavio, convenhamos, foi de uma imprudência de lascar. O engenheiro, como se sabe, não tem uma tradição política assim identificada com pirotecnias e incêndios, apesar de ter se esforçado ao máximo em décadas de batente. É justo, portanto, que se reconheça que o chabu não foi dele, mas sim do assustadoramente incendiário e inseguro articulista.

Uma suposta passeata agendada em Belo Horizonte foi em seguida repercutida por meio de borbotões de emoção e pânico que deveriam ser guardados a sete chaves no Vaticano para o advento do Apocalipse. Segundo as trombetas do autor, a tal passeata estava fadada a desencadear uma “profunda crise política e institucional”. Quando o texto, já em surto, chegou a Lula, foi cômico. O recurso utilizado para enfatizar suas diferenças de atitude frente à crise foi de um moralismo e de uma pieguice típicos dos folhetins mexicanos. “Nem parecia o mesmo Lula que outro dia tomava uísque na ala residencial do Palácio da Alvorada” é, mais que uma expressão, uma caricatura de reprimenda e desaprovação moral.

Segue-se “É bom registrar que Lula e Brizola tinham um brilho nos olhos nunca visto na campanha eleitoral do ano passado…”. Mas o que é isto? Um nova e moderníssima técnica de observação jornalística apoiada em instrumentos oftalmológicos de alta precisão? Ou estariam os dois observados sob o efeito de alguma droga medonha capaz de lhes arregalar e cintilar os olhos intensamente? O Cindacta anotou?

Enfim, não havia pavio coisíssima nenhuma, nem ninguém no papel de acendedor. A crise continua, mais dólares irão embora, mais afundaremos na pindaíba, e nada até agora de rufar de tambores nem de manobras suspeitas lá pelas bandas de Forte Apache. Curiosamente, a contrapartida deste show de alarmismo – e de engajamento confesso – é serenamente exercida na mesma página por alguém a quem não faltariam motivos para tocar fogo no circo: o senador José Sarney, autor de um texto (5/1!) que é um convite à serenidade e – palavrinha tão execrada em seus duros tempos – a um secularmente necessário pacto nacional, rouco de tanto implorar para entrar em campo.