Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Novas funções para o jornalista

MÍDIA DIGITAL

Claudio Julio Tognolli (*)

Em 28 de abril, na ECA/USP, o professor de Jornalismo Walter Lima defendeu tese de doutorado intitulada "Mídia digital: o vigor das práticas jornalísticas em um novo espaço". Sob orientação de Sebastião Squirra, a tese verifica as modificações ocorridas nas práticas jornalísticas a partir da introdução de tecnologias digitais online no processo para se obter, arquivar, indexar e recuperar informações (texto, imagens estáticas, áudio, vídeo e animação), processando-as conforme a necessidade editorial.

O trabalho de Walter Lima, em síntese, analisa as possibilidades de interatividade, hiperlinks, tempo real, formação de comunidades, ruptura da centralização emissora e a convergência de mídias como elementos modificadores dos modos de se produzir, comercializar e consumir informação jornalística.

"Concluo que o profissional em jornalismo terá que assumir novas funções e adquirir outras habilidades, como o conhecimento da tecnologia que estrutura o meio, para valer os princípios básicos do jornalismo também no ciberespaço", diz a tese. Walter Lima, agora doutor em Jornalismo Digital pela ECA/USP, é professor de Infografia na Fiam-SP, de Multimídia na Uniban-SP e de pós-graduação em Comunicação Digital na Faesa-ES. Pós-graduado em Consultoria de Internet pela Fasp-SP, tem as certificações Adobe Digital Video Convergence (Senac) e Internet/Intranet System Programmer Analyst ISPA (Cyclades). Sua entrevista:

Qual a inquietação que levou-o a fazer a tese?

Walter Lima ? Acredito que foram muitas inquietações, quais incluo o dogma vigente em muitas redações e escolas de Jornalismo que a tecnologia que faz fluir a comunicação é um mero detalhe no processo da prática jornalística. Para ser justo, sinto que neste momento, algumas iniciativas interessantes na preparação de um novo profissional estão aparecendo, porém o ritmo ainda é muito lento em relação à disseminação tecnológica que está acontecendo em algumas camadas da sociedade. Portanto, foi na observação deste cotidiano que percebi que os avanços tecnológicos, apesar de implantados na infra-estrutura de obtenção, produção e empacotamento de conteúdo, eram ignorados ou tiveram sua importância minimizada e, como conseqüência, não utilizados em sua plenitude.

Destaco que compreendo a tecnologia utilizada no fazer jornalístico como instrumento para melhora da qualidade dos produtos de conteúdo editorial. Nesse sentido, tentei verificar as modificações ocorridas nas práticas jornalísticas a partir da introdução de tecnologias digitais online no processo para se obter, arquivar, indexar e recuperar informações (texto, imagens estáticas, áudio, vídeo e animação), processando-as conforme a necessidade editorial. Analisei, também, as possibilidades de interatividade, hiperlink, tempo real, formação de comunidades, ruptura da centralização emissora e a convergência de mídias como elementos modificadores dos modos de se produzir, comercializar e consumir informação jornalística.

A tecnologia não é nova no jornalismo…

W. L. ? A tecnologia sempre esteve presente na história do jornalismo. Desde o surgimento do papiro, do telefone, passando pelas saudosas máquinas de escrever, até a utilização de realidade virtual para explicar um fato jornalístico. O jornalismo nunca passou incólume por introduções das tecnologias no seu fazer. Sempre que houve uma nova maneira de captar informação, produzir ou distribuir conteúdo, o jornalismo teve afetado seu processo. A velocidade, porém, em que aconteciam, tais inserções tecnológicas dava tempo para sua assimilação, tanto por parte dos jornalistas, como pelas empresas e pelo consumidor de notícias. Com o advento da tecnologia digital, a velocidade da introdução das tecnologias aumentou consideravelmente, a ponto de uma tecnologia nem ter ainda sedimentado seus conceitos fundamentais e outra aparecer para suplantá-la, fornecendo mais possibilidades, sendo mais barata e, em muitos casos, mais eficiente.

Veja o caso do telégrafo, que foi, talvez, a mais importante tecnologia utilizada pelo jornalismo em toda a sua história, pois, com a sua invenção, foi quebrada a barreira física da distância, ou seja, para se obter uma informação na forma escrita não era mais preciso o deslocamento geográfico.

Acha que o jornalista brasileiro está defasado nas novas técnicas?

W. L. ? Talvez, o termo defasado não seja o melhor para exemplificar a situação. Acredito que muitos jornalistas, sejam brasileiros, europeus e até estadunidenses, não conseguiram acompanhar as transformações impetradas pela introdução mais forte da informática, das redes e, agora, da convergência com as telecomunicações, por fatores econômicos, culturais e ideológicos. Porém, isso não é novidade. Ao longo da história da introdução da tecnologia no fazer jornalístico, a resistência sempre foi muito grande. Basta lembrar a informatização acelerada das redações de jornais no Brasil ? um processo traumático.

Acredito que a discussão tecnologia x humanismo é inócua, a não ser pela questão do desemprego, que seria bastante minimizado se todos estivessem preparados para as introduções tecnológicas, se atualizando, em vez de resistir puramente. A tecnologia é um produto do homem e o homem se vale dela para produzir conhecimento. Steven Johnson, pesquisador nas áreas de tecnologia e comunicação, descobriu que a fusão, entre essas áreas, é tratada como se fosse uma história secreta. Para ilustrar tal posição, Johnson, que é autor do livro Cultura da interface, cita uma das maiores publicações romanceadas sobre o jornalismo, Ilusões perdidas, de Honoré de Balzac, entre outros.

"Balzac foi tipógrafo", diz ele, "e seus romances são obcecados pela tecnologia de Gutenberg. (Seu mais notável romance, Ilusões Perdidas, envolve um incompetente e ambicioso jornalista que inventa uma nova maneira de estocar papel). Os primeiros atores do cinema eram parentes envergonhados, constrangidos, dos técnicos por trás das câmeras. Em geral, porém, mantivemos os romancistas e os mecânicos, os pintores e os programadores em extremidades separadas do espectro, como dois pugilistas contidos por um bando de espectadores e árbitros. Os dois campos lutaram vigorosamente para preservar uma distância segura entre si, mas a divisão não vai durar muito. Uma guerra de gangues nos espera".

No trabalho, portanto, pesquiso a história para mostrar que o uso das tecnologias no jornalismo é importante, porém não é nova. O primeiro grande uso do computador no fazer jornalístico foi nos EUA, para ajudar na velocidade da apuração dos resultados eleitorais, isso em 1952. O computador foi utilizado na eleição presidencial, envolvendo os candidatos Dwight Eisenhower e Adlai Stevenson. Esse fato introduz a era das Reportagens Assistidas por Computador (Computer-Assisted Reporting, ou CAR), técnica pouco utilizada e estudada no Brasil que visa dar habilidade ao jornalista na prática de achar, vasculhar e analisar informações eletrônicas.

A eleição, prevista para ser acirrada, foi acompanhada em detalhes pelo lendário âncora de TV Walter Cronkite, então correspondente em Washington da CBS News. O computador, um Remington Rand Univac (Universal Access), foi utilizado para prever o resultado, como foi feito em várias eleições nos últimos anos no Brasil. Os programadores do computador o prepararam com fórmulas baseadas em dados parciais. O resultado demorou horas para ser divulgado, não pela capacidade do computador em processar os dados, mas, sim porque a CBS estava relutante em transmitir a aparente previsão impossível.

O conceito do CAR está avançando em todo o mundo, tanto que em 1989 ocorreu a fundação do National Institute for Computer-Assisted Reporting, formado pela organização Investigative Reporters and Editors em conjunto com a University of Missouri School of Journalism e originalmente chamado de Missouri Institute for Computer-Assisted Reporting.

Portanto, existe um novo ambiente comunicacional. O tradicional jornalismo se depara com introduções tecnológicas importantes, como a transformação da informação, insumo básico para a sua produção, da forma analógica para digital. Depois de outras tantas, como o telégrafo, telefone, rádio e televisão, a profissão de jornalista entra em um novo momento, que vem cunhado com uma palavra forte: revolução.

A chamada de Revolução Digital, esse mar de transformação, não se contentou em colocar o computador pessoal (Personal Computer, ou PC) no cotidiano profissional do jornalista, mas fez também com que o equipamento pudesse ser conectado a outros, inaugurando uma nova fase no processo de comunicação: a das redes de computadores. A internet, teia que interliga a grande parte das redes de computadores do mundo, revela novas possibilidades. Com a contínua popularização, em função da invenção do seu modelo gráfico (web), o aumento da velocidade na troca de informações e a sua transformação em meio de comunicação ? um lugar de difusão de textos, imagens estáticas, áudios, vídeo e animações ?, a web está impactando o fazer jornalístico.

E isso foi benéfico?

W. L. ? Acredito existir uma revigoração das práticas em um novo espaço, que fornece a possibilidade da aplicação dos conceitos fundamentais do jornalismo na sua plenitude. O ciberespaço é um ambiente para formação de uma nova cultura: a cibercultura. Ela está fornecendo elementos para se acreditar que o comportamento dos consumidores de notícias é diferente num mundo virtual, pois têm mais possibilidades de interação com os produtos editoriais, expansão de suas fontes informativas, além de oferecer recursos para que produzam os seus conteúdos e os coloquem na rede, podendo ser vistos por todos que o desejarem

Nesse novo ambiente, é exigido do jornalista um entendimento de diversas capacidades e conhecimentos que incluem não apenas as capacidades tradicionais de pensamento crítico e escrita crítica, mas também o conhecimento de computadores, aplicativos e programas..

Fale sobre as tendências da mídia digital.

A conversão de informações analógicas para digitais (digitalização de conteúdos), o surgimento de tecnologias (DV, DSL, cabo, DTH etc.) e o desenvolvimento de redes online (wire e wireless) estão para impactar o mercado de comunicação de forma definitiva. Todos esses elementos podem ser abrigados num só local, centralizando os ativos digitais, permitindo aos dispositivos conversarem entre si, se entendendo tecnologicamente e utilizando agentes inteligentes. Mas as resistências para a implantação da convergência de mídias (sinergia entre elas) ainda são enormes, sejam elas econômicas ou sociais. Elas surgem, invariavelmente, de pessoas oriundas dos meios que vão sofrer modificações impetradas por ela. Isso está atrasando muito a colaboração que o jornalismo poderia dar à sociedade, que está mais dinâmica e conectada.

Por outro lado, ao mesmo tempo, surge a divergência de meios. Corroboro com pensamento de John Pavlik, diretor do New Media Center da Universidade de Colúmbia, que afirma que certamente há convergência de mídias na era digital, mas ao mesmo tempo existe divergência. Para o pesquisador, o que ocorre é que tudo é feito de forma digital e depois a informação tem que ser enviada para plataformas múltiplas. "Tem que ir para o PC e para todos os tipos de equipamentos que as pessoas usam para buscar notícias." Ou seja, de uma central de produção (pauta, captação digital/analógica) para distribuição em vários meios (digitais redes/PDAs/SMS/WAP/CDs/DVDs e analógicos).

O espanhol José Maria García Lastra diz que com a chegada dos novos meios é cada vez mais necessário dissociar o que é uma fábrica de conteúdos do que é uma saída desses conteúdos até a chegada no usuário final. "H&aacaacute; saídas tradicionais, como a imprensa de papel, a televisão e o rádio, e as novas saídas, os novos meios. Esses, no fundo, desejam ser novos condutos onde transita a informação desde a fábrica de conteúdos até o usuário. Nos meios tradicionais as possibilidades são limitadas e também são feitos em novos formatos."

Portanto, entendo que tanto a Convergência de Mídias como a Divergência de Meios devem ser encarados como grandes desafios.

Como o jornalismo se comportará nesses novos ambientes? É uma pergunta que me faço a todo momento.

E o futuro?

W. L. ? O processo de Convergência de Mídias está apenas no seu início. É uma nova onda digital, trazendo mais impacto no processo de obtenção, produção e distribuição da informação, independentemente da questão econômica, social ou cultural de qualquer país. É a continuação de uma seqüência de ondas surgida com a introdução paulatina de tecnologias fundamentais para consolidação das práticas jornalísticas, como a máquina de escrever, o telégrafo, o telefone e tantas outras.

Portanto, o jornalismo nunca passou incólume por inserções tecnológicas no seu fazer, fornecendo tempo para sua assimilação, tanto por parte dos jornalistas, como pelas empresas e pelos consumidores de notícias. Conforme a chegada de cada onda, o jornalismo a absorve, modifica a sua prática e se diferencia da anterior. Entretanto, duas variáveis fizeram as ondas crescerem e se tornarem mais freqüentes: a era digital e o aumento da velocidade das modificações que devem ser assimiladas pelo processo jornalístico.

Agora, o tempo para absorção, de tantas novidades e experimentos, é bem mais curto. O exemplo do uso CAR é um marco nesse fenômeno. Apesar dos 50 anos de existência do conceito, é muito fácil encontrar redações pelo Brasil sem bancos de dados nem repórteres treinados para utilizar computador como ferramenta. Enfim, inexiste uma cultura de CAR.

É uma prova de que vivemos, jornalistas e empresas informativas, ainda à sombra da velocidade das ondas tecnológicas do passado. Os jornais tiveram cerca de 200 anos para inovar, e até o cinema prevaleceu durante 30 anos, antes de ser rapidamente sucedido pelo rádio. Depois vieram a televisão, o computador pessoal e, agora, de forma fulminante, a rede.

O aumento da velocidade na introdução das tecnologias no fazer jornalístico, porém, tem criado tecnofobia entre muitos profissionais. É bom ressaltar esse aspecto, pois no decorrer deste trabalho não foi difícil encontrar jornalistas ou educadores, geralmente oriundos de veículos tradicionais ou com uma forte influência de teorias que abominam a tecnologia no fazer da comunicação, colocando na escuridão textos, livros e práticas importantes para entender o que está acontecendo nos meios de comunicação devido às novas tecnologias.

A revolução digital acaba com essa divisão…

W. L. ? Exato. Atualmente, há uma fricção entre os campos do conhecimento, que se encostam a todo momento. A invenção da web é um dos motivos importantes para que isso apareça de forma mais clara, que, segundo o filósofo Michel Serres, fornece à humanidade, pela primeira vez, um endereço que não é vinculado a pessoas ou a um lugar físico, geográfico, onde as relações sociais dependiam, antes de tudo, da distância.

Percebendo a existência deste novo ambiente, as práticas jornalísticas migram para a rede, onde se revigoram e encontram novas possibilidades. Agora, o jornalismo enfrenta um desafio histórico para se adaptar a um novo meio. Os sistemas de comunicação digital, interligados por redes (wire ou wireless), desafiam modelos de negócio e convenções jornalísticas herdadas de outras eras de inovação tecnológica, plenamente identificados pela teoria de Comunicação de Massa, elaborada por Wilbur Schramm. As teses do pesquisador americano sobre os modelos de comunicação envolvem no processo o emissor, a mensagem, o canal, a codificação, a recodificação e o receptor. Tendo o seu apogeu entre o final dos anos 40 e início dos anos 80 do século passado, elas mostram que o processo de comunicação de massa acontece a partir de uma grande corporação de mídia (emissor) para muitos (receptor).

Mas isso mudou.

W. L. ? Porque no ciberespaço não há lugar mais para jornalistas que cumpram as tarefas de gatekeepers, uma das funções paradigmáticas do jornalismo tradicional, decidindo o que a audiência deve receber em função da agenda setting, filtrando os dados em bruto, chegados às redações por meio de diversos canais e diferentes fontes, para depois apresentar ao público apenas os fatos considerados mais importantes ou pertinentes. Na mídia digital há uma ruptura, deste processo, da centralização emissora (de um para muitos, segundo Schramm), decretando a redução do papel crítico do jornalista. O profissional terá que assumir novas funções e adquirir outras habilidades para fazer valer os princípios básicos do jornalismo também no ciberespaço.

O que não muda?

W. L. ? Concordo com John Pavlik, quando afirma que no jornalismo e na comunicação de massa, não importa quanto o mundo mude, algumas coisas nunca mudarão. Entre elas, o que constitui uma grande história; o uso rigoroso de verificação do fato; conhecer as fontes (para se ter confiança); apresentar os fatos imparcialmente; fazer questionamentos consistentes e aderir aos mais altos padrões éticos.

Contudo, nesses quase dez anos de notícias via web ? que teve como um dos pioneiros da informação jornalística nesse meio o San Jose Mercury News, por intermédio dos serviços Mercury Center, surgidos ao fim de 1993 ?, a prática online do jornalismo contribui para modificar o fazer jornalístico, inclusive em outras mídias, e a sociedade ganhou mais um espaço de disseminação da informação. Apesar do tempo, não é possível identificar se a prática online do jornalismo irá mudar os princípios básicos do jornalismo, que por enquanto permanecem intactos.

As mudanças se efetivam na introdução de novas ferramentas no fazer jornalístico, implicando pelo menos quatro fundamentais transformações: no conteúdo ou narrativa; nas formas que os profissionais realizam o seu trabalho; na estrutura (o gerenciamento e cultura das organizações e indústrias de mídia) e no relacionamento entre as organizações e seu público.

Na parte do conteúdo, o jornalismo online encontra novas possibilidades de obter, arquivar, indexar e recuperar informações (texto, imagens estáticas, áudio, vídeo e animação), processando-as conforme a necessidade editorial. Neste novo processo, no mundo digital, a possibilidade do hiperlink coloca o jornalismo online como um dos mais poderosos instrumentos de comunicação, que transita numa área pouco conhecida, a da linguagem não-linear.

Portanto, nós, jornalistas não seremos mais, na web, profissionais somente de texto, de áudio ou de vídeo. Teremos que ser jornalistas digitais, multimídias, aproveitando as novas possibilidades proporcionadas pelo meio, fazendo um jornalismo de uma forma ainda não imaginada, tornando-nos profissionais em arquitetura da informação.

E o caminho para o profissional?

W. L. ? Para que essa previsão aconteça, o profissional terá que adquirir novas habilidades, especialmente no campo tecnológico. Entender como o meio se estrutura e utilizar suas características técnicas para retirar dele, com eficiência, um jornalismo de qualidade, primordial para a sociedade do futuro.

De acordo com Steve Outing, os estudantes precisam de fortes conhecimentos de ciências da computação, por exemplo, especialmente no que tange a bancos de dados e à lógica. Já para os jornalistas tradicionais que desejem manter seu status, Outing fornece um caminho: deveriam se preocupar em acrescentar capacidades tecnológicas aos seus currículos.

Entretanto, essa tendência está demorando a se consolidar. Utilizando, na maioria das vezes, o argumento de que muitos países estão atravessando um momento econômico difícil, como o Brasil, muitos profissionais e professores de Jornalismo acreditam que as tecnologias digitais, no entender deles, demorariam a ser implantadas, e se fossem, não existiriam consumidores potenciais devido ao significativo custo dos equipamentos, como aquisição de um computador.

Contudo, o fato é que com a chegada da internet no país, por exemplo, houve o aumento do acesso público à rede, seja nas escolas ou em instituições, além do forte uso corporativo, por meio de redes instaladas em empresas. Outras tecnologias digitais também estão tendo rápida disseminação como o DVD. Os Racionais MCs, um grupo musical brasileiro de RAP, lançou a última versão de seu show ao vivo nessa mídia. Segundo os integrantes, a camada mais humilde da população, consumidora dos seus produtos, prefere o DVD à antiquada fita magnética, em VHS. Mas não é só a música que pode estar nessa nova mídia. Ela pode conter uma grande reportagem, por exemplo, com texto, áudio, vídeo e animação.

Estas e outras inserções digitais estão transformando a prática jornalista, colocando a audiência em contato direto com outras possibilidades de consumir conteúdos, muitos deles concebidos de forma bastante diferente dos meios tradicionais, pois utilizam características inerentes à mídia, como hiperlinks, interatividade em tempo real etc.

A interatividade, apesar de fazer parte do processo jornalístico tradicional por intermédio da publicação das cartas do leitor (impresso), fala-povo (televisão) e repórter-ouvinte (rádio), nunca encontrou ambiente tão propício para deixar de ser um mero instrumento passivo (intencional/editado) e tornar-se uma condição ativa (total).

Para os pesquisadores Jan Dick e Vos de Loes, o ambiente online oferece um conceito de interatividade que poderia ser capaz de encontrar as condições para uma pluralidade de tipos de interação e comunicação. Essas condições são a interação humano-humano (comunicação face a face); a interação humano-meio-humano (comunicação de massa e telecomunicação, intermediadas por computador) e a interação humano-meio (interação entre humano-computador).

A interação humano-meio é o que Michael Dertouzos, no seu último livro A revolução inacabada, chama de computação centrada no homem, pois até hoje as máquinas foram projetadas pensando somente na junção hardware e software, fazendo com que o ser humano trabalhe para o computador. Agora, segundo Dertouzos, os computadores devem ser simplificados, permitindo "que falem conosco, executem tarefas para nós, consigam a informação que queremos, ajudem-nos a trabalhar com outras pessoas e se adaptem às nossas necessidades individuais". O que Dertouzos descreve é o processo também denominado como agentes inteligentes.

Esses recursos vêm sendo usados a contento?

W. L. ? As possibilidades de interatividade estão encantando os profissionais que vêem na web uma maneira de interagir com o seu público e de construção de novas formas e caminhos para a disseminação da notícia. Todavia, em outros, nasce o pavor da perda do controle (começo, meio e fim) do processo de produção do jornalismo. Entretanto, o meio digital acrescenta outras funções importantes para o profissional, como a construção de conteúdos editoriais voltados para personalização/customização, ou ainda, pela responsabilidade social em alimentar com informações e funcionar como motor na formação de comunidades virtuais, até porque os veículos tradicionais de informação, nos seus produtos online, até hoje não utilizam o ciberespaço para consolidar um ambiente de discussão democrática e, sim, usam as ferramentas oferecidas pela tecnologia online, como chat (com moderadores), fóruns e enquetes para o debate de temas periféricos e direcionados.

Outra excelente oportunidade para que os jornalistas utilizem as características da mídia digital, está no sentido de aumentar a credibilidade da profissão perante a sociedade. Pouco utilizada, ainda, existe a possibilidade de retificar imediatamente uma notícia equivocada, incompleta ou confusa. É verdade que a velocidade no processo de produção online de uma notícia pode levar o profissional a cometer erros, porém isso não é novidade no nosso ofício. Basta lembrar que no rádio e na televisão os programas jornalísticos ao vivo existem desde o surgimento dos veículos.

Portanto, a introdução de tecnologias digitais online não muda os conceitos fundamentais do jornalismo, como mencionado acima, porém está transformando o modo no qual são utilizados, em função da necessidade do atendimento de uma nova demanda (audiência com experiência em ciberespaço).

Os reflexos desse fenômeno podem ser vistos em simples comparações entre redações de veículos online e de jornal impresso, por exemplo, onde aparecem diferenças nas habilidades (tecnologia), no tratamento com a audiência (internauta x leitor), trabalho em equipe e organização hierárquica (matricial x fordismo). Também é correto afirmar que as empresas que estão investindo nesse ramo encontram todos os dias novas possibilidades, mas, também, novos insucessos.

Esse temor retarda iniciativas?

W. L. ? A incerteza do novo deve ser mola propulsora para novas pesquisas, novos experimentos, pois se nós, jornalistas, não os fizermos, com certeza alguém os fará, até porque as novas tecnologias proporcionadas pela revolução digital dão oportunidade a todos que desejam produzir conteúdo informativo, tendência sinalizada pelo surgimento dos weblogs.

Para seguirmos sendo referência na sociedade, nós, jornalistas, devemos, então, criar uma cultura de discussão desta problemática dentro das escolas de Jornalismo, celeiro de futuros profissionais. E, para que isso ocorra efetivamente, precisaremos deixar os velhos dogmas de lado, focando no fazer jornalístico e como ele se dá no mundo digital, objetivando que o jornalismo online ajude a construir uma sociedade mais justa e democrática.

(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor de jornalismo da ECA-USP e do Unifiam (SP)