Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

NTV em cima do muro

RÚSSIA

O canal parece o mesmo. As vinhetas continuam familiares, nomes e músicas dos programas permanecem iguais. Mas telespectadores atentos podem dizer que a NTV está diferente. Por exemplo, os fantoches. Por anos, os bonecos serviram como símbolo da irreverência da NTV, emissora que era independente quando estava nas mãos do conglomerado Media-Most, de Vladimir Gusinski. No entanto, muitos acreditam que a sátira dos bonecos, exibida toda semana no programa Kukly, eriçou os nervos do presidente russo, Vladimir Putin, particularmente por causa do fantoche que o representava, levando-o a assumir a emissora.

Agora, dois meses depois que a NTV caiu nas mãos da Gazprom, estatal de gás natural, os bonecos ainda caçoam divertidamente dos poderosos de Moscou, mas Putin escapou dos espinhos. A prova dos nove que escancara as mudanças foi exibida há algumas semanas, quando um monstro corria pela cidade ameaçando a liberdade de expressão. Finalmente, o boneco que representa Putin aparece e revela que nunca houve um monstro. O boneco que faz o papel de Ievgeni Kiseliov, diretor da NTV demitido, confirma a "verdade": ele inventou tudo.

Segundo Peter Baker [The Washington Post, 27/6/01], Putin afirma que nada tem a ver com a tomada da NTV pela estatal, mas reconhece estar feliz com os resultados. Depois que se tornou opaca e quieta, a NTV virou bichinho adestrado, que raramente transmite críticas diretas a Putin.

Pelo menos até agora não age como um instrumento grosseiro do governo, como se temia. Os telejornais da noite ainda cobrem assuntos polêmicos do dia, incluindo reportagens sobre a Chechênia, com que a antiga NTV deixou sua marca. Líderes da oposição aparecem regularmente com seus pontos de vista em relação ao Kremlin e a vários ministros, porém sem tocar no nome de Putin.

Os jornalistas russos, na opinião de Alexei Pankin [The Moscow Times, 26/6/01], adoram se sentir heróis, relegados à marginalidade e sofrendo terríveis perseguições. A última fase heróica foi em março e abril, quando 160 veículos publicaram conjuntamente uma edição especial de Obshchaia Gazeta em defesa da NTV.

Atualmente, a comunidade jornalística parece ter entrado em fase de depressão coletiva. A Rádio Liberty, reportando um evento organizado pelo Sindicato de Jornalistas Russos em São Petersburgo no final de maio, disse que "o tema dominante do discurso proferido ante mais de 1 mil jornalistas não era a liberdade de expressão na Rússia, mas a crise moral jornalística. Corrupção, depravação, reportagens compradas e falta de solidariedade corporativa foram algumas das palavras ouvidas no Congresso de Jornalistas Russos."

O primeiro sinal de que o jornalismo está entrando em depressão é a necessidade de se falar de um novo código de ética, na opinião de Pankin. Dúzias de códigos novos já foram adotados e são uma espécie de memorial para ataques previsíveis de contrição.

    
    
                     

Mande-nos seu comentário