Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

NP morre; TV apontada como suspeita do crime


NOTÍCIAS POPULARES

Leão Serva (*)

Para um jornal que sempre noticiou mortes com estardalhaço, foi irônica a discrição que cercou o fim do jornal paulistano Notícias Populares. Um veículo que tinha uma imagem muito forte (maior do que sua circulação) e presença no imaginário dos consumidores paulistas não poderia ter morrido assim, como um indigente anônimo.

Mas o que me pareceu mais chato foi que seu obituário (uma Carta ao Leitor que ocupou metade da primeira página da última edição, no domingo, 21/1) tenha procurado atribuir a causa mortis à televisão – que, segundo o texto, roubou as armas com que o NP conseguia no passado a sua grande circulação.

Pareceu-me que ou a empresa acusou falsamente o primeiro "suspeito de plantão" (como o chefe de polícia na cena final de Casablanca) ou, se a direção da empresa realmente crê que a TV matou o NP, essa visão equivocada pode ter sido, ela sim, a verdadeira causa mortis do jornal.

Digo isso porque embora desde os anos 50, nos EUA – e 60, no Brasil – muito se diga que a TV ameaça o jornalismo tradicional, até hoje nada ocorreu que provasse isso. Ao contrário, todos os dados concretos revelam que o fascínio da TV aumenta a penetração de outros meios. O caso mais concreto é o da cobertura de eventos esportivos: a cobertura sistemática e profissional da TV para campeonatos de futebol, basquete ou beisebol apenas aumenta a freqüência nos estádios, além incrementar a circulação de imprensa especializada.

A TV também aumenta a circulação de veículos sobre a TV, pois desperta a curiosidade de aprofundamento na cobertura de notícias que aquela divulga, sempre de forma superficial. Ou seja, a TV tem um impacto sobre os órgãos de imprensa convencional que não é necessariamente negativo. Só é negativo para quem não sabe lidar com esse impacto. Mas isso nunca foi o problema do NP, que sempre teve entre suas maiores audiências as colunas de TV (prova disso é que essa audiência não dependeu nunca do nome do autor, mas do tema), muito antes do sucesso de revistas especializadas como Amiga, Contigo etc.

Razões óbvias

Se a TV matasse um jornal popular, a Inglaterra (que serviu de modelo para a grande reforma editorial implantada no NP, em 1990) não teria quatro ou cinco jornais com mais de um milhão de exemplares diários, todos eles populares e com tratamento sensacional do noticiário. Ou a Alemanha (outra fonte de inspiração para aquela reforma) não teria como seu maior jornal o superpopular Bild.

A verdadeira causa da morte do NP certamente está em uma decisão estratégica da empresa editora de concentrar esforços em um jornal mais clean, que não "suja as mãos de sangue" (as mãos dos leitores e também dos editores). Trata-se do Agora, lançado em 1999, que procurou transpor para São Paulo o modelo do carioca Extra, filhote de O Globo.

Tanto é assim que, desde o seu lançamento, o Agora tinha muitas páginas a mais e custava muito menos do que o NP, cujo preço sempre foi alto para seus leitores. Historicamente, o NP custava cerca de 70% a 80% do preço de capa de um jornal para a classe média, como Folha e Estado; enquanto, no Rio, o preço do Extra e O Dia oscilava em torno da metade do que se paga por um exemplar do Globo ou do Jornal do Brasil.

Desde seu surgimento o Agora roubou circulação do Notícias Populares, mas jamais a empresa editora derrubou o preço de capa do NP – nem mesmo para igualá-lo ao irmão mais novo. As razões prováveis são duas e óbvias. Primeira: um jornal que vende mais é melhor e mais lucrativo do que a soma de dois jornais que vendem menos. Segunda, e talvez a principal: a imagem do NP sempre foi uma ameaça para a Folha, pelo menos desde que esta se tornou o maior jornal do Brasil.

As duas razões não são preocupações exclusivas da Folha: no livro O Reino e o Poder, Gay Talese descreve como, nos anos 60, o New York Times estudou o lançamento de um vespertino popular. Desistiu do intento por temer tanto a dispersão de energias da empresa com mais de um veículo como a contaminação de uma eventual imagem ruim do jornal popular sobre a imagem do carro-chefe da casa.

A morte de um jornal é sempre razão de pesar para todos os jornalistas, mais ainda para aqueles que dedicaram parte de sua vida ao veículo que fenece. Torço para que as razões da morte do NP sejam estudadas com mais atenção para que, daqui a alguns anos, um empreendedor não deixe de investir em um jornal temendo "que a televisão o mate".

(*) Diretor de jornalismo do iG (Internet Group do Brasil), foi editor-responsável do Notícias Populares em 1990.

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